A taxa de execução da Lei de Programação Militar (LPM) caiu nove pontos percentuais de 2015 para 2016, segundo o relatório a que o Observador teve acesso e que já deu entrada na Comissão Parlamentar de Defesa. A taxa de execução global das verbas destinadas aos gastos das Forças Armadas com equipamento foi de 77,7% em 2016, quando tinha sido de 86% em 2015. O número fica muito abaixo daquilo que o próprio ministro da Defesa tinha anunciado no dia 18 de janeiro deste ano, aos deputados: a taxa de execução da LPM ficou 20 pontos percentuais abaixo daquilo que o próprio Azeredo Lopes previra, embora tenham sido gastos mais 30,5 milhões de euros do que no ano anterior.

O Ministério da Defesa (que entretanto enviou este esclarecimento ao Observador no dia seguinte à publicação da notícia) ressalva, no entanto, que o ministro estava a contabilizar apenas a execução das verbas da LPM que constavam no Orçamento do Estado para 2016, excluindo os saldos que transitam de um ano para o outro e as receitas dos ramos militares. Mesmo considerando critérios idênticos aos de Azeredo Lopes (sem contar com os saldos e as receitas), a execução também não foi de 97%, mas de 82,5%. O gabinete do ministro reconhece essa disparidade, mas sublinha que em valores absolutos “significa um aumento de investimento de 30,5 milhões de euros em valores absolutos”.

Nessa reunião de janeiro com os deputados da Comissão Parlamentar, Azeredo Lopes criou expetativas ao dizer que a execução estava quase nos 100%, ao afirmar: “A taxa de execução relativa às receitas gerais, que é a baliza mais objetiva que é possível estabelecer, foi superior à média, atingiu os 97%”.

Segundo uma fonte oficial do Ministério da Defesa, em resposta a perguntas do Observador, as contas do ministro referiam-se a “valores previsionais, uma vez que as contas ainda não estavam fechadas”, e diziam respeito “apenas à execução das verbas provenientes do Orçamento do Estado”, designadas por “‘receitas gerais’, sem incluir as verbas provenientes de ‘“receitas próprias”’. Quer com esta resposta dizer a Defesa que o ministro não contabilizou os saldos (verba que não foi gasta no ano anterior), que transitam de um ano para o outro, e ainda outras receitas dos ramos. No entanto, segundo outra fonte da Defesa, o ministro não terá explicado com clareza suficiente no Parlamento que o valor a que se referia era apenas o que estava inscrito no Orçamento do Estado — o que surge como uma nova forma de contabilizar a execução das compras militares.

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Naquele contexto específico era este o indicador que se impunha pelo facto de ser aquele [indicador, o das “receitas gerais”] que melhor permite aferir da aplicação efetiva das verbas do OE, pois são as mais certas e regulares e assim permitem a antecipação do planeamento e melhorar as taxas de execução”, explica o Ministério da Defesa ao Observador.

Lei de Programação Militar com taxa de execução de 97% em 2016

Queixas das Finanças na disponibilização dos saldos

O relatório, assinado por Alberto Coelho, diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional e presidente do núcleo de acompanhamento da LPM salienta que “a redução” da execução da LPM “tem a ver com o facto de alguns dos grandes projetos não terem sido fechados em contrato até ao final do ano”, como foram os casos da modernização dos C-130, a aquisição de viaturas 4×4 para o Exército, a substituição dos Alouette III, ou a aquisição de baterias e revisão do submarino Tridente.

Tal como no relatório do ano passado, a comissão de acompanhamento da LPM responsabiliza o Ministério das Finanças — sem o nomear — por parte dos atrasos nos programas. Todos os anos, os montantes que não são aplicados transitam como saldos para o ano seguinte. Só que ficam dependentes da aprovação das Finanças para serem libertados e aplicados na aquisição de material no ano corrente. “Os atrasos verificados nos projetos e que se traduzem em saldos no final do ano criam, na prática, um óbice financeiro à edificação de capacidade gerando fatores adicionais de atraso e complexidade processual, nomeadamente pela existência reiterada de saldos transitados, cuja aprovação é tardia”, pode ler-se no relatório.

Nas recomendações, a comissão sugere que o Governo disponibilize os saldos com maior rapidez: “Verifica-se a necessidade de encontrar mecanismos que permitam dispor dos saldos transitados mais cedo, de modo a não prejudicar outras aquisições planeadas, designadamente a necessidade de acomodar em receitas gerais as dotações referentes a compromissos em anos futuros.”

