O incêndio que deflagrou em Pedrogão Grande desde as 14h de sábado e que tem varrido várias aldeias do distrito de Leiria, Coimbra, Castelo Branco e Santarém já fustigou uma área equivalente a três vezes o tamanho de Lisboa e do Porto juntos. Apesar das dificuldades provocadas pelo fumo, dois Canadair contratados por Portugal estão agora ao serviço da Proteção Civil para fazer frente a um fogo que vitimou, até agora, 64 pessoas.

Em Góis, onde a situação é cada vez mais preocupante, o alarme soou com as notícias de um Canadair que teria caído enquanto sobrevoava o incêndio. A Proteção Civil, que começou por confirmar o caso ao Observador, nega agora a queda do avião. Também Jorge Gomes, secretário de Estado da Administração Interna, diz não ter dados que confirmem a queda de uma aeronave. Mas afinal, que avião é este que, embora possa ser tão rápido como um falcão-peregrino, voa melhor quando anda devagar? É uma aquisição há muito prometida pelos governantes portugueses, mas que nunca chegou a Portugal.

O que é o Canadair CL-215?

O Canadair CL-215, também chamado de Scooper, é o primeiro avião anfíbio — que tem capacidade para levantar voo tanto a partir de terra como da água — de luta contra incêndios. Os primeiros aviões, que fizeram os voos iniciais em 1967, foram construídos pela fábrica de aviões civis e militares da empresa canadiana Canadair. Mais tarde, veio também a ser construído pela Bombardier Aerospace, também uma empresa do Canadá.

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É um avião bimotor com capacidade para transportar dois tripulantes e até 26 passageiros, desenhado especificamente para ser operacional a velocidades mais baixas e em ambientes com rajadas de vento fortes.

Com vinte metros de comprimento, mais de 12 toneladas de peso quando vazio e capacidade para atingir os 293 km/h de velocidade cruzeiro, o CL-215 não tinha sido pensado inicialmente para ser um avião de apoio aos bombeiros. Quando a Canadair o começou a construir, o CL-215 estava a ser desenhado para ser um hidroavião com dois motores. Mas perante um pedido específico dos Serviços Aéreos do Quebéc, um órgão governamental, a empresa alterou-o para que fosse capaz de recolher água, transportá-la para o local do incêndio e depois largá-la em cima do fogo.

Esta era, aliás, uma ideia que já tinha surgido aquando da construção do CL-204 em 1962, quando a Canadair pretendia construir um avião de combate a incêndios que acabou por se transformar num simples hidroavião anfíbio. O projeto do CL-215 foi então aprovado em fevereiro de 1966 e vendido à Proteção Civil francesa em junho de 1969. A sua produção só terminou em 1990.

Como funciona?

Neste momento, há dois Canadair contratados por Portugal para combater o incêndio que lavra nos distritos de Leiria, Coimbra, Castelo Branco e Santarém, embora um deles esteja parado por avaria. Quando levanta voo da pista, a tripulação conduz o avião para a massa de água mais próxima do incêndio. Essa massa de água pode ser, por exemplo, um lago, um rio profundos ou o oceano: o importante é que tenha comprimento e profundidade adequados e que não esteja num local que possa provocar obstrução à segurança da aeronave e das pessoas no seu interior. A seguir, o Canadair aproxima-se o mais possível da água e, em dez segundos, recolhe até 5.443 litros dentro dos seus tanques. Assim que os tanques ficam cheios, as chamadas sondas de recolha retraem-se, a aeronave sobe para ganhar altitude e segue para o local do incêndio.

Durante toda esta operação, um membro das equipas destacadas para o combate ao incêndio sobrevoa a área a bordo de uma aeronave mais simples, normalmente com apenas um motor. É esse membro que tem a função de indicar à tripulação do Canadair qual a altura e o local mais adequado para largar a água. É também ele que toma todas as decisões: de acordo com as explicações dadas pela Buffalo Airways, é possível que o membro da equipa de combate ache melhor que a tripulação do Canadair injete sabão na água que recolheu para aumentar a sua consistência e impedir as labaredas de recuperarem as dimensões enquanto não chega mais água. Também é possível que o avião solte apenas um dos tanques de água, ou seja, metade da quantidade que recolheu, dependendo das condições do incêndio.

A promessa que nunca se concretizou

Em 2014, o então ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, anunciou que Portugal iria comprar dois Canadair com recurso a fundos comunitários e equipamento para bombeiros num valor de 11 milhões de euros. Nessa altura, Miguel Macedo disse que essa compra poderia demorar “mais de um ano”. Ainda não aconteceu.

Mas antes de Miguel Macedo, outros governantes declararam os seus planos de comprar este género de aviões sem que eles se concretizassem. O governo de José Sócrates anunciou a compra de seis helicópteros Kamov e quatro helicópteros Ecureuil. Destes dez aparelhos, apenas oito continuam operacionais: um Ecureuil despenhou-se em 2007 e um Kamov ficou inoperacional quando teve um acidente em Ourém em 2012.