Philipp F. cobrava um mínimo de 250 mil euros por dia (mais o IVA, de 19%) por trabalhos de consultoria em “controlo” e “teologia”. “É aconselhável ver as coisas num contexto mais amplo”, dizia o homem de 35 anos, na tentativa de explicar os valores avultados que pedia pelos seus serviços, no site profissional que o Spiegel vasculhou na quinta-feira à noite.
Era um investimento, argumentava Philipp, que tinha estudado Finanças em Munique. É que as suas técnicas de consultoria — fruto de um curso em administração de empresas, de um estágio num banco e da experiência em cargos internacionais na área da gestão — têm, supostamente, um retorno de pelo menos 2,5 milhões de euros às empresas que o contratam.
Philipp F. vive em Hamburgo desde 2014 e descreve-se como um “europeu confesso” que tem a “integridade, confiança e alto desempenho” como “princípios fundamentais”: “São os valores que defendo, que apoio e aplico”, afirmou o homem. O mesmo homem que, na noite de quinta-feira, matou dois homens e quatro mulheres, uma delas grávida de sete meses, num salão de Testemunhas de Jeová em Winterhude, na cidade de Hamburgo.
Philipp F. já tinha pertencido àquela congregação, mas uma carta anónima que tinha sido enviada à polícia ainda antes do ataque revelava que a tinha abandonado, por vontade própria, por estar “zangado” com a religião como um todo — e com as Testemunhas de Jeová em particular. O autor alertou a polícia que Philipp F. não deveria obter permissão para ter uma arma porque, desconfiava ele, sofreria de uma doença mental por diagnosticar.
As autoridades dizem ter investigado aquelas alegações e terão chegado à conclusão de que não havia motivos para alarme. Durante uma inspeção, Philipp F. revelou-se “compreensivo” com os agentes que o visitaram, afirmou a polícia, e reagiu com naturalidade quando o alertaram que todas as armas deviam ser guardadas num cofre — porque uma delas estava fora dele. “As opções legais dos agentes esgotaram-se”, afirmou fonte da polícia em conferência de imprensa.
Philipp F. tinha obtido a licença para posse de arma em dezembro. Quatro meses depois, com uma semiautomática Heckler & Koch P30 em punho, atacou os crentes no interior do salão. Primeiro, disparou 10 vezes contra uma mulher que estava a fazer uma manobra no interior de um carro no parque de estacionamento. É uma das feridas ligeiras.
Depois, Philipp F. entrou no edifício pelo lado norte. A partir daí, os tiros foram constantes: disparou cerca de 135 vezes — nove clipes, cada uma com 15 balas — contra a comunidade que acabava de assistir a uma reunião. Além das vítimas mortais, oito pessoas ficaram feridas na sequência do ataque, quatro delas com gravidade.
As primeiras chamadas para o número de emergência foram realizadas às 21h04. Sete minutos depois, as forças da unidade de apoio para operações policiais especiais — um corpo das autoridades que foi criado em outubro de 2020 para gerir ataques terroristas e de homicídio em massa — chegaram ao local. Nesse momento, Philipp F. subiu ao primeiro andar e suicidou-se. Ao pé dele, estavam mais nove clipes por utilizar. Trezentas e trinta balas.
Em declarações públicas, fonte oficial das Testemunhas de Jeová adiantou que os anciãos locais estão “a dar consolo e encorajamento espiritual” às famílias e amigos das vítimas: “Agradecemos a ajuda corajosa da polícia e dos serviços de emergência. Oramos por todos os que foram afetados por essa tragédia. Temos certeza de que Jeová, o Deus de paz, vai continuar a ser refúgio e força nesse tempo de aflição”.