As últimas semanas foram de agitação provocada por uma coligação negativa pouco comum em solo parlamentar. O PSD uniu-se à esquerda e deixou o PS sem apoio no Parlamento e chumbou a redução da Taxa Social Única (TSU). Mas esta sexta-feira, dia de votações no Parlamento, imperou o bloco central quando os temas voltaram a dividir a maioria de esquerda. Por que não se repetiu a TSU? O PSD explica que não vai ser fator de bloqueio só porque sim: “Cada caso é um caso”. E “nunca poderia” votar a favor da nacionalização do Novo Banco, já que sempre foi contra. Fazer tremer a geringonça não é uma questão de “tática política”, dizem os sociais-democratas.

“São casos diferentes”, explica ao Observador o deputado social-democrata Duarte Pacheco, afirmando que o PSD não vai repetir o que fez na redução da TSU apenas por uma questão de tática política. “Já vimos no passado que o sistema financeiro é uma questão muito delicada e sempre fomos contra a nacionalização, nunca podíamos votar a favor”, diz. “Cada caso é um caso” e tudo depende das “características das propostas em causa”. Segundo acrescenta Carlos Abreu Amorim, vice-presidente da bancada social-democrata, nem o PSD podia ter votado ao lado da esquerda a questão da nacionalização do Novo Banco, nem se pode dizer que o PSD votou contra aquilo que acredita no acordo de concertação social: “Foi a melhor maneira de proteger a concertação social de um acordo que não era livre, já estava pré-concebido”.

Então, o PS precisa ou não do PSD para governar? Eis a questão. Para os sociais-democratas, que não gostaram de ouvir o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares dizer recentemente que o PS “nunca mais vai precisar da direita”, essa afirmação está longe de ser verdadeira. E prova disso, garantem, foi a viabilização, também esta sexta-feira, de uma polémica alteração à lei sindical da PSP. O Governo quer mexer-lhe, mas precisa de dois terços dos deputados para ter luz verde. “O PSD tem uma atitude responsável e por isso deixamos passar a proposta, mesmo não concordando com tudo”, argumenta Carlos Abreu Amorim, sublinhando que querem negociar e dialogar sobre a medida.

Desta vez o bloco central funcionou, com temas forte e polémicos. No guião de votações estava a nacionalização do Novo Banco, pedida pelo PCP e BE, bem como a vinculação de docentes contratados, também exigida pelos partidos à esquerda do PS. Havia também cinco votos de condenação às política anti-imigração de Donald Trump. Afinal, desta vez as divisões à esquerda acabaram contornadas pelo entendimento entre o PS e o PSD, ou, usando uma expressão repudiada por António Costa: os partidos do arco da governação. O que é certo é que o arco funcionou para rejeitar a nacionalização do Novo Banco pedida pela esquerda, bem como as alterações ao regime de vínculos dos professores. E até funcionou para deixar passar três votos de condenação (o do PS, PSD e CDS) a Donald Trump. Os da esquerda caíram.

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Sem travar nada que viesse do Governo ou do PS, houve também entendimentos ao centro para deixar passar a recomendação dos socialistas para que o Governo torne gratuito o acesso aos museus, para jovens até aos 30 anos, durante fins-de-semana e feriados. PS e direita juntaram-se para impedir o PCP de consagrar o dia 31 de janeiro como dia nacional do sargento e ainda para travar a recomendação dos comunistas e ecologistas para reduzir as embalagens de plástico nas superfícies comerciais.

Já na proposta do Governo para alterar a lei sindical da PSP, o entendimento foi ainda mais alargado: todos os partidos consentiram que baixasse à comissão da especialidade sem ser votada, mesmo com o PSD a discordar de vários pontos do seu conteúdo. O mesmo aconteceu com a lei da nacionalidade.

Nacionalizar Novo Banco? Talvez, mas agora não

O discurso socialistas sobre a nacionalização do Novo Banco é em tons de cinza, mas o momento da votação foi a preto e branco. Sem contemplações, o PS chumbou, com a ajuda de PSD e CDS, as recomendações dos seus parceiros de esquerda para nacionalizar o Novo Banco. Durante o debate que antecedeu a votação, João Galamba tinha tentado fazer o pleno ao dizer que “deixar o processo de venda decorrer é o que melhor protege os interesses do Estado e dos contribuintes e é a melhora forma de, no futuro, nacionalizar o banco, se tudo falhar”. Os socialistas têm defendido uma nacionalização temporária, mas apenas e só se falhar a venda, sobre cujo sucesso os socialistas duvidam.

