A frase foi dita esta segunda-feira na reunião do grupo parlamentar do PSD em Braga e causou algum burburinho na plateia. Rui Rio falava, à porta fechada, uma hora depois de Pedro Santana Lopes ter feito o mesmo. A ideia era explicar aos deputados, aqui na qualidade de eleitores, por que é que são melhores candidatos à presidência do partido. Foi nesse quadro, com o lema “Recuperar a Confiança” como pano de fundo, que Rui Rio disse que manteria o rumo económico que o PSD tem seguido até aqui e apontou para a ex-ministra Maria Luís Albuquerque, com quem teve pesadas divergências, para vincar que lhe seguiria o exemplo no rigor orçamental, ou que até faria “pior”. Rui Rio explica ao Observador o contexto em que proferiu a declaração: “Notícia seria eu dizer o contrário, que comigo não ia haver rigor orçamental”.

A pergunta, feita pelo deputado Paulo Rios de Oliveira (próximo de Rio) tinha sido sobre se consigo na liderança do partido, a partir de janeiro, ia haver uma mudança de rumo do PSD a que os deputados do grupo parlamentar tivessem de se adaptar. O ex-presidente da câmara do Porto respondeu que não, e, olhando para a plateia, resolveu dar um exemplo. Sentada na segunda fila estava a ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, para quem Rui Rio apontou diretamente e garantiu: “Não, não vou mudar a estratégia do PSD. Faria igual a Maria Luís Albuquerque — ou pior”. O “ou pior” é que mereceu a incredulidade da audiência. Se foi um elogio ou não, é o que fica por entender.

Ao Observador, Rui Rio explica que teve divergências pesadas com a então ministra das Finanças, quando, em 2013, um conjunto de personalidades do Porto escreveu uma carta aberta ao Governo a dizer que “Maria Luís Albuquerque estava a travar a reabilitação urbana no Porto”, mas que essas divergências com a ex-ministra nunca foram relativamente ao rumo de rigor financeiro. E foi precisamente isso que quis ali sublinhar, numa tentativa mais ou menos bem conseguida de fazer as pazes com a ex-ministra que em tempos criticou.

“O que eu disse foi que não ia haver mudança de rumo nenhum no que diz respeito ao traço mais marcante da política de Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, que é o rigor das finanças públicas. Somos do mesmo partido e, no que concerne às finanças públicas, eu disse sempre a mesma coisa”, afirma Rio ao Observador, lembrando que nos dez anos em que foi deputado no Parlamento também primou pela defesa daquele rigor orçamental. Portanto, “notícia seria eu dizer o contrário”.

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Mas a verdade é que as críticas antigas de Rio a Maria Luís, que remontam a julho de 2013, altura em que a então secretária de Estado foi promovida a ministra das Finanças, não foram ligeiras. Na altura, numa entrevista à RTP, disse com todas as letras que, se fosse primeiro-ministro, Maria Luís Albuquerque não seria a sua ministra das Finanças: “evidentemente que não”. Criticou as suas “capacidades técnicas e políticas”, que disse serem “muito más”, criticou a gestão do caso do aeroporto e dos swaps, e disse que a escolha daquele nome para o lugar de Vítor Gaspar era uma “pedra no sapato” e “um problema” para o Governo da altura.

Também o deputado Carlos Peixoto, da Guarda, muito próximo de Rui Rio, tinha garantido ao Observador que o contexto foi o do rigor das contas e controlo do défice. “Não foi nada no sentido de ir além da troika ou de fazer cortes, não, teve só a ver com o rigor das contas”, diz.

Perante o burburinho que se gerou, há quem diga que Rio ainda tentou emendar a mão dizendo que, consigo, não haverá mudança de estratégia, apenas afinações de “pormenor”, aqui ou ali. Não terá sido bem uma emenda, já que a adjetivação tinha ficado lá. Entre os rioísta presentes na sala, a tirada de Rui Rio foi entendida como uma garantia de que Rio ia primar a sua orientação pelo rigor orçamental, tal como Maria Luís Albuquerque fez, e continua a fazer. De facto, ainda esta segunda-feira, no painel das jornadas parlamentares dedicado ao tema do Orçamento do Estado, a ex-ministra das Finanças tinha dito que a proposta de OE do Governo era “mais uma oportunidade perdida” porque não criava as condições necessárias para “aumentar a competitividade e criar riqueza no futuro”.

Na intervenção inicial que fez perante os deputados, Rio tinha enumerado cinco prioridades para o país, pondo, à cabeça, a questão da competitividade da economia, aproximando-se também aí da visão económica da dupla Maria Luís Albuquerque e Passos Coelho. Rui Rio é, de resto, conhecido pelo rigor orçamental, quer dos tempos em que era deputado e secretário-geral do partido, quer dos tempos em que foi presidente da câmara do Porto. Para a história ficaram as “contas à moda do Porto” e a redução da dívida da autarquia. Nesta campanha interna, já disse até que se fosse primeiro-ministro nesta atual conjuntura Portugal já tinha défice zero.

Rio e Santana: razão ou coração?

No rescaldo da ida dos dois candidatos à presidência do partido às jornadas do PSD em Braga, continua a haver muita divisão e indecisão. Sabendo que a atual bancada parlamentar do PSD é muito passista, ambos adequaram as intervenções a um discurso muito pouco disruptivo e muito mais de continuidade — incluindo Rio, que é visto, e até temido, como o candidato que pode mexer mais no partido mudando, quem sabe, na direção da bancada.

Foi nesse sentido que Rio quis tranquilizar a audiência. Tinha mesmo uma pergunta “combinada” com um deputado próximo de si, sobre se estaria a preparar uma “limpeza” da bancada. A ideia era desmistificar essa tese. Rio tranquilizou, mas, dentro de portas não disse preto no branco que, consigo, o recém-eleito líder da bancada Hugo Soares ficaria onde está. Já Santana Lopes tinha sido mais elogioso. Fora de portas, contudo, aos jornalistas, Rio deixou escapar o entendimento de que o presidente do partido que é eleito “herda” a bancada parlamentar do anterior.

Mas se Rio até pareceu mais enérgico na abordagem perante os deputados do que Santana, que tinha falado uma hora antes, várias fontes dizem ao Observador que faltou profundidade no conteúdo. Foi o caso da reforma do sistema político, que Rio disse que era preciso fazer, mas onde faltou, dizem, “concretização” na proposta. Limitou-se a dar alguns exemplos de sistemas políticos tidos como bons, como o alemão, ou como maus, como o britânico, mas os deputados ficaram com dúvidas sobre o seu entendimento.

Luís Montenegro interveio nessa altura para pedir clarificação e para dar a sua visão sobre o tema — nomeadamente sobre os perigos da proliferação de fenómenos populistas em alguns tipos de sistema político, mas Rio pouco mais terá concretizado. Sobre o voto preferencial, que nas últimas jornadas do PSD esteve em cima da mesa, mas que não se traduziu em proposta legislativa, nem uma palavra. Santana Lopes, por seu lado, tinha sido mais programático. Centrou-se nos problemas do país, como a questão urgente de reorganização do território, e usou histórias do seu passado enquanto primeiro-ministro e líder do PSD para mostrar como se interessava sobre a matéria. No cômputo geral, nenhum dos dois encantou a audiência. “Parece que ainda estão a apalpar terreno e a perceber o que é que o outro diz e faz”, ouve o Observador.