Mitza Marin viveu os últimos dois anos em Portugal. Veio com a mulher e os filhos e, esta quinta-feira, regressa à Roménia. A família viaja num voo comercial. O tenente-coronel romeno segue aos comandos de um dos 12 F16 que a Força Aérea vendeu à Roménia.
O militar não esconde a satisfação de poder passar a pilotar diariamente o aparelho. “O avião é verdadeiramente fantástico, é o primeiro aparelho, e um dos poucos, que permite executar manobras com uma força de 9G”, destaca Marin. Como é que se sente um piloto a bordo do F16 e a sentir toda essa pressão? “Se eu tiver 80 quilos, vou pesar 720 quando faço essa manobra, por isso, pode imaginar o que é ter 720 às costas e pilotar o avião”, explica o piloto da Força Aérea Romena. “É duro”.
Mitza Marin é um dos seis pilotos romenos que esta quinta-feira vão levar os F16 para a Roménia. O primeiro-ministro e o ministro da Defesa Nacional estiveram esta quarta-feira na Base Aérea Nº5, em Monte Real, Leiria, para passarem ao ministro da Defesa romeno as “chaves” dos primeiros seis de doze aparelhos que Portugal vendeu àquele país. Azeredo Lopes não confirma, para já, se o contrato prevê contrapartidas de 78 milhões de euros, como foi noticiado em 2013, na altura em que o contrato foi assinado.
Primeiro, é preciso executar o programa até ao fim, e para isso ainda faltam dois anos. Seis caças partem esta quinta-feira para a Roménia e com eles segue uma equipa de pilotos, engenheiros, programadores e técnicos de manutenção portugueses que ficarão responsáveis pela fase de apoio à instalação dos aparelhos na nova casa, a Base Aérea N86, em Borcea. Só no final dessa última etapa, diz o ministro, se poderá olhar para trás e fazer contas aos custos e benefícios financeiros desta operação.
Mas este ano já entraram nos cofres portugueses 40,5 milhões de euros. E, desde o inicio do contrato, a Roménia já pagou a Portugal 163,6 milhões de euros dos 181 milhões inicialmente previstos no contrato.
O ministro da Defesa, porém, não revela a rentabilidade do negócio. “A Defesa Nacional não é uma empresa”, respondeu Azeredo Lopes esta quarta-feira aos jornalistas. Entre o investimento feito por Portugal na montagem e atualização das aeronaves e o que pagou a Roménia, não se sabe qual foi a mais-valia. A frase do ministro serviu para assinalar que, à parte o lucro que venha a resultar do negócio, o que interessa ao Estado português, e em particular à Força Aérea, é o prestígio de ter concluído com “sucesso” a missão de atualização e venda dos F16 comprados há 22 anos aos Estados Unidos. A garantia dada por Azeredo Lopes é a de que as mais-valias que venham a resultar do contrato serão investidas na Força Aérea.
Está previsto que, qualquer que seja o retorno, esse reinvestimento se fará nesses termos”, disse o ministro.
Ficam os dedos e os anéis
O plano de voo dos F16 para esta quinta-feira está traçado. Os motores são ligados pouco antes das 8h00 e a partida acontece à hora certa. Os seis jatos aterram duas horas depois em Itália para reabastecer e, meia hora depois, voltam a descolar. Se tudo correr como previsto, às 12h30 as rodas dos agora romenos F16 chegam ao destino, 136 quilómetros a este de Bucareste, capital da Roménia, e a cerca de 4.000 quilómetros da base de Monte Real.
Os negócios entre os dois países, no que toca aos F16 já integrados na esquadra da Força Aérea portuguesa, deverão ficar por aqui. Não está, neste momento, previsto que Portugal e a Roménia venham a negociar a transação de mais aparelhos de ponta nacionais.
