O regime nazi terá mantido uma base secreta nas Ilhas Canárias, em Espanha. A história, envolta em muito secretismo, confunde-se com as lendas e os mitos locais mas, ao longo dos anos, as provas que se acumulam levam a crer que a misteriosa Casa Winter, isolada numa península deserta, foi mais do que um mero capricho de grandiosidade de Gustav Winter.

O forte isolado

A estranha localização da propriedade pode não ser explicada pela vista invejável do parque natural de Jandía, mas sim por algo mais curioso: a presença nazi na região durante a Segunda Guerra Mundial.

O claustro interior da casa

“Há muito para investigar aqui”, garante o atual ocupante da casa, Pedro Fumero, numa entrevista dada à BBC. Fumero habita a casa na Praia de Cofete com os tios desde 2012. A família enfrenta agora uma ordem de despejo desde que uma empresa de gestão hoteleira comprou a propriedade a descendentes de Gustav Winter, um engenheiro alemão cujas atividades na ilha despertaram o interesse de espiões dos Aliados.

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À primeira vista, vemos uma torre e difíceis acessos. Os maiores espaços no interior são na cave, com paredes de 2 metros de grossura. Algumas divisões não chegam a ter janelas, nomeadamente um espaço com formato de túnel, que percorre todo o comprimento da casa, só com uma pequena janela no fim. Fumero acredita que este espaço serviria para esconder pessoas, com ou sem o seu consentimento, mas admite não saber quem ou quando.

O túnel na cave (Pedro Fumero)

Os registos oficiais dão a casa como construída em 1946 (já depois da Guerra) mas é inegável que Winter já vivia na ilha pelo menos desde 1925 e que em 1939 comprou a península através de uma empresa privada – terá sido nessa altura que a Casa Winter foi constrúida.

O “Don Gustavo” alemão

Gustav Winter nasceu em 1893 em Neustad, na Alemanha. Veio a estabelecer-se em Morro Jable, uma pequena vila piscatória no extremo oeste da ilha de Fuerteventura, nas Canárias, em 1925. Foi um dos 104 alemães residentes em Espanha que os Aliados exigiram que fossem repatriados para serem julgados por ligações nazis.

Poucas semanas depois de chegar à ilha, estabeleceu um acordo de aluguer de toda a península com o governo espanhol. A aliança entre Hitler e Franco (o líder espanhol até aos anos 70) possibilitou que grande parte da península se tornasse uma área militar de acesso restrito, realojando toda a população.

Supostamente, Winter ia ser a cara de vários projetos de desenvolvimento económico para o Reich, e isso passava por levar “trabalhadores” alemães para a região. Na realidade, esses trabalhadores eram prisioneiros do campo de concentração de Tefía (Las Palmas) – um dos vários campos de concentração franquistas. Um cemitério improvisado na beira-mar levanta questões sobre as condições de trabalho destes prisioneiros.

O cemitério a poucas centenas de metros da Casa (Burning Rubber)

Winter usava sempre óculos de sol escuros e fazia-se acompanhar do seu cão em todo o lado. Foi o maior benfeitor da região de Morro Jable e de Jandía: construiu uma escola, uma igreja e uma estrada para a península. A seu tempo, construiu o primeiro porto da região e plantou mais de 10 mil árvores no Pico del Zarza – nenhuma sobreviveu ao clima da região.

Sabe-se que um homem conhecido como “Don Gustavo” recrutou habitantes locais para as várias construções que idealizou, mas em condições de secretismo. Todas as manhãs os homens eram levados para o local da construção e à noite saíam, com o local a ser constantemente viajado por seguranças privados.

Um documento de 1947 da CIA que identifica Winter como um “operador de rádio militar”

A península de Jandía foi eventualmente vendida à empresa Dehesa de Jandia S.A., que era gerida por Winter. Em vários locais, tanto perto da casa como longe dela, são visíveis troços de caminhos-de-ferro, o que leva a crer que Fuerteventura, pela sua localização estratégica, tenha sido local de alguma importância logística para os nazis e uma base de submarinos durante a Segunda Grande Guerra para a Kriegsmarine (marinha alemã). Sabemos, pelo menos, que estes submarinos navegaram com frequência à volta das Ilhas Canárias. Pelo menos seis submarinos diferentes passaram pelas águas entre março e julho de 1941, já a Guerra decorria.

Espanha na II Guera Mundial

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Durante o regime de Franco, a Espanha declarou-se neutra no conflito internacional, à semelhança de Portugal.

Mas ambos os países forneceram minerais ao regime nazi. No caso de Espanha, o apoio estendeu-se ao envio de soldados voluntários e de facilitação logística nas Ilhas Canárias.

É provável que a torre da Casa Winter tenha servido de farol para estes submarinos e utilizada para guiar aeronaves alemãs que aterravam no aeródromo da ilha – também ele construído por Winter e, desde então, abandonado. “Porque é que construirias uma torre destas no topo do que é essencialmente um bunker? Esta casa nunca foi feita para lazer”, garante Fumero.

Dentro da torre há caixas de fusíveis de tamanho considerável e o atual ocupante da casa garante que serviam para alimentar algum tipo de aparelho que exigia uma grande quantidade de eletricidade.

O aeródromo fica a sensivelmente 11 quilómetros da Casa. Aqui visto por satélite em 2017, (Google)

O maior movimento começou depois da guerra: explicam os locais que vários submarinos e aviões eram vistos diariamente a chegar e a sair da península. Pedro Fumero encontrou baterias de submarinos e provisões guardadas no interior da casa.

Os especuladores acreditam que os fugitivos nazis utilizaram a casa Winter para levar a cabo operações plásticas antes de escaparem para a América do Sul. As fotografias do interior mostram-nos uma infraestrutura demasiado fortificada para ser uma simples casa de praia, bem como divisões cobertas de azulejo, com uma semelhança curiosa a instalações clínicas.

“É tudo mentira, são loucos”

Winter viria a morrer em Las Palmas em 1971 e, até aos anos 90, a casa foi protegida por uma empresa de segurança privada. No ano em que morreu, deu uma entrevista sobre a sua mítica casa, onde negou tudo desde a sua data de construção, aos equipamentos, e aos trabalhos que conduzia na ilha. “É tudo mentira, são loucos”, afirmou à revista Der Stern. “Construí a casa porque tenho uma grande paixão pela natureza (…) queria construir um negócio de pesca em alto mar.”

A entrevista de Winter à revista Der Stern (1971)

O realizador alemão Hans Wernicke viria a entrar na Casa após a morte de Winter, onde encontrou vários fardamentos da Wehrmacht (Forças de Defesa Alemã) guardados na cave.

A versão que Winter sempre contou foi que só ocupou a ilha a partir de 1946, apesar dos registos de venda o nomearem como gestor e dos registos dos serviços de inteligência norte-americanos darem conta da sua atividade ainda durante a Guerra.

O que aconteceu dentro e fora da Casa Winter pode permanecer um mistério para sempre. Fumero defende que o espaço deve ser estudado, arquivado e preservado pelo seu valor histórico. Ao mesmo tempo, uma empresa de gestão hoteleira pretende ocupar o espaço e construir um resort. Se por um lado é fácil indagar em teorias da conspiração, por outro, é inegável a intensa atividade na ilha durante os anos de Guerra.

Reveja as fotografias da Casa Winter e das infraestruturas no seu redor na fotogaleria em cima.