Foram 16 as testemunhas ouvidas esta quarta-feira. Foi a sexta sessão do julgamento, que decorre no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, e, até ao momento, nem uma palavra de Pedro Dias — passou mais uma vez o dia a tirar notas em folhas de papel branco. Os testemunhos prendem-se com os pedidos de indemnização dos pais de Carlos Caetano, o militar da GNR alegadamente morto por Pedro Dias; de António Ferreira, o militar da GNR baleado alegadamente pelo arguido; e dos pais de Liliane e Luís Pinto que terão sido assassinados por Pedro Dias.

O julgamento será retomado na próxima terça-feira, dia 28 de novembro, com as testemunhas da defesa de Pedro Dias.

“Vi o meu irmão sem vida nos olhos”

A irmã do militar António Ferreira foi uma das pessoas ouvidas hoje — estavam previstas serem ouvidas 17. De acordo com Maria de Fátima Espadilha, o irmão era uma pessoa “muito divertida”, que “gostava de viver” e que sempre ajudou muito os pais “na agricultura, em tudo o que fosse preciso”. “Sempre foi aquela pessoa que cativava, [era] meigo a conversar“, acrescentou.

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Depois da noite trágica, no dia 11 de outubro de 2016, a vida do militar da GNR mudou radicalmente. Segundo a irmã, António Ferreira tornou-se uma “pessoa muito triste”, com “fobia social” e que deixou de poder ajudar os pais e andar a cavalo. “Ele dizia ‘porque é que eu também não fui?'”, explicou Maria de Fátima Espadilha, acrescentando que o irmão lhe disse que achava que iria morrer naquela noite.

“[Depois do que aconteceu] vi o meu irmão sem vida nos olhos.” Maria de Fátima recordou mesmo um episódio que ocorreu pouco depois do incidente, em que o irmão gritou pelo colega Carlos Caetano durante o sono. “Ele gritava tanto, tanto pelo colega.

António Ferreira esteve muito tempo dependente de terceiros, vive constantemente com medo e anda sempre ansioso. “Lembro-me da minha mãe lhe calçar as meias”, recordou Maria de Fátima, explicando que o irmão não pode fazer determinados movimentos para não deslocar a bala que tem alojada na cervical. “Um simples movimento, ele tem receio.” Atualmente, toma 10 comprimidos por dia, disse ainda a irmã. “Ele não gosta muito de se ver ao espelho. Nem sequer consegue olhar para a farda [da GNR].

À porta do tribunal, o advogado de António Ferreira, Pedro Proença, esclareceu aos jornalistas que o militar da GNR está no programa de vigilância e proteção de testemunhas, mas que deixou de ter militares à paisana à porta de sua casa, 24 horas por dia, em dezembro de 2016. “A partir de um determinado momento a própria GNR, o comando, entendeu que não se justificaria manter essa vigilância. Deixaram de estar elementos 24 horas por dia à porta do militar, passaram a fazer rondas em viaturas.”

O advogado disse que foi contra esta alteração nas medidas de vigilância, até porque António Ferreira era uma testemunha crucial no processo. “Os sinais que fomos tendo foram de que havia e persistem riscos para a integridade física do militar Ferreira. Obviamente que ele já depôs e, à partida, esse nível de perigo terá sido atenuado, mas até à data do depoimento tínhamos informações de que poderia haver algum risco para a integridade física de uma testemunha que era fundamental e essencial no processo.”

Carlos Caetano era “uma pessoa alegre” e o “braço direito dos pais”

A primeira testemunha a ser ouvida foi um amigo de infância de Carlos Caetano, o militar da GNR alegadamente morto por Pedro Dias. Lisandro Pinto, também ele militar da GNR, descreveu o amigo como uma “pessoa alegre“, “sempre pronto a ajudar”, “extrovertida”, “brincalhão” e “que fazia a diferença”.

“Era o braço direito dos pais, quase que diria que era um segundo pai para os irmãos mais novos“, afirmou António Tavares Ferreira, vizinho e amigo de infância de Carlos Caetano.”Estava sempre bem disposto“, referiu ainda Casimiro Azevedo, cujos sogros são vizinhos dos pais de Caetano, acrescentando que o militar da GNR ajudava o pai na agricultura.

De acordo com Lisandro Pinto, os pais de Caetano, António e Maria Lúcia Caetano, que eram “pessoas sociáveis, alegres e que conviviam com a população”, tornaram-se pessoas “mais tristes” e “isolaram-se” depois da morte do filho. “Lembro-me que faziam vários jantares de família. Nunca mais vi essa felicidade desde a data dos acontecimentos. Estão constantemente a chorar, estão sempre tristes e abatidos”, acrescentou Fábio Pereira, amigo de escola de Carlos Caetano.

Lisandro Pinto referiu ainda que, apesar das “divergências” entre Carlos Caetano e os pais devido ao relacionamento com Catherine Azevedo, sempre mantiveram um “bom contacto”. Segundo os amigos de infância, Carlos viveu com os pais até ao verão de 2016 — amigos de Carlos Caetano e Catherine Azevedo afirmaram, esta terça-feira, que o casal começou o relacionamento em 2013 e cerca de um ano depois já estavam a viver juntos. No final da sessão, a defesa de Pedro Dias pediu para que Catherine Azevedo e António Caetano, pai de Carlos Caetano, fossem ouvidos em tribunal.

“[Os pais] tinham orgulho na farda, gostavam da profissão do filho”, acrescentou o militar da GNR de Viseu.

