É bom não ter memória curta, como às vezes é comum no futebol: em junho de 2015, mais estranho do que o FC Porto exercer a cláusula de opção que tinha por Casemiro, de 15 milhões de euros, era mesmo o Real Madrid bater o acordo de recompra que estava assegurado por 7,5 milhões. É aqui que começa a história desta Supertaça Europeia: dois anos depois, aquele que era apelidado de patinho feio da equipa teve uma grande transformação e, sobretudo com Zidane como treinador, tornou-se um cisne que deslumbra até os treinadores adversários.

“Quando me falam de Isco ou de Bale, admito que para mim o importante era que Casemiro não jogasse. Não é o jogador mais dotado em termos técnicos do Real Madrid porque consegue dar um equilíbrio à equipa que mais ninguém consegue dar. Desde que se tornou titular, mudaram muito”, admitiu Massimiliano Allegri, técnico da Juventus, na véspera da final da Champions. Meu dito, meu feito. E até com uma coisa que ainda se estaria menos à espera: foi o brasileiro que fez o 2-1 na segunda parte que alterou por completo o encontro.

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Ficha de jogo

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Real Madrid-Manchester United, 2-1

Final da Supertaça Europeia

Philip II Arena, em Skopje (Macedónia)

Árbitro: Gianluca Rocchi (ITA)

Real Madrid: Navas; Carvajal, Varane, Sergio Ramos, Marcelo; Casemiro, Modric, Kroos; Isco (Lucas Vázquez, 74′), Gareth Bale (Asensio, 74′) e Benzema (Cristiano Ronaldo, 83′)

Suplentes não utilizados: Kiko Cassila, Nacho, Theo Hernández e Kovacic

Treinador: Zinedine Zidane

Manchester United: De Gea; Valencia, Lindelöf, Smalling, Darmian; Matic, Pogba, Ander Herrera (Fellaini, 56′); Mkhitaryan, Lingard (Rashford, 46′) e Lukaku

Suplentes não utilizados: Sergio Romero, Daley Blind, Carrick, Juan Mata e Martial

Treinador: José Mourinho

Golos: Casemiro (24′), Isco (52′) e Lukaku (62′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Lingard (43′), Carvajal (84′), Sergio Ramos (86′) e Rashford (90+4′)

 

Como admitiu numa entrevista este ano, o médio defensivo é um estudioso do futebol que chega a levar na cabeça da mulher porque, em casa, vê jogos do Campeonato… da Bélgica. Com Zidane, um ídolo que estava acostumado a ver na TV quando estava no São Paulo, juntou-se a fome de ensinar à vontade de aprender. O técnico recorda-se bem que, para brilhar nos Galáticos dos merengues, havia um Makelele. Mas isso não quer dizer que o ’6’ de uma equipa só sirva para destruir. “Pede-me para sair com bola e jogar, não ficar só na marcação. E tento cumprir”, explicou o internacional que foi lançado na primeira equipa do Real em 2012/13… por José Mourinho.

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O Real Madrid é uma equipa com laterais fabulosos (Carvajal e Marcelo), com centrais rápidos (Ramos e Varane), com pensadores de jogo ao nível dos melhores do mundo (Modric e Kroos), com intérpretes do futebol curto como mais ninguém tem (Isco), com executantes de primeira linha no ataque (Bale e Benzema). E ainda tem o melhor de todos, Cristiano Ronaldo, que por ter começado a trabalhar mais tarde começou no banco. Mas depois há Casemiro, aquele que não é o melhor em nada mas que se transforma no mais essencial em tudo para uma equipa.

Gareth Bale teve a primeira oportunidade logo aos 3′, quando desviou com o pé cego (o direito) um canto de Kroos da esquerda. E a sorte foi mesmo não ter caído no pé preferido do canhoto ou seria golo certo. O Manchester United dava a iniciativa de jogo ao Real Madrid e sentia-se até relativamente confortável nessa posição, mas cometeu o pecado pouco original de começar a descer demasiado as linhas. Só sofreu um golo até ao intervalo, mas podiam ter sido dois, tantos quantas as principais lacunas no jogo do conjunto de José Mourinho: não conseguia esticar jogo em transições até à frente e, em paralelo, dava metros, demasiados metros, a Casemiro para subir sem pressão.

Aos 16′, de novo na sequência de um canto, o brasileiro cabeceou à trave; no minuto seguinte, após um remate à entrada da área após mais uma segunda bola ganha em terrenos ofensivos, atirou por cima; aos 24′, foi mesmo de vez: num lance que pareceu começar num posição irregular (afinal o vídeo-árbitro sempre tem as suas coisas boas, como evitar golos ilegais numa final europeia…), desviou cruzado um centro de Carvajal e inaugurou o marcador. Dos red devils, nem ameaças. E houve até uma bola incrível paradigmática do desacerto dos ingleses, quando Herrera roubou uma bola a Kroos mas Lukaku, em posição irregular, foi à bola e inviabilizou um lance que poderia trazer muito perigo (36′). De Gea, aos 43′, ainda evitou o 2-0 de Benzema.

Mourinho estava insatisfeito e lançou Rashford na equipa. Queria mais velocidade, imprevisbilidade, espontaneidade. Mas bola que entra naquele triângulo Casemiro-Kroos-Modric é bola que nunca se perde e raramente é mal distribuída. Hoje, com uma nuance tática que fez toda a diferença: a colocação de Isco como um vagabundo que tão depressa ia à ala desequilibrar em triangulações com os laterais, como deambulava para o jogo interior e visava a baliza no seguimento de combinações rápidas reforçou a superioridade dos espanhóis.

Seria mesmo o pequeno grande médio espanhol a aumentar para 2-0 aos 52′, após uma jogada com tanto de simples como de bonita e eficaz a isolar Isco para o remate em arco sem hipóteses para De Gea. Logo a seguir, Navas ainda defendeu um cabeceamento de Pogba para a frente e Lukaku atirou de forma atabalhoada por cima, mas o Real Madrid tinha o jogo controlado e ainda atirou uma bola à trave por Gareth Bale (61′). Os espanhóis sentiram que estava fácil, fiaram-se na vantagem e deixaram de correr como tinham feito até aí: estava feito o convite para os red devils se juntarem à festa da Supertaça Europeia e discutirem o jogo até ao final.

Como as coisas estavam, as possibilidades do Manchester United eram quase nulas, equivalentes à percentagem de jogos que Cristiano Ronaldo começou no banco pelo Real Madrid (14 em 397, o que dá 3,5%); como as coisas ficaram depois do 2-1 apontado por Lukaku numa recarga oportuna após remate forte de Matic (62′), e tendo em conta a quebra física dos elementos nevrálgicos dos merengues em campo, eram diametralmente opostas. E seria mesmo Navas a salvar o empate aos 80′, quando Rashford apareceu isolado da esquerda já na área. Fellaini, de cabeça, teve a última oportunidade aos 90′, antes de Asensio obrigar De Gea a nova grande intervenção aos 90+2′.

Confirmou-se uma tradição: José Mourinho voltou a não ganhar nos encontros frente ao Real Madrid. Não se confirmou outra tradição: Ronaldo (que somou o 23.º título da carreira) ficou em branco frente a uma antiga equipa. E ganhou-se outra tradição: depois de ter repetido as duas vitórias seguidas do AC Milan na Liga dos Campeões (na altura ainda Taça dos Clubes Campeões Europeus) em junho, o Real Madrid tornou-se em agosto a primeira equipa a vencer duas vezes consecutivas a Supertaça Europeia. E com justiça, apesar do forcing final do Manchester United.