Desde o dia 1 de agosto que o acesso aos registos sobre qualquer emigrante inscrito num consulado português é livre. Significa isto que qualquer pessoa que precise de uma informação, como a morada ou o contacto, de um emigrante português, pode obtê-la junto dos serviços consulares do País onde ele se encontre. A menos que esse emigrante tenha dado indicação expressa de que quer manter os seus dados confidenciais. Uma surpresa para o constitucionalista Paulo Otero, que ao Observador considerou que não se pode “presumir que uma pessoa pelo seu silêncio”, autorize que os seus dados pessoais sejam divulgados.

O parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) foi publicado em inícios de junho e segundo a Secretaria de Estado das Comunidades, em resposta ao Observador, passou a ser posto em prática no dia 1 de agosto. O mesmo parecer dava hipótese aos emigrantes que assim o quisessem de proteger os seus dados, desde que dando conhecimento aos consulados. No entanto, estamos já no mês de agosto, e há muitos emigrantes que desconhecem sequer a existência de novas regras.

“De acordo com o parecer emitido pela CADA (…) deve ser facultado o acesso à informação relativa a nomes, moradas, filiação, números de cartão de cidadão e de passaporte de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro caso o Posto Consular possua ou detenha tais dados, salvo se estiverem classificados como confidenciais ou o titular tiver manifestado vontade de que os mesmos sejam mantidos sob sigilo”, explicou ao Observador fonte oficial da Secretaria de Estado das Comunidades.

A Secção Consular da Embaixada de Madrid informou os seus emigrantes, a 20 de julho, por carta, destas alterações. E, segundo a Secretaria de Estado das Comunidades, todos os outros postos consulares estão a fazer o mesmo. “Os Postos Consulares portugueses estão a divulgar o parecer em questão junto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, através dos meios de comunicação ao seu dispor, de modo a que possam declarar expressamente que os seus dados devem ser mantidos sob sigilo, caso seja essa a sua vontade”, diz fonte oficial. Mas alguns emigrantes contactados pelo Observador dizem não terem sido informados. Outros vieram entretanto a Portugal e aguardam o regresso para espreitar a caixa de correio.

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O que diz o parecer

O parecer da CADA, uma entidade independente que funciona junto da Assembleia da República, foi a resposta a um pedido da própria Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas (DGACCP). Dizia a DGACCP que os serviços e postos consulares recebem muitos pedidos de paradeiro de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, a maioria de familiares e amigos. Há quem os procure para poder “intentar uma ação judicial”, para “enviar um convite” ou mesmo “para estabelecerem um contacto”. No seu parecer, a CADA refere que “desde que não haja oposição expressa ao conhecimento por terceiros da parte das moradas, nada obsta à sua disponibilização”.

Este pedido em nada está relacionado com os pedidos das autoridades judiciais, já contemplado pela lei, cujo acesso aos dados é permitido, desde que haja uma ordem emitida por um tribunal.

Normalmente, a CADA disponibiliza os seus pareceres na internet, mas um problema informático impede-os de publicar os pareceres, segundo informação dada por telefone. O Observador aguarda ainda o envio do documento via e-mail.

“Não se pode presumir que uma pessoa pelo seu silêncio autorize”

Para o constitucionalista Paulo Otero, é essencial olhar para o tipo de pedido de acesso aos dados pessoais de forma a não violar os direitos, liberdades e garantias do visado. Na sua perspetiva, não se justifica que os emigrantes tenham que autorizar a disponibilização de dados sobre si quando os pedidos são feitos por entidades públicas portuguesas, em matéria fiscal por exemplo.

Num outro cenário, diz ao Observador, o das entidades privadas, é necessário saber qual o fim do pedido. Paulo Otero considera que se for para um fim estatístico ou para efeitos de investigação, pode não ser necessário pedir autorização. “Para um estudo sobre quantos elementos estão a residir na área de um consulado, ou se um emigrante viajou sozinho ou em família”, exemplifica.

Em todas as outras situações “em que se vise a individualização ou a identificação concreta do visado eu diria que o princípio é de consentimento expresso”, afirma. Mais, “não se pode presumir que uma pessoa pelo seu silêncio autoriza”. Há pessoas que não querem ser localizadas por opção e têm esse direito. “Em nome do respeito da privacidade, é necessário o consentimento do visado para que sejam transmitidos os dados. Caso contrário poderá ter um efeito perverso: imagine para publicidade comercial ou partidária ou, mesmo, para associações de malfeitores, que querem saber se a pessoa está ausente de casa”, refere.

Os emigrantes que vejam os seus dados serem disponibilizados sem autorização prévia podem recorrer à Justiça e pedir a responsabilização do Estado Português, ou podem recorrer ao Provedor de Justiça na tentativa de que o Ministério dos Negócios Estrangeiros adote outras medidas, lembra Paulo Otero.