Todos os requerimentos apresentados pelo PSD e CDS para a realização de novas audições na comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos foram chumbados pelo PS, Bloco de Esquerda e PCP. Foi feita uma votação para cada um dos nomes previstos no requerimento inicial do PSD e no pedido recente feito pelo CDS, por insistência expressa destes dois partidos.

A propósito deste pedido, o deputado do CDS, João Almeida, deixou o desafio: “não têm de se esconder, se querem votar contra, assumam”. As audições a várias personalidades, que foram “chumbadas” esta quinta-feira, tinham sido pedidas também por partidos à esquerda em julho quando arrancaram os trabalhos da comissão de inquérito,sobretudo pelo Bloco de Esquerda e PCP, que nos seus requerimentos iniciais queriam ouvir vários antigos administradores da Caixa, para além da auditora Deloitte.

Um dos nomes “chumbado” pela esquerda foi o de Armando Vara. Isto apesar de o antigo dirigente do PS e ex-gestor da Caixa ter manifestado por carta estar à inteira disposição do Parlamento, no interesse de salvaguardar a “sua dignidade pessoal e profissional”, como recorda o requerimento apresentado esta quinta-feira pelo CDS para ouvir Armando Vara. O nome do antigo gestor tem sido muito comentado na comissão de inquérito, a quem tem sido atribuídas algumas das operações que mais perdas trouxeram à Caixa, como o projeto de Vale do Lobo que está a ser investigado pela justiça.

A audição do antigo gestor da Caixa e do BCP, que ainda é militante do PS, tinha sido pedida nos requerimentos iniciais de todos os partidos menos os socialistas. Mas agora, PCP e Bloco de Esquerda votaram contra a audição de Armando Vara que deverá ser ouvido a título potestativo, por iniciativa do PSD e do CDS.

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O PS deixou cair a audição do presidente da comissão de auditoria do banco público até 2016, Eduardo Paz Ferreira.

Entre os nomes que foram agora chumbados à esquerda, contam-se também Francisco Bandeira, que foi administrador e vice-presidente da Caixa durante os mandatos de Santos Ferreira e Faria de Oliveira, nos Governos de Sócrates quando assumiu a liderança do BPN, representantes da comissão de trabalhadores da Caixa e do sindicato dos bancários, e os responsáveis do Banco de Portugal que tiveram o pelouro da supervisão, Pedro Duarte Neves e António Varela.

O coordenador socialista, João Paulo Correia, admitiu aos jornalistas pedir mais audições, caso os trabalhos o justifiquem, mas os representantes do PCP e do Bloco de Esquerda, Miguel Tiago e Moisés Ferreira, afastaram essa possibilidade. Para os coordenadores dos dois partidos mais à esquerda é já tempo de tirar conclusões desta comissão.

Cumprindo a intenção anunciada na semana passada, os partidos à esquerda viabilizaram apenas as audições que já tinham sido pedidas pelo Bloco de Esquerda — o presidente do Tribunal de Contas e Inspetor-Geral de Finanças, e pelos socialistas — António Nogueira Leite e Álvaro de Nascimento, que estiveram na administração da Caixa durante o mandato de José de Matos. PSD e CDS também votaram a favor. Para além destas quatro audições, falta ainda receber os depoimentos por escrito de Vítor Gaspar, ex-ministro das Finanças, e Vítor Constâncio, antigo governador do Banco de Portugal.

Quanto às cerca de 20 personalidades e instituições que faziam parte do requerimento inicial apresentado pelo PSD, e cujas audições foram todas chumbadas, os social-democratas têm direito a chamar potestivamente oito personalidades. O CDS pode chamar dois. Armando Vara, o ministro das Finanças, e o ex-presidente António Domingues, vão fazer parte deste lote, admitiu já o coordenador do PSD, Hugo Soares, aos jornalistas. A auditora Deloitte e Francisco Bandeira, também foram referidos.

As audições serão pedidas à medida que os trabalhos forem decorrendo, acrescentou Hugo Soares.

Esquerda tem pressa em terminar. Bloco até já tem conclusões

Depois de uma reunião com muita conturbada, os coordenadores partidários fizeram declarações cá fora aos jornalistas. A começar por Moisés Ferreira que apresentou já as primeiras duas grandes conclusões do Bloco de Esquerda depois de ouvir 14 personalidades, mas ainda antes de questionar algumas pessoas que o próprio partido pediu para ouvir.

