Depois de vários dias de notícias dispersas e, por vezes, contraditórias, veio a confirmação de um acordo — que ainda não é um negócio fechado. O Lone Star vai comprar 75% do Novo Banco, com o Fundo de Resolução a ficar com os outros 25%. O fundo americano entra já com 750 milhões de euros, mais 250 milhões até 2019. Os obrigacionistas entram “voluntariamente” com 500 milhões de euros. E se for preciso mais, será o Fundo de Resolução a assumir a fatura, uma responsabilidade passa para os bancos, mas que pode ser financiada pelo Estado. Vamos por partes.

Costa garante custo zero para os contribuintes. Será assim?

A atribuição de uma garantia pública para cobrir perdas nos ativos de alto risco do Novo Banco era uma das três linhas vermelhas que o primeiro-ministro não quis ultrapassar nesta negociação. E, de facto, a solução encontrada evita a necessidade de prestação de quaisquer garantias por parte do Estado ou do Fundo de Resolução, pelo menos nesta fase. Esta salvaguarda foi sublinhada vários vezes pelo primeiro-ministro, António Costa, durante a conferência de imprensa.

As garantias públicas, conforme explicou ao Observador o Instituto Nacional de Estatística (INE), podem só pesar nas contas públicas quando são acionadas, mas se existir uma elevada probabilidade de isso acontecer, como parecia ser o caso do Novo Banco, se essa tivesse sido a opção, seriam logo contabilizadas no défice.

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A alternativa encontrada é uma solução complexa que combina a participação acionista de 25% do Fundo de Resolução com a responsabilidade por 3.800 milhões de euros de ativos problemáticos do Novo Banco. Se a exploração destes ativos correr mal, o Fundo é a primeira entidade a ser chamada. Caberá ao acionista público meter recursos no caso do Novo Banco necessitar de uma nova recapitalização, além daquela que é feita agora com fundos da Lone Star. Ou seja, não sendo uma garantia, acaba por dar uma garantia ao investidor privado que fica protegido do risco dos ativos problemáticos.

A nova entrada de fundos públicos só acontecerá se ocorrerem duas coisas ao mesmo tempo.

  • O mau desempenho dos tais ativos problemáticos
  • A queda dos rácios de capital Core Tier 1 abaixo dos 12,5%

Essas eventuais injeções de capital terão um limite, não se sabe qual, e serão pagas pelas entidades que financiam o Fundo de Resolução: os bancos. E se este fundo não tiver fundos que cheguem, o Estado volta a emprestar – como já fez para assegurar as resoluções do BES e do Banif, carregando na fatura da dívida dos bancos ao Estado cujo prazo de pagamento já foi prolongado em cerca de 30 anos.

António Costa afastou, contudo, a criação de mais contribuições dos bancos para o fundo, além das que já existem. O Fundo já recebeu empréstimos de 4,4 mil milhões de euros do Estado. Mas ainda que o Estado entre apenas como financiar do esforço do fundo, não é claro que não conte para o défice, mas essa conta ainda pode demorar alguns anos, pelo menos três, a chegar.

António Costa garantiu que esta solução ganha quando comparada com a nacionalização. Segundo contas feitas pelo Governo, esta opção custaria quatro a 4,7 mil milhões de euros, porque o Estado (e os contribuintes) teria de assumir logo os custos de futuras necessidades de capital, por exigência de Bruxelas. A outra alternativa, seria a liquidação do banco. Se as contas e as garantias apresentadas por Costa vão bater certo, vamos ter de esperar para ver, talvez alguns anos. O que será conhecido mais cedo é se os argumentos do Governo convencem as entidades que calculam o défice público.

Depois de alguns terem tido perdas involuntárias em 2015, os credores vão agora ser convidados a trocarem títulos por outros, com condições menos vantajosas. Que consequências?

Operação depende de troca de obrigações, ruinosa para os credores

Foi a notícia mais inesperada do dia, apesar de nos dias anteriores ter corrido alguma informação que apontava neste sentido. O Novo Banco tem dívida emitida de grau senior, ou seja, obrigações com elevado estatuto na hierarquia de investidores mas que não conta como capital. Alguns desses credores já foram penalizados em 2015, sem ter tido voto na matéria, quando alguns títulos (dois mil milhões) foram passados de novo para o BES-mau. Desta vez, o Governo sublinha que se trata de uma operação “voluntária” em que estes serão convidados a trocar os títulos por outros com menor qualidade (eventualmente prazos mais dilatados ou juros menores).