No final da cerimónia, Azeredo Lopes deixou claro que Portugal não está em condições de alienar mais F16, tendo já atingido o número ideal de aparelhos a manter sob o comando da Força Aérea portuguesa para garantir a operacionalidade nacional. Até porque, para concluir a venda de doze aparelhos (os três F16 seguintes partem até ao final de 2016 e os últimos três descolam em setembro de 2017), Portugal teve de recorrer aos Estados Unidos e comprar quatro aeronaves. Em Monte Real ficam 30. “Portugal não está a vender os anéis para ficar com os dedos”, sublinha Azeredo Lopes.
Mas isto não significa que não haja interesse das duas partes em avançar com novas parcerias. O interesse terá sido manifestado, mas, como os F16 são de fabrico norte-americano, os Estados Unidos têm sempre de ser chamados a dar uma palavra na revenda destes equipamentos – até por questões de segurança, porque é preciso garantir que os aviões a jato, um importante símbolo de poderio militar, não caem nas mãos erradas. Mas, disseram os responsáveis dos dois países, do lado de lá do Atlântico ainda não houve resposta.
Se não há aviões para vender, mas há interesse na continuidade da parceria, a hipótese que resta a Portugal é a de continuar a comprar “carcaças” – palavras do ministro da Defesa – aos Estados Unidos e fazer a atualização dos equipamentos, adequando-os à sua utilização, na Roménia ou noutros Estados com quem venham a ser fechados novos contratos.
Na Roménia, os doze jatos vão “poder responder a qualquer missão”, diz Mitza, que durante largos minutos passa em revista informal o “seu” aparelho, pintado com três tons de cinza (num aspeto mais escuro que a versão portuguesa) e com as indicações de segurança em letras brancas, em inglês e romeno.
A missão principal em tempos de paz é o policiamento aéreo”, como acontecia em Portugal, mas, “mesmo nestes momentos, temos de ser capazes de desempenhar qualquer missão, por isso vamos continuar a treinar”, refere o tenente-coronel, 35 anos e piloto há 13.
O negócio com os americanos e o susto com os russos
Portugal entrou no “clube dos F16″ em 1994. Era primeiro-ministro Cavaco Silva, e Fernando Nogueira estava na pasta da Defesa, quando a Força Aérea comprou os primeiros caças norte-americanos. Anos depois, já durante o Governo de António Guterres, chegavam a Lisboa duas dezenas e meia de aparelhos. Muitos ficaram (literalmente) encaixotados à espera de serem montados. A oportunidade de os vender surgiu no negócio com Bucareste.
Os aparelhos que foram montados para a Força Aérea portuguesa serviram em algumas missões nos últimos 22 anos e, muito recentemente, foram chamados a garantir a segurança do país naquela que aparentava ser uma provocação da aviação russa.
Quatro F16 portugueses participaram numa missão de patrulhamento de quatro meses na Lituânia, ao serviço da NATO (a missão em causa foi a Baltic Air Policing). Não foi uma estreia. Em 2014, e também em 2007, os caças portugueses já tinham integrado as missões rotativas da NATO para patrulhar os céus do Báltico.
Pelo meio, em 2012, 70 militares e seis F16 portugueses participaram numa missão na Islândia. A saída dos norte-americanos das bases que mantinham na região e a necessidade de garantir a segurança do espaço aéreo do país levou a Lituânia a pedir ajuda à NATO, num momento em que a Rússia retomava as missões de patrulha de longa distância.
Dessa vez, não houve registos de maior. Talvez porque o episódio com a aviação russa estivesse guardado para outubro de 2014. Não no Báltico, mas em espaço aéreo português. Na manhã do dia 29 desse mês, o Sistema de Defesa Aérea da Força Aérea detetou duas aeronaves não identificadas. Estavam na zona de Bragança e voavam em direção a sul.
Dois caças de prontidão, que estavam pousados em Monte Real, levantaram voo e intercetaram os aparelhos russos – dois bombardeios Tu-95 “Bear” –, que seguiam sem comunicações. As aeronaves russas foram acompanhadas pelos caças até fora do espaço aéreo nacional e o episódio ficou por aí, mas marcou algumas horas de tensão diplomática entre os dois países.