Nalgum momento da vida, todos nós tivemos uma porta de entrada nos jogos. E não me refiro à entrada nos videojogos, que para muitos foram há já algumas décadas, mas sim aos “clássicos” jogos de tabuleiro, que marcaram presença em quase todas as casas.

No caso português, é elevada a probabilidade de um desses jogos possuir o logótipo triangular inspirado no Tangram da portuense Majora, que criou clássico após clássico ao longo das suas mais de sete décadas de história, como foi bem explicado neste artigo. Se o Risk e o Monopoly são os exemplos que mais facilmente nos vêm à memória quando falamos de jogos de tabuleiro, há muitos outros exemplos de jogos que se tornaram clássicos recentes e que habitam milhares de casas por todo o mundo. Mas de todos estes “clássicos modernos” dos boardgames há um que se evidencia em relação a todos os outros: Catan.

Do anonimato para o “estrelato”

Catan , ou The Settlers of Catan como é internacionalmente conhecido, é sem sombra de dúvida o boardgame recente de maior sucesso, tendo já vendido mais de 22 milhões de cópias desde o seu lançamento em 1995.

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Criado por Klaus Teuber, um mecânico dentário alemão que começou a carreira de game designer como um hobby. Mas essa paixão acabou por valer-lhe em 1988 o primeiro dos quatro prémios Spiel des Jahres (o mais emblemático galardão dos jogos de tabuleiro, atribuído por um júri alemão, e que reflete o que de melhor é publicado anualmente na Alemanha) que recebeu até hoje com o seu jogo Barbarossa. Klaus, um game designer a tempo parcial, acabaria por vencer o prémio também em 1990 com o jogo Adel Verpflichtet e no ano seguinte com Drunter und Drüber.

Mas é 1995 que lança a sua magnum opus, Die Siedler von Catan no título original, mas mundialmente conhecido como The Settlers of Catan (hoje conhecido apenas como Catan), que não só lhe permitiu viver exclusivamente da criação de jogos, como se tornou em pouco tempo um dos maiores sucessos comerciais de sempre. Teuber passou de um anónimo apaixonado por desenhar jogos de tabuleiro a uma verdadeira e inesperada rockstar do género, enquanto vê de ano para ano a marca que criou tornar-se a mais poderosa série de boardgames da contemporaneidade.

Catan: o assassino do Monopólio?

Mecanicamente mais complexo que Monopoly, Catan acabou por tornar-se um hábito fora dos círculos de boardgamers. Pela Europa, um número crescente de jogadores foram aos poucos rendendo-se ao jogo constituído por 19 hexágonos distintos, cuja configuração muda a cada novo jogo.

Em Catan a intrincada rede e o equilíbrio do nosso desenvolvimento está interligada à dos nossos adversários. Na ilha em forma de colmeia que representa o tabuleiro de Catan, cada jogador tem acesso a um número limitado de recursos e só através das trocas entre si é que o desenvolvimento das suas civilizações é possibilitado, até que a construção de aldeias e cidades conduza um jogador à vitória.

Catan é um jogo com regras e mecânicas simples, mas com uma complexa tática e uma pequena ação da sorte trazida pelo lançamento dos dados. As trocas de recursos entre jogadores são sempre objeto de raciocínio e de antevisão económica, num equilíbrio entre procura e oferta. Darmos a um adversário algo que ele necessita para o seu desenvolvimento como moeda de troca de um recurso que necessitamos pode ser, a meio termo, mais prejudicial para a nossa vitória do que possamos antever.

Acredito que uma das razões do sucesso e da gigantesca globalização de Catan é este balanceamento entre a simplicidade das regras e a complexidade do próprio jogo, tornando-o uma ótima porta de entrada para os boardgames, como há décadas o Monopólio o foi. É, aliás, a perceção de que Catan é sem sombra de dúvida o “clássico dos nossos tempos” como o apelidou Blake Eskin do Washington Post, e o seu gigantesco sucesso comercial numa era em que grande parte da atenção lúdica recai sobre os videojogos (facto que bem sabemos), permitiu-lhe ser apelidado como o “Monopoly-Killer” (assim foi nomeado por Andrew Curry da Wired), ou aquele que destronaria o mítico jogo da Parker Brothers na presença pelas casas de todo o mundo.

O sucesso em Silicon Valley. E em Portugal

Desde meados da década passada que Catan se tornou “o golfe de Silicon Valley” como lhe chamou Mark Pincus, o co-fundador da Zynga numa entrevista ao Wall Street Journal. É habitual que muitos dos entrepeneurs de algumas das startups da famosa região da Califórnia se reúnam para ocupar os seus encontros sociais, levando à expansão e ao crescente sucesso comercial pelo território norte-americano.

Para empresários do ramo da tecnologia, este regresso a um aspeto social de baixa tecnologia acaba por ser compreensível. A complexa estratégia que envolve o jogo, o pensamento analítico e a intrincada rede de trocas comerciais é quase uma metáfora em jogo de tabuleiro para a realidade de muitas das empresas que constituem o Valley. E não é por isso de admirar que entre os seus mais acérrimos jogadores sejam Mark Zuckerberg, Reid Hoffman (co-fundador do recém-vendido LinkedIn Corp) e John Lilly da Mozilla.

Catan tem esta característica de ser apelativo para uma gama abrangente de públicos. Por um lado o mais familiar, que rapidamente consegue encontrar algumas horas de diversão em torno de um jogo de mesa, e por outro os jogadores mais hardcore com um forte pendor tático, que o tratam como um complexo jogo de estratégia económica.

Das 30 línguas em que Catan está disponível, o Português é obviamente uma delas. Distribuído no nosso país pela Devir, a minha real perceção do impacto que o jogo tem no nosso território só foi compreendida no último campeonato nacional que decorreu no passado dia 5 de junho. Apesar do prémio ser apetecível, e o vencedor nacional de Catan receber uma viagem para os EUA para disputar o Mundial como representante português, foi o número de jogadores e o número de jogos em simultâneo que realmente surpreenderam.

Catan é um nome familiar, afinal, e acredito que facilmente chegará ao ponto em que para quase toda a gente este será um substantivo sinónimo de jogos de tabuleiro, como ainda hoje o Monopoly e o Risk o são. E com a possível adaptação à TV ou ao cinema, esta probabilidade é ainda maior.

Ricardo Correia, Rubber Chicken