Os orçamentos da saúde têm estado, em regra, 1,5% abaixo das necessidades reais do País. Uma suborçamentação que resulta de um mau planeamento e que pode ser corrigida, por exemplo, com a criação de orçamentos plurianuais. O alerta e a recomendação constam do estudo “Fluxos Financeiros no SNS”, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), um órgão consultivo do Ministério da Saúde, que é apresentado esta quarta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian.
Em 2016, por exemplo, o valor da dotação inicial foi de 7.947 milhões de euros e o valor executado atingiu os 8.179 milhões de euros.
A criação de um orçamento plurianual permitiria uma “maior estabilidade e previsão orçamental” ao mesmo tempo que contribuiria “para um planeamento efetivo na saúde”, escrevem os autores do estudo que apontam para uma “suborçamentação em saúde que acontece consecutivamente”.
“Esta situação pode indiciar que a decisão política não é tomada no momento do planeamento e orçamentação iniciais, mas sim posteriormente. Apesar da existência de metodologias de planeamento e de documentos técnicos que apoiam o planeamento, nomeadamente os diversos planos nacionais de saúde, existem falhas na continuidade e na execução do que consta do planeamento inicial. Como tal, a despesa não tem sido uma consequência do planeamento em saúde, mas constitui, em regra, um fator exógeno ao planeamento”, lê-se no estudo.
Este desajustamento entre aquilo que é gasto anualmente pelos serviços de saúde e o orçamento de que dispõem tem resultado nos últimos anos num acumular de dívidas a fornecedores. E obrigou o anterior Governo a proceder a orçamentos retificativos, com um reforço de 1,5 mil milhões de euros (vindo do fundo de pensões da banca) em 2012 e de 432 milhões de euros em 2013.
De acordo com o estudo agora apresentado, o prazo médio de pagamento das instituições do SNS aos fornecedores até tem diminuído desde 2014: Em 2016, a média das instituições do SNS pagava em média após 166 dias, em 2014 a média rondava os 218 dias. Mas os pagamentos em atraso (em atraso há mais de 90 dias para lá dos prazos acordados), depois de terem reduzido, fruto das injeções extra de verbas, têm voltado a subir.
Em agosto deste ano, os pagamentos em atraso já tinha escalado até aos 903 milhões de euros. Em dezembro de 2016 estava nos 544 milhões de euros. Se a esses 903 milhões se somarem as restantes dívidas que não são ainda consideradas “em atraso”, por não superarem os 90 dias, a dívida total ultrapassa os mil milhões de euros.
“A questão das dívidas do SNS a fornecedores é particularmente importante, não só por ser recorrente há muitos anos e atingir valores bastante significativos, mas também porque é um caso excecional no âmbito das contas públicas.”
Despesa com saúde em percentagem do PIB tem caído nos últimos anos
Além da suborçamentação crónica, os consultores do ministro olham para a evolução dos orçamentos para concluir que a despesa corrente com o Serviço Nacional de Saúde e as Secretarias Regionais de Saúde tem caído nos últimos anos.
Em 2015, a despesa corrente com o SNS e SRS representou um montante de cerca de 9,2 mil milhões de euros: uma despesa direcionada sobretudo para os cuidados curativos, com os hospitais a representarem 58,4% da despesa total (cerca de 5,4 mil milhões de euros) e os cuidados de ambulatório cerca de 20% (1,8 mil milhões de euros). Já nos cuidados continuados, por exemplo, foi gasto o correspondente “1,2% da despesa do SNS e SRS”.
Numa análise comparativa em termos internacionais, em Portugal, “ao contrário do que se observou, em média, nos países da OCDE, a despesa total em saúde em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) apresentou uma tendência decrescente nos últimos anos, diminuindo de 9,9% do PIB em 2009 para 8,9% do PIB em 2016”.
“Assim, ao contrário do que acontecia anteriormente, a despesa em saúde em percentagem do PIB, encontra-se agora ligeiramente abaixo da média dos países da OCDE.”
Em 2016 registou-se uma diferença de cerca de 0,6 pontos percentuais do PIB face à média da despesa pública em saúde observada nos países da OCDE.
Os relatores explicam que “a diminuição da despesa em saúde registada em Portugal foi, maioritariamente, causada pela redução do custo do trabalho e dos custos com medicamentos, em paralelo com o aumento dos pagamentos diretos por parte dos utentes”.
Detalhando a forma como o sistema de saúde é financiado em Portugal, o CNS refere que esse financiamento é “essencialmente público” (57,3%), mas sublinha que “existe uma grande componente de financiamento privado, com as famílias a suportarem diretamente 27,7% do total através de pagamentos diretos”.
Esta percentagem de financiamento privado da saúde coloca Portugal entre os países europeus que apresentam “as percentagens mais elevadas de pagamentos diretos, originando consequências adversas para a equidade no financiamento dos cuidados de saúde”. Já os subsistemas de saúde representam cerca de 5,3% do financiamento e os seguros privados 4,6%.
Atenção aos serviços que se internalizam: pode compensar pagar a privados
Tem sido um caminho seguido pelo Governo: internalizar no Serviço Nacional de Saúde (SNS) cuidados que até então eram prestados por unidades privadas com convenções com o Estado, como sejam análises e outros exames de diagnóstico. O objetivo do Ministério da Saúde é continuar a fazê-lo e até o inscreveu na proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano, mas os consultores do ministro recomendam que “sejam avaliados os serviços que o SNS pretende internalizar e, por outro lado, aqueles em que é mais vantajoso recorrer a entidades externas, convencionadas, para que a prestação privada seja o resultado de uma decisão estudada e não apenas uma resposta casuística perante eventuais omissões no SNS”.
Em 2015, a despesa com entidades convencionadas do SNS foi de cerca 383 milhões de euros com meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT) e de cerca 247 milhões de euros com diálise de ambulatório. Em 2016 a verba gasta com convencionados com análises, exames e fisioterapia caiu para 364.511 euros (sendo o maior corte na área das análises clínicas, que é a que assume um maior peso na despesa). E com a diálise subiu para 253.420 euros.
Mas as recomendações deste órgão consultivo não se ficam pela criação de um orçamento plurianual e pelo cuidado na internalização de serviços. O CNS recomenda ainda “um maior investimento na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados“, cuja despesa, em 2015, correspondeu apenas a 1,2% da despesa do Serviço Nacional de Saúde e das Secretarias Regionais de Saúde.
Além disso, lê-se no estudo, “o orçamento do SNS deva ter em conta, não só as despesas correntes, mas também o investimento em cuidados preventivos e o investimento em bens de capital” e deve haver uma “cultura de maior transparência na utilização de fundos públicos e responsabilização pelas opções em termos de políticas de saúde”.
O relatório apresentado esta quarta-feira tinha como objetivo caracterizar o movimento dos fluxos financeiros dentro do SNS, identificar as principais fontes de financiamento da despesa do SNS, descrever como são usados os recursos disponíveis e como se encontram distribuídos, identificar as áreas que consomem mais e menos recursos financeiros e clarificar se os valores orçamentados correspondem à despesa efetiva do SNS.
O Conselho Nacional de Saúde, criado há um ano, é um órgão independente, de consulta do Governo, composto por 30 membros, um presidente e vice-presidente designados pelo Conselho de Ministros, sob proposta do Governo, seis representantes eleitos pela Assembleia da República e representantes das diversas Ordens Públicas profissionais, incluindo dos médicos, farmacêuticos, enfermeiros e dentistas. Conta ainda com representantes das autarquias e personalidades de reconhecido mérito na área da saúde, entre outros membros designados.