  • A Caixa foi utilizada, por diversas vezes ao longo dos últimos anos, para suportar e financiar agentes do sistema financeiro e outros grupos, entre os quais é destacado o BCP.
  • A capitalização realizada em 2012 pelo Governo PSD/CDS foi imprudente ao não ter considerado os impactos da recessão na banca e ao ter ignorado os sinais de agravamento do incumprimento no crédito.

Questionado sobre porque votou contra a audição de entidades que quis ouvir em julho, Moisés Ferreira argumentou que os trabalhos desenvolvidos ao longo destes meses e as 14 audições já realizadas trouxeram já informação suficiente para tirar conclusões. O deputado do Bloco acusou o PSD de querer prolongar o inquérito parlamentar à Caixa.

Apesar de concluir que o banco do Estado foi utilizado para financiar uma guerra pelo controlo do BCP, Moisés Ferreira não acha necessário ouvir Armando Vara, um dos administradores da Caixa que foi para a gestão do banco privado. Isto porque considera que não iria acrescentar nada de relevante ao testemunho já prestado pelo antigo presidente da Caixa, Carlos Santos Ferreira.

A tentativa de acelerar e até concluir os trabalhos surge depois de uma decisão, inédita, do Tribunal da Relação de Lisboa, no sentido do levantamento do sigilo bancário, profissional e de supervisão, invocados pela Caixa Geral de Depósitos, Banco de Portugal e Comissão de Mercado de Valores Mobiliários para recusar entregar documentação pedida pela comissão de inquérito. Parte dessa informação diz respeito aos créditos dos maiores devedores da Caixa que foram alvo de imparidades e provisões, no quadro do processo de recapitalização.

O coordenador comunista, Miguel Tiago, o único a fazer uma declaração antes da reunião, admitiu que o PCP “é sensível ao facto de uma parte destes documentos poderem prejudicar a Caixa num contexto concorrencial”, apesar de também ter recorrido da recusa das instituições em entregar a informação.

Miguel Tiago, tal como João Paulo Correia do PS, rejeita a tese dos partidos à direita de que pretende boicotar a comissão de inquérito à Caixa, lembrando que PSD e CDS têm o poder de impor audições a título potestativo. O deputado do PCP considera ainda que os trabalhos da comissão já mostraram que o inquérito parlamentar não é o instrumento mais adequado para fazer o escrutínio de um banco em funcionamento. “Fazer uma autópsia a um ser vivo pode causar danos irreparáveis” e questionou as reais intenções do PSD/CDS ao querer prolongar os trabalhos.

A criação desta comissão de inquérito foi uma iniciativa do PSD, apoiada pelo CDS, que avançou a título potestativo, contra as vontades do PS, Bloco de Esquerda e PCP.

Quanto à margem temporal que a comissão precisaria para ter oportunidade de analisar a informação sensível do banco público, e considerando que a Caixa, o Banco de Portugal e a CMVM reclamaram do acórdão da Relação, João Paulo Correia admite prolongar os trabalhos caso esses documentos sejam entretanto entregues, mas dentro do limite temporal fixado para esta comissão.

“Têm medo” do que podem ouvir?

A reação à direita foi dura. Hugo Soares do PSD repetiu as acusações de boicote por parte dos partidos da esquerda, usando a metáfora do muro. De um lado estão os que querem descobrir a verdade e defendem a transparência, do outro lado estão o PS, o Bloco e o PCP que querem impedir os trabalhos da comissão.

Questionando estes partidos sobre as razões pelas quais não querem ouvir os ex-administradores, Francisco Bandeira e Armando Vara, ou a auditora da Caixa, a Deloitte, Soares conclui que só pode haver duas respostas. Ou consideram que esta comissão é uma fraude ou têm medo do que podem ouvir.

João Almeida do CDS também denunciou um boicote inédito e classificou de “surreal” o facto de existir um partido que já tem conclusões . Defendeu também que o chumbo de audições numa comissão de inquérito quebra um precedente, face à prática verificada em comissões anteriores, lembrando os elogios que mereceu a comissão de inquérito ao Banco Espírito Santo.