A estratégia da esquerda, para não cavar o fosso na maioria que segura o Governo, voltou a ser concentrar os ataques no PSD. O tripé partidário PS, BE e PCP (mais Verdes) juntam-se quando se trata de apontar o dedo à governação do PSD e CDS que, a par com o Banco de Portugal, acusam de ter tardado a agir no caso BES — intervencionado pelo Estado para salvar os ativos bons, transferidos para o Novo Banco. A direita atira para o lado de lá os argumentos da esquerda sobre a boa gestão pública, acenando com a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, que este Governo tem estado a negociar.

Apesar desta troca de argumentos, PS, PSD e CDS acabaram por ficar do mesmo lado a defender que a instituição bancária seja mesmo vendida. Os sociais-democratas, pela voz de Duarte Pacheco, foram claros: “O PSD é, por princípio, contra a nacionalização e vamos ser claros: “Sabemos que essa é uma opção ideológica de outros saudosistas de modelos já passados”.

Vínculos dos docentes ficam como o Governo definiu e nem mais uma vírgula

A intervenção do PS, a cargo do deputado Porfírio Silva, serviu para estancar a questão levantada à esquerda, lembrando o que o Governo aprovara no dia anterior: “É um dia propício para este debate, porque o Governo aprovou ontem o diploma que dá uma resposta significativa a essa questão” e permite “a vinculação de mais de 3.000 docentes só no próximo ano letivo”. Mas a posição não convenceu Joana Mortágua do BE, que apesar de dizer que esses 3.000 professores “merecem estar vinculados aos quadros”, também afirmou que “o desafio que existe é vincular todos os outros que faltam vincular e aí o BE não vai descansar”.

As recomendações de BE e PCP passavam pela alteração à norma-travão para celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado, desafiando o Governo para que aos três anos de serviço (PCP) ou aos três contratos sucessivos (na proposta do BE) os docentes contratados integrassem a carreira. Mas o PS, mais uma vez com a direita ao seu lado, travou esta intenção, ficando-se apenas pelo que o Governo apresentara no dia anterior.

Condenar Trump? Sim, mas…

Na condenação às políticas dos primeiros dias da administração de Donald Trump, o Parlamento bem tentou mas não conseguiu entender-se. Cada partido optou por escrever um texto de condenação à sua maneira, com os termos que considerou pertinentes, e procurou depois convencer os restantes de que a sua formulação era a mais indicada. Quem ganhou? O bloco central. Apenas os textos do PS, PSD e CDS foram aprovados, com o PCP e o Bloco a aprovarem os seus próprios textos e o do PS. No entanto, o PS não fez o mesmo (limitou-se à abstenção, que não foi suficiente para viabilizar os textos da esquerda).

A atitude do PS, PSD e CDS nesta matéria foi de paz: abstiveram-se nos textos uns dos outros, constituindo assim a maioria necessária para a aprovação. O mesmo acordo tácito não se verificou à esquerda, uma vez que, para os votos de condenação do BE e do PCP serem aprovados, seria preciso que o PS votasse a favor.

Mas nem sequer a abstenção do PS aos textos da esquerda — que tinham formulações mais latas contra praticamente todas as declarações e atitudes do presidente-norte-americano — foi unânime entre socialistas. Houve quem recusasse por completo essas formulações e votasse ao lado da direita contra a esquerda, como foi o caso de quatro deputados do PS: Sérgio Sousa Pinto, Miranda Calha, Vitalino Canas e António Gameiro.

Foi só por causa da viabilização dos socialistas que o voto do PSD foi aprovado, e a verdade é que o conteúdo do documento tinha tudo para incomodar a “geringonça”. É que o PSD optou por centrar a sua condenação a Trump na defesa dos “valores da relação transatlântica”, apelando ao Governo português que, no âmbito das organizações internacionais de que faz parte, “desse voz a esta reprovação” e renovasse os desígnios que formam a estrutura da relação transatlântica. Ou seja, obrigou o PS a reafirmar a defesa da NATO e a reafirmar o seu compromisso com os acordos internacionais e europeus — temas muito sensíveis à esquerda, que é frontalmente contra a NATO.