O ministro da Defesa subscreve as críticas que constam do relatório e admite que já comunicou essa preocupação ao ministério de Mário Centeno, que já disponibilizou esses montantes às Forças Armadas. “O desfasamento da aprovação em 2016 repercutiu-se naturalmente na transição dos saldos”, escreve o gabinete de Azeredo Lopes em resposta às perguntas do Observador.

O Ministério da Defesa Nacional considera desejável que haja uma maior celeridade neste procedimento, razão pela qual partilhou esta necessidade com o Ministério das Finanças, encontrando-se à presente data já integrados no orçamento de 2017 todos os saldos transitados de 2016″.

“Alguns projetos de grandes dimensões em relação aos quais havia a expetativa de execução em termos financeiros durante 2016 revestiram-se de alguma complexidade contratual que impediu a sua conclusão”, explica o Ministério da Defesa ao Observador.

EUA responsáveis por atrasos nos C-130 e Tribunal de Contas nos submarinos

Ao contrário do que tinha acontecido em 2015, a Força Aérea foi o ramo com menor taxa de execução em 2016: conseguiu aplicar apenas 57,7% das verbas, quando em 2015 tinha gasto 91% do dinheiro disponível. Este ramo foi afetado por problemas e atrasos em pelo menos dois programas: a modernização dos aviões de transporte Hércules C-130 e a substituição dos velhos helicópteros Alouette.

No que diz respeito aos aviões de transporte, a modernização das aeronaves teve entraves nos Estados Unidos, o país que fornece o equipamento. “Trata-se de um contrato Estado a Estado, através do mecanismo Foreign Military Sales (FMS)”, explica o gabinete do ministro da Defesa. Os atrasos tiveram a ver com a “mudança de gestor de projeto FMS nos EUA e da complexidade das negociações entre as diferentes intervenientes, nomeadamente com a OGMA”, o que causou “um atraso de cerca de 6 meses, sendo que a assinatura do contrato está prevista para os próximos meses de Maio e Junho”.

No caso dos Alouette, “a necessidade de dotar o helicóptero ligeiro de valências de duplo uso, designadamente no que respeita à sua participação no dispositivo de combate a incêndios florestais como se pretende, obrigou a redefinir os requisitos do projeto”, explica o ministério. Essa capacidade “implicou algum atraso no lançamento do procedimento; contudo, está a decorrer já neste momento a fase de consulta a fornecedores e o atraso não comprometerá a substituição do Allouette III no prazo previsto”, garante fonte oficial do ministério de Azeredo Lopes.

O ramo das Forças Armadas com maior taxa de execução de verbas destinadas à aquisição de material militar foi a Marinha, que em 2106 aplicou 84,4% da dotação financeira que tinha à sua disposição (que corresponde a um gasto de 106 milhões de euros). Em 2015, no entanto, a Armada tinha uma taxa de execução de 91%, embora isso correspondesse a um gasto menor, de 73 milhões de euros.

Ainda assim, o ramo naval teve programas que sofreram atrasos. O principal está relacionado com a aquisição de baterias e revisão do submarino Tridente, no valor de 8 milhões de euros. “Em 2016 estava prevista a assinatura dos contratos referentes à revisão intermédia do NRP Tridente e aquisição das baterias principais para os submarinos, que não foram assinados por aguardarem pelo visto do Tribunal de Contas; o visto para a revisão intermédia dos submarinos só foi obtido em fevereiro de 2017″, justifica a Defesa.

Exército foi o pior ramo: só executou um terço da LPM

O Exército, que em 2015 tinha sido o ramo com mais dificuldade em concretizar os montantes ao seu dispor, duplicou a taxa de execução da LPM: passou de 33% para 65,8% em 2016, com um gasto muito superior em aquisições de material militar. O valor gasto pelo Exército em equipamento triplicou: passou de 12,6 milhões de euros em 2015, para 38,5 milhões em 2016.

O Ministério da Defesa considera que “estes aspetos são absolutamente normais em processos com a complexidade aquisitiva dos projetos em causa” e chama a atenção para o facto de pela primeira vez a LPM não ser objeto de cativações por parte das Finanças: “A libertação de cativações da LPM permitiu ao Ministério da Defesa Nacional desencadear processos de reequipamento essenciais às Forças Armadas que se encontravam há vários anos a aguardar o seu início”.

Notícia alterada às 22h30 com uma clarificação dos argumentos do Ministério da Defesa sobre os critérios de contabilização da execução da LPM, tendo em conta as verbas inscritas no Orçamento do Estado.