E isto não é um bail in forçado, uma imposição de perdas contra a vontade dos credores? Sendo “voluntário” (como foi o perdão de dívida na Grécia em 2012) em termos formais não há uma imposição involuntária de perdas. Mas os credores têm noção de que se a operação não avançar, a alternativa pode ser a liquidação do banco: e, aí, arriscam ficar com quase nada. Nos próximos dias, e sobretudo nas próximas sessões bolsistas, saberemos até que ponto esta questão vai ou não penalizar a perceção de risco em torno de Portugal, mesmo tratando-se de uma proposta voluntária. Mas alguns especialistas admitem que a questão pode ser delicada, porque as obrigações do Novo Banco tinham vindo a recuperar no mercado.

Num tom um pouco diferente do que disse o Governo, o Banco de Portugal sublinha a importância desta operação para a venda e fala em “pelo menos 500 milhões”. Dentro do universo de obrigacionistas do banco, cuja origem será variada e não é conhecida em detalhe (pode haver portugueses: bancos e outras entidades), alguns terão de aceitar trocar os títulos. É algo parecido com o que aconteceu no italiano Monte Paschi di Siena, mas no contexto de uma venda de um banco de transição.

Os novos títulos irão contar como capital para o Novo Banco, limitando a necessidade dos bancos (Fundo de Resolução) se comprometerem com a injeção de mais fundos (algo para que teriam de ter um empréstimo público). Ao obter estes 500 milhões (“pelo menos”, diz o Banco de Portugal), o rácio de capital do Novo Banco ganha uma “almofada” em relação aos mínimos. À medida que forem registadas perdas nos ativos do banco, isso irá destruir capital e, portanto, deverá ser utilizada a almofada. Só se as perdas baixarem os capitais do banco abaixo dos mínimos é que entra o Fundo de Resolução, com dinheiro emprestado pelo Estado.

Perante a insistência dos jornalistas, o primeiro-ministro e o ministro das Finanças não disseram o que é que acontece se a operação não tiver sucesso.

Bancos têm razões para ficar satisfeitos com a solução?

Os bancos vão ficar com mais um lote de responsabilidades associadas ao Novo Banco, depois do que já foi perdido com a resolução de 2014. Mas António Costa sublinhou que não vai haver contribuições extraordinárias por causa desta questão. Ou seja, é mais uma responsabilidade multimilionária para os bancos, mas isso não irá afetar o ritmo de contribuições para o Fundo de Resolução (para que depois sejam reembolsados os empréstimos públicos).

A melhor notícia para os bancos, à primeira vista, está naquilo que foi descrito na questão anterior: só depois de se “queimar” o capital criado com a troca “voluntária” até ao ponto de os capitais do banco caírem para os mínimos, só depois disso é que o Fundo de Resolução entra em cena. Resta saber se, ao pouparem aí, um eventual impacto sobre a perceção de risco sobre a banca nacional não irá ser um contrapeso a esse efeito positivo.

Se forem necessários mais empréstimos por parte do Estado, os bancos terão de pagar “os juros iguais aos custos de financiamento da República”, pelo que não há qualquer “favor” ou “perdão” aos bancos, asseverou António Costa.

O Estado fica com 25% e tem direto a quê?

De acordo com o comunicado, as condições acordadas “preveem também mecanismos de salvaguarda dos interesses do Fundo de Resolução, de alinhamento e de fiscalização, não obstante as limitações decorrentes da aplicação das regras de auxílios de Estado”. E uma dessas limitações foi o impedimento de nomeação de administradores para o Novo Banco por parte do acionista minoritário. Em contrapartida, o Fundo de Resolução terá a última palavra no destino dos tais ativos problemáticos de 3.800 milhões de euros, pelos quais assume também a responsabilidade financeira em caso de perdas. Isto significa que a Lone Star, apesar de maioritária, não pode impor perdas ou a reestruturação destes ativos (sobretudo créditos) sem o aval do parceiro público.