“A vida da minha mãe é chorar”, disse irmã de Luís Pinto

Logo pela manhã começaram a ser ouvidas pessoas próximas de Liliane e Luís Pinto, o casal alegadamente assassinado por Pedro Dias. Ana Cristina Pinto afirmou que o irmão, Luís Carlos, sempre foi muito próximo da família — tanto que os pais cederam parte do terreno para o filho lá construir a sua casa — e sempre ajudou os pais. “Éramos como unha e carne“, disse Ana Cristina, relativamente ao relacionamento que tinha com Luís.

Uma vez que a mãe estava reformada por invalidez, era Luís quem ajudava o pai na agricultura e na pastorícia. “O meu irmão fazia tudo”, explicou Ana Cristina, referindo que Luís, “depois de deixar o trabalho”, ia ajudar o pai, “mesmo ao fim de semana”. O trator da família, aliás, foi comprado para Luís poder ajudar os pais.

“[Ele] era muito alegre, ao pé dele não havia tristeza. Sempre a rir-se, a cantar, a contar anedotas”, afirmou Ana Cristina Pinto.

Secundino Silva conhecia Luís desde que começou a namorar com a sua irmã, Ana Cristina, há cerca de 15 anos, e trabalhavam juntos. “[O Luís] era o meu braço direito”, afirmou o cunhado de Luís Pinto, caracterizando-o como uma pessoa “muito conversadora” e um “colega de trabalho excelente“.

João Alfredo Santos, atual presidente da Junta de Freguesia de Palhais e amigo pessoal de Luís, afirmou que este era “muito criativo” e que ajudava muito os pais “no campo e na pastorícia” — até Liliane ajudava na agricultura. “Ele é que geria a casa dos pais, praticamente“, explicou Secundino Silva. “Ele terá abandonado os estudos para ajudar os pais. Era uma pessoa extremamente dedicada”, acrescentou o presidente da junta.

Hélio Martins, amigo de infância de Luís Carlos, reforçou a mesma ideia, referindo que Luís era “o braço direito e o braço esquerdo dos pais”. Depois do trabalho na construção civil, ia sempre ajudá-los, acrescentou Hélio Martins, referindo-se ainda ao amigo como uma “pessoa divertida”, “honesta”, “bastante trabalhadora” e “perfeitamente inserido na sociedade”. “Dadas as qualidade do Luís Carlos, quando decidi avançar para a Junta de Freguesia de Palhais, convidei-o para a lista”, afirmou Hélio Martins, antigo presidente da junta — Luís era tesoureiro.

José Pinto Almeida, amigo da família, também ressalvou o lado trabalhador de Luís Carlos. “Trabalhava até demais”, considerou José Almeida, referindo-se a Luís como um “lutador”. “Tinha o sonho de construir uma família“, acrescentou.

Relativamente a Liliane Pinto, a amiga de infância Paula Cruz descreveu-a como uma pessoa “muito alegre, muito simples”, “humilde” e que “gostava de ajudar toda a gente”. “O objetivo da vida dela era ser mãe. Ela já tinha engravidado e perdeu um filho aos sete meses”, disse Paula Cruz, cujos pais eram padrinhos de Liliane. De acordo com a amiga, Liliane tinha uma “paixão pelo marido”.

Lino Lopes, vice-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Aguiar da Beira — que integra a unidade de cuidados continuados onde Liliane trabalhava — referiu que Liliane era “muito atenciosa” com os utentes. A colega de trabalho Maria Clara Mendes disse o mesmo, caracterizando-a ainda como “divertida”, “trabalhadora” e “que gostava muito da família”.

De acordo com as várias testemunhas, os pais de Liliane e Luís mudaram muito desde a morte dos filhos: estão sempre tristes e choram com facilidade. “Assisti muitas vezes ao desespero deles. Mal saem de casa”, disse Paula Cruz, referindo-se aos pais de Liliane.

“Caiu o mundo. A minha mãe chegou a dizer que se matava. A vida da minha mãe é chorar, é muito complicado. O meu pai tem problemas de coração, acho que ele ainda não morreu porque há um anjinho lá em cima”, afirmou Ana Cristina Pinto, visivelmente emocionada, acrescentando que os pais “não dormem” e que estão medicados. Com a morte de Luís, os pais venderam alguns dos animais porque já não têm a ajuda do filho.

“A realidade é que estão destroçados. Não têm alegria para nada. Faz-lhes falta o pilar da casa“, disse Secundino Silva sobre os sogros. “Vê-se que estão num tédio existencial bastante angustiante e desesperante. O Luís Carlos era tudo para eles”, referiu João Alfredo Santos. Já José Pinto Almeida sublinhou que eram uma “família muito unida”. “Os pais do Luís nunca mais foram os mesmos. O Luís era o grande apoio deles”, adiantou Hélio Martins.

Perita, psicóloga e irmãs de Lídia da Conceição ouvidas terça-feira

Na terça-feira foram ouvidas sete testemunhas, entre as quais a médica legista que fez as autópsias ao casal morto em Aguiar da Beira; as irmãs de Lídia da Conceição, a mulher sequestrada em Moldes alegadamente por Pedro Dias e que teve um acidente vascular cerebral (AVC) semanas depois do incidente; e a psicóloga que acompanha o militar da GNR, António Ferreira.

Este militar da GNR foi a primeira testemunha a ser ouvida, a 3 de novembro, dia em que começou o julgamento.

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Nas restantes sessões, nos passados dias 7, 8 e 9, foram ouvidas dezenas de testemunhas, entre as quais as mães do casal, Liliane e Luís Pinto, alegadamente assassinados pelo arguido; António Duarte, o homem que terá sido sequestrado por Pedro Dias em Moldes; a ex-namorada do arguido, Ana Cristina Laurentino; e ainda o militar Carlos Santos, que abriu a porta ao colega António Ferreira depois de este ter sido baleado.

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