Ana Abrunhosa, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Centro, foi constituída arguida pelo Ministério Público por suspeitas dos crimes de difamação agravada e denúncia caluniosa contra o antecessor e ex-deputado social-democrata Pedro Saraiva.
Em causa, estão as cartas anónimas alegadamente enviadas por Ana Abrunhosa, com ajuda do ex-marido Luís Filipe Borrego, a vários titulares de altos cargos de responsabilidade, entre os quais o então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, o procurador-geral da República e o diretor da Polícia Judiciária, onde lançava intencionalmente acusações falsas sobre Pedro Saraiva. O objetivo? Afastar do cargo o presidente da CCDR do Centro e avançar para um “lugar que há muito ambicionava”.
A acusação, a que o Observador teve acesso, consta num despacho do Ministério Público, através do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Coimbra. De acordo com a investigação, Ana Abrunhosa e Luís Filipe Borrego terão enviado cartas anónimas a partir de contas de correio eletrónico falsas e criadas para o efeito onde imputavam a Pedro Saraiva “factos graves que bem sabia não serem verdadeiros” com objetivo de “ofender a honra e a consideração pessoal e profissional” do social-democrata.
Na missiva, os dois denunciavam, entre outras coisas, “o facto de (…) Pedro Saraiva ser dono de empresas de consultoria e de outras empresas e, simultaneamente, gestor do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN)”. Algo que nunca veio a ser confirmado, apesar das investigações que foram feitas nesse sentido.
Tudo começou em 2013, precisamente um ano antes de Pedro Saraiva terminar o mandato na CCDR Centro. Ana Abrunhosa, que fora vice-presidente da CCDRC de 2008 e 2010, exercia funções de vogal executiva da comissão diretiva do Mais Centro – Programa Operacional Regional do Centro. Com a ajuda do ex-marido, e “fazendo-se passar por um grupo de empresas de consultoria e de cidadãos da região“, os dois denunciavam alegados conflitos de interesses do ex-deputado social-democrata com empresas daquela região para o afastar do cargo.
[A chegada de Pedro Saraiva] foi para muitos de nós, empresários, o receio de que muitos negócios que tínhamos em carteira iriam por água abaixo. Esses receios têm-se vindo a transformar em certezas, pois tem-nos acontecido já termos praticamente negócio fechado com empresas, municípios, associações de municípios e de um momento para o outro [estas entidades] desfazem acordos que tinham connosco, para fazerem contratos com as empresas de Pedro Saraiva“, denunciavam então Ana Abrunhosa e Luís Filipe Borrego, sob anonimato.
Os factos imputados a Pedro Saraiva foram investigados pelas autoridades autoridades e rapidamente descartados. O ex-deputado social-democrata acabaria por não se recandidatar e Ana Abrunhosa seria nomeada para o cargo que desejava. O que Ana Abrunhosa e Luís Filipe Borrego não esperavam é que a Polícia Judiciária, através do cruzamento dos endereços de protocolo de internet (IP) chegasse aos verdadeiros autores das cartas. Isto mesmo depois de os arguidos terem tentado ocultar o rasto. É isso que sugere a acusação.
A primeira carta, enviada a 5 de fevereiro de 2013, foi redigida a partir de um computador associado à etiqueta “Presidente DEM” e tinha um software conhecido como “GNU Ghostscript 7.05”. Para criar o álibi perfeito, os dois decidiram criar a conta eletrónica “antandrade1960@gmail.com”.
Foi a partir desse email, que Ana Abrunhosa e o ex-marido terão enviado a carta anónima em formato PDF para diversos funcionários da CCDR Centro, incluindo para a própria Ana Abrunhosa. Tudo “de forma a dissimular a sua responsabilidade”, concluiu o Ministério Público.
Ora, os investigadores seguiram o rasto aos emails e descobriram que o documento tinha sido enviado a partir do Departamento de Engenharia Mecânica (DEM) do ISEC, onde o ex-marido de Ana Abrunhosa foi presidente. Mais: o software em questão encontra-se instalado nos computadores afetos ao presidente do instituto. Estas duas pistas permitiram às autoridades descobrir, posteriormente, a origem das missivas.
A denúncia acabaria por ter repercussão mediática e dar origem a um processo de averiguações na Secretaria de Estado da Economia e Desenvolvimento Regional. Pedro Saraiva chegou mesmo a ser ouvido pela tutela, que deliberou a “total falsidade [daquelas] afirmações“.
Não satisfeitos, de acordo com a investigação, Ana Abrunhosa e o ex-marido terão posto a circular outra missiva com informações falsas sobre Pedro Saraiva, desta vez a partir do endereço de correio eletrónico pedro.saraiva111@gmail.com”. A segunda carta foi enviada a 3 de fevereiro de 2014, “altura em que estava a decorrer o concurso aberto pela CRESAP para presidente de CCDRC”, segundo conseguiu apurar o Ministério Público. Pedro Saraiva era o “grande adversário da arguida” e era preciso afastá-lo a qualquer custo. É esta a versão que corre no despacho do Ministério Público.
A investigação posterior concluiu que os arguidos acederam a este segundo email a partir da “casa de morada de família” dos dois. Para a investigação, já não restavam grandes dúvidas sobre a origem das acusações.
Em 2014, o Governo de Pedro Passos Coelho nomeou Ana Abrunhosa para a presidência da CCDRC por um período de cinco anos. Luís Filipe Borrego, é professor e integra o conselho técnico-científico do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra (ISEC). Os arguidos são agora acusados de dois crimes de difamação agravada e um crime de denúncia caluniosa.