A tradução da acusação dos pais da menina chinesa de cinco anos, que morreu após cair do 21.º andar de um edifício no Parque das Nações, em Lisboa, refere que os arguidos foram “condenados à pena de morte”.
Este erro, entre outros, na transcrição do português para mandarim levou o advogado do casal a pedir junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa a nulidade da tradução da acusação do Ministério Público (MP), segundo o requerimento a que a agência Lusa teve acesso esta terça-feira.
“Na acusação recebida pelos arguidos [na China] é elencado que os mesmos são acusados da ‘prática de um crime de exposição ou abandono (…), e condenados a pena de morte'”, lê-se no requerimento assinado pelo advogado Correia de Almeida, sublinhando que “foi em profundo estado de desespero” que os arguidos o contactaram após receberem a acusação.
“A notificação provocou-lhes profundo mau estar, porque, se em Portugal não existe pena de morte, e qualquer cidadão percebe que se trata de um lapso, o mesmo não acontece na RPC [República Popular da China]”, país onde existe a pena de morte, acrescenta o requerimento.
O documento, que deu esta terça-feira entrada no tribunal, conta que os arguidos “desconhecem os factos” de que são acusados, apenas sabendo “que foram condenados” em pena de morte.
Tal facto levou a que os arguidos entrassem em stresse, adotando comportamentos que em muito prejudicaram a saúde mental, que desde o dia dos factos carreados aos autos, tem vindo gradualmente a agravar. A referida acusação, entre dezenas de outros erros, refere que já existiu efetivamente sentença, a qual pune os arguidos com pena de morte”, diz o requerimento.
A defesa do casal requereu que a acusação seja substituída por outra, “devidamente traduzida, para que os arguidos se possam inteirar devidamente e assim apresentar a sua defesa”.
O início do julgamento esteve marcado para 3 de maio deste ano, mas nesse dia o presidente do coletivo de juízes, Pedro Nunes, explicou que a tradução do despacho de marcação das datas de julgamento só ficou concluída a 27 de abril, razão pela qual os arguidos não foram notificados, além de a lei conceder 20 dias para se pronunciarem, após essa notificação.
Na ocasião, o tribunal agendou a primeira sessão para as 09h15 de 27 de setembro deste ano.
Os arguidos, ambos com 40 anos, respondem por um crime de exposição ou abandono, agravado pelo resultado da morte da criança que, segundo o despacho de pronúncia, a que a Lusa teve acesso, ficou sozinha enquanto o casal foi para o Casino de Lisboa.
Em novembro de 2016, o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa pronunciou os arguidos nos exatos termos da acusação do Ministério Público, após a defesa requerer a abertura de instrução, arguindo a nulidade da acusação e a discordância quanto à qualificação jurídica dos factos em causa.
No despacho de pronúncia, o Juiz de Instrução Criminal (JIC) decidiu levar a julgamento Jiong Wu e Wenzheng Wu, naturais de Shangai, por considerar que, enquanto pais, violaram as suas “obrigações e deveres” ao abandonarem a criança na residência, enquanto foram para o Casino de Lisboa, colocando assim em perigo a vida da filha.
Na madrugada de 19 de fevereiro de 2016, segundo a pronúncia, os arguidos deixaram Yixuan Wu, de cinco anos, sozinha na sua residência, presumivelmente a dormir, entre as 00:00 e as 03:11, tendo ido jogar para o Casino de Lisboa.
O TIC considerou que os arguidos sabiam que era fácil a abertura da porta, que a residência se situava num 21.º andar e que podia acontecer que a criança, mesmo cansada, acordasse durante o sono e, ao ver-se sozinha, ir em busca dos pais e não os encontrar, abrir a porta da varanda, trepar as grades e cair.