Segundo foi dito na conferência de imprensa, o Fundo de Resolução pode ainda vender a sua participação de 25% e fica com o produto da exploração dos tais ativos cuja receita, que caso exista será usada para recapitalizar o Novo Banco. Outra garantia obtida pelo Governo é de que a Novo Banco não poderá pagar dividendos durante cinco anos, o que significa que o acionista privado irá abdicar da distribuição de lucros (se existirem) a favor também do reforço de capitais do Novo Banco.

A venda ficou mesmo fechada ou ainda há questões pendentes?

Há várias matérias ainda em aberto. Portugal comprometeu-se com a Comissão Europeia a vender até agosto deste ano, mas o acordo agora alcançado com o fundo Lone Star permite às autoridades portuguesas ganhar tempo para fechar o dossiê. E uma matéria central, reconheceu Mário Centeno, na negociação entre o Fundo de Resolução e o comprador, será a troca “voluntária” de 500 milhões de euros de obrigações em títulos com um prazo mais alargado.

Esta operação faz parte da recapitalização agora acordada, também com Bruxelas, e não é claro o que acontece ao acordo de venda se a tal adesão voluntária dos obrigacionistas não se confirmar. Mário Centeno e António Costa não responderem a essa questão. Outra das questões pendentes que irá exigir mais capital é ainda um exercício de gestão de ativos e passivos. No curto prazo, o Novo Banco deverá receber mais 1.250 milhões de euros em capital (750 milhões da Lone Star e 500 milhões dos obrigacionistas). Até 2019, o investidor privado deverá entrar com mais 250 milhões de euros.

Apesar da mensagem de congratulações vinda de Bruxelas, os serviços da comissária da Concorrência, Marghrete Vestager, lembraram que para a venda ser formalmente aprovada é necessário que Portugal e o comprador apresentem os detalhes do plano final de reestruturação – esperam-se mais despedimentos (cerca de 400) e fecho de balcões (55) e outras condições ainda não conhecidas – das quais os membros do Governo não falaram. O Banco Central Europeu também tem de dar aval.

Quem é o comprador do Novo Banco?

A Lone Star é uma empresa gestora de private equity, isto é, de fundos não cotados em bolsa que apostam em projetos que enfrentam dificuldades, mas nos quais é identificado potencial de valorização. A entidade que agora celebrou um acordo para concretizar a compra do Novo Banco investe em imobiliário, crédito, ações e noutros ativos financeiros.

De origem norte-americana, a Lone Star foi fundada em 1995 por John P. Grayken, multimilionário que é classificado pela revista Forbes como o segundo homem mais rico do Mundo na atividade de private equity. O magnata, detentor de uma fortuna que soma 6,3 mil milhões de dólares [5,9 mil milhões de euros], renunciou à nacionalidade norte-americana e tornou-se cidadão irlandês por razões fiscais, ainda de acordo com aquela revista, estando impedido de passar mais de 120 dias por ano em solo dos Estados Unidos, sob pena de ser perseguido pelas autoridades tributárias.

Desde o nascimento, a Lone Star criou 17 fundos, com o investimento total a fixar-se em 70 mil milhões de euros [66 mil milhões de euros]. Os investimentos da Lone Star no mercado europeu começaram a ganhar peso a partir de 2005, depois de uma primeira fase de expansão internacional para o Canadá e o Extremo Oriente. A instituição financeira que resultou da resolução do Banco Espírito Santo não é o primeiro passo de entrada em Portugal. Em agosto de 2015, comprou quatro centros comerciais Dolce Vita, no Porto, em Vila Real, em Coimbra e em Lisboa. Estas aquisições foram realizadas na sequência da insolvência das empresas imobiliárias do grupo espanhol Chamartín Imobiliária.

Na altura, os ativos em causa foram colocados à venda por pouco mais de 40 milhões de euros cada um. Três daqueles centro comerciais foram já vendidos, numa operação que terá envolvido 200 milhões de euros e a Lone Star ficou na posse, apenas, do espaço localizado na praça Duque de Saldanha, em Lisboa, onde existiu o cinema Monumental. A Lone Star também comprou ao Catalunya Banc, entidade proprietária da Lusort, os ativos imobiliários e a concessão da marina de Vilamoura, no Algarve. O negócio foi fechado por 200 milhões de euros. Atualmente, os ativos geridos pela Lone Star valem 64 mil milhões de dólares [60 mil milhões de euros].