Imagine uma sala de aula que, em vez de ter um professor a debitar a matéria durante 45 ou 90 minutos, tem um professor a esclarecer dúvidas e a promover um espaço de discussão entre os alunos. Imagine um aluno que, em vez de ir para casa fazer trabalhos de casa, vai assistir a vídeos, gravados pelo professor, com a matéria que é suposto ir aprendendo ao longo do ano. Vídeos curtos, onde o professor se grava a dar uma aula, explicando a matéria no quadro, ou simplesmente faz a locução por cima de um conjunto de slides com matéria ou explicando exercícios. Isto não é ficção. É uma realidade em muitas escolas por esse mundo fora e até já chegou a Portugal.

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O conceito da flipped classroom (sala de aula invertida) foi aplicado em quatro turmas de quatro escolas portuguesas entre 2013 e 2015 — Colégio Monte Flor (Carnaxide), Escola Secundária Quinta do Marquês (Oeiras), Agrupamento de Escolas de Monte da Lua (Sintra) e Agrupamento de Escolas do Freixo (Freixo) — e semeou a mudança.

As atividades ‘fazer’ e ‘planificar’ são normalmente executadas fora do espaço da sala de aula, enquanto as atividades ‘perguntar’ e ‘mostrar’ são na sala de aula. Estamos pois numa atividade de sala de aula invertida, onde aos alunos é dada alguma autonomia para procurar informação e planificar o seu trabalho. A aula deixa de ser expositiva, centrada no professor”, resume fonte oficial do Ministério da Educação.

No caso do Agrupamento de Escolas do Freixo o modelo “puro” de sala de aula invertida — teoria aprendida através de vídeo em casa e dúvidas e discussão dentro da sala — caiu com o fim daquele projeto bianual, em 2015, “porque nem todos os alunos assistiam aos vídeos em casa”, apesar de a escola ter distribuído computadores a quem não tinha. “Mas aprendemos imenso e há turmas que continuam a ter aulas nessa linha, ou seja, com espaço de discussão, em que os alunos levam para a sala aquilo que aprenderam fora”, disse ao Observador Luís Fernandes, diretor do Agrupamento do Freixo. E esse “fora” pode ser na sala de apoio virtual em que professor, alunos e pais podem participar, e onde encontram vídeos explicativos, textos de apoio e sugestões e podem realizar exercícios sozinhos ou com a ajuda dos colegas em rede.

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Neste ano letivo, que está a começar, um novo projeto (Co-Lab — Collaborative Educational Lab), que vai envolver em Portugal mais de 300 professores em cerca de 50 escolas, também terá uma vertente baseada neste método de ensino invertido.

“Muitos alunos disseram: ‘Finalmente alguém que ensina como nós aprendemos'”

As flipped classrooms ganharam forma em 2007, no Colorado, Estados Unidos, quando o professor de Química Jonathan Bergman e outro colega procuravam uma solução para ajudar os alunos que faltavam às aulas por estarem doentes. Jon Bergman não gosta de ser chamado de criador das flipped classrooms, diz antes ser “um dos pioneiros” e, em entrevista por escrito ao Observador, explica como funciona o modelo.

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O que é uma “sala de aula invertida”? E como funciona?
A aprendizagem invertida é, na sua essência, uma ideia bastante simples. Os alunos interagem com o material introdutório em casa antes de virem para a aula. Normalmente, fazem-no através da visualização de um vídeo criado pelo professor. Esse vídeo visto em casa substitui a instrução direta, que é muitas vezes referida como uma palestra, na aula. E o tempo em aula é adaptado e aproveitado para uma variedade de tarefas, tais como projetos, investigação, debate ou simplesmente para trabalhar em aula tarefas que eram enviadas para casa no velho paradigma.

Quanto tempo têm essas lições em vídeo?
Eu recomendo aos professores que façam vídeos curtos. Entre dois a 15 minutos, dependendo da idade dos alunos. E, de acordo com o último inquérito que fiz a 2.400 estudantes para escrever um novo livro (Trabalhos para Casa e Aprendizagem Invertida), percebi que a maioria dos professores faz vídeos com uma duração até 15 minutos.

Como é que esta ideia foi recebida pelos alunos?
Os estudantes adaptaram-se ao modelo muito bem, como nativos digitais que são. Muitos disseram: “Finalmente alguém que ensina como nós aprendemos”.

Como pode ter certeza que os estudantes assistem às aulas em casa?
Tivemos alguns alunos que não assistiam aos vídeos em casa e depois chegavam às aulas e tinham de ver os vídeos enquanto os colegas trabalhavam com os professores. Esses alunos depois levavam os trabalhos da sala de aula para casa e não podiam contar com a nossa ajuda. Rapidamente perceberam que seria melhor e mais fácil para eles fazerem o trabalho de casa, ou seja, assistir aos vídeos. Mas esse problema não é assim tão grande quanto se possa pensar. E olhe que eu vi este modelo funcionar em todo o mundo.

Que resultados notou quando implementou este novo modelo de aprendizagem? Os alunos aprendiam mais e melhor?
Os resultados melhoraram, mas, mais do que os resultados nos testes, nós percebemos que eles começaram a perceber ciência. E estes resultados têm sido replicados milhares de vezes em todo o Mundo. Tenho visto a sala de aula invertida a funcionar em todo o tipo de disciplinas (matemática, ciências, inglês, literatura, línguas, história, educação física, arte, entre outras) e em todos os níveis de ensino (primário, básico, secundário e universitário).

Mas este modelo de aulas pode aumentar as desigualdades, não? O que acontece aos estudantes que não têm computadores ou internet em casa?
Em 2007, 30% dos nossos estudantes não tinham internet. Nós gravámos os vídeos em DVD e os estudantes viam-nos na televisão. Alguns compraram iPod e nós fazíamos o download dos vídeos para esses alunos. A falta de tecnologia acabou por se revelar uma não-questão. Mesmo as escolas mais pobres têm sido criativas e têm inventado maneiras de garantir o acesso aos seus alunos.

Este modelo implica que os professores trabalhem mais horas, certo? É fácil convencer os professores a aderirem?
O meu papel aqui é quase o de evangelizador das aulas invertidas. Os professores precisam de ser convencidos de que vale a pena o tempo investido na transformação. Dá muito trabalho, mas eu dou força aos professores para olharem para os benefícios da inversão da aprendizagem e milhares em todo o mundo aceitaram o desafio.

Quantas escolas praticam o modelo da sala de aula invertida? E em que países?
O modelo está a ser aplicado um pouco por todo o mundo — Tailândia, Singapura, Suécia, Noruega, Espanha, Itália.