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Mark Curtis não tem dúvidas: o “potencial” do que acontece lá fora (em todos os sítios onde não estamos) é “mais sedutor” do que o que se passa na nossa vida, à nossa frente. “Estamos distraídos por esta necessidade de criar impacto [nos outros]”, disse ao Observador numa conversa nos escritórios da Accenture, no centro de Lisboa.
A ansiedade gerada pelas notificações das redes sociais não é mais do que uma versão daquilo a que chama de “assimetria do glamour”: “Toda a gente tem de ser maravilhoso a toda a hora. Mas nós também cheiramos mal, temos problemas”, disse o responsável comercial da Accenture Interactive e cofundador da Fjord, empresa global de serviços de design e inovação, que se foca em tendências digitais e foi adquirida pela consultora multinacional Accenture em maio de 2013.
Autor do livro “Distraction – Being Human in the Digital Age” (“Distração – Ser humano na era do digital”), Mark Curtis também é um empreendedor com mais de 30 anos de experiência. Ao Observador explicou que entre as tendências digitais para este ano estão os carros autónomos e os assistentes virtuais, mas que há perigos e “consequências não intencionais”. Quem trata do “buraco que existe entre os empregos que a tecnologia está a destruir e aqueles que está a criar”? Aos empreendedores, pede para se concentrarem na equipa e não receia que apostar em startups se tenha tornado uma moda. “Acho que vai demorar décadas até chegarmos a esse nível. Vai tornar-se cada vez mais naquilo que fazemos.”
“Estamos tão ocupados a pedalar que não paramos e olhamos”
Disse que que o ambiente digital está a tornar os humanos mais espertos. Porquê?
Acho que o digital tem potencial para tornar-nos mais espertos se escolhermos usá-lo. Se escolhermos focar o nosso tempo e atenção em criar coisas novas e compreendê-las, acho que abrimos inúmeras oportunidades para mudar a nossa relação com os outros, inventar coisas novas, mudar o mundo à nossa volta. O Google, na minha opinião, tornou, sem dúvida, as pessoas mais espertas. E a produtividade do Google nunca foi medida em termos de PIB, por exemplo. Devíamos medir, mas não o fizemos. Por isso, sim, tornou-nos mais espertos. Mas não existem dúvidas de que vamos ver muitos efeitos secundários por causa disso.
Escreveu o livro “Distraction – Being Human in the Digital Age”.
Foi há muito tempo.
Mas o que quer dizer com isto de sermos humanos na era digital? O que mudou?
Há tantas coisas para dizer sobre isto. O risco da tecnologia é que nos distraímos. Distraímo-nos pelo que fazemos e não por aquilo que somos. Podes fazer muita coisa com um smartphone na mão ou com o Echo, em casa. Essa capacidade de seres constantemente produtivo não é a mesma de seres reflexivo e pensativo, de estares focado no que significa realmente existir. Estamos tão ocupados a pedalar que não paramos e olhamos para as coisas que realmente interessam, para o que se passa nas nossas vidas ou no mundo em geral. Acho que há um risco muito, muito alto ligado a isso.
Aquilo que o digital faz, e particularmente o nosso telefone, é que cria um mundo de oportunidades ilimitadas do potencial que existe por aí. Tudo o que está acontecer a toda a hora nos outros sítios é mais sedutor do que o que se está a passar à tua frente, agora. Isso faz com que seja mais fácil para as pessoas perderem atenção sobre a sua família ou sobre o que acontece à volta delas, porque deve haver algo muito mais interessante a acontecer noutro sítio. Podes ver isso pela forma como as pessoas respondem às mensagens que recebem no telefone. Alguns de nós acreditam que a mensagem que está a chegar é a mensagem que vai dizer “eu amo-te” ou que ganhaste um milhão de euros ou que vais ter aquela grande promoção que querias tanto. Mas nunca é. É ocasionalmente, uma vez de cinco em cinco anos, se tiveres sorte. E depende da mensagem.
Acho que esse potencial do que está lá fora e o facto de termos acesso ilimitado a toda a hora, faz com que estejamos cada vez mais ligados a qualquer coisa. À medida que te ligas a tudo, o potencial do que está lá fora torna-se muito mais atraente do que o potencial que tens à tua frente. Quando isso acontece perdemos o foco e a capacidade de estarmos no momento. E acho que isso traz algumas ameaças reais sobre como realmente comunicamos e interagimos com as pessoas à nossa volta.
A geração dos millenials vive grudada nos chats, nas notificações do Facebook e do Instagram. Acha que estamos a criar uma geração mais ansiosa, por causa deste potencial que falava?
Sim, acho. Acho mesmo. Acho que pôs essa questão de uma forma muito boa. Isto tem sido observado nos millenials. O problema é que as pessoas da minha geração e um pouco mais velhas passaram muito tempo a dizer às nossas crianças que elas são maravilhosas e que podiam fazer o que quisessem que o mundo era delas. Mas, na verdade, a maioria das pessoas não é maravilhosa. Ser maravilhoso é um objetivo com uma fasquia muito elevada e agora toda a gente tem de ser maravilhoso a toda a hora. Mas nós também cheiramos mal, temos problemas na vida, assuntos pessoais por resolver e não conseguimos fazer tudo bem. É muito bom dizer às pessoas: tu és profundo, maravilhoso, de várias formas. Mas temos de lidar com as consequências disso. As consequências estão muito relacionadas com a tecnologia – se eu sou tão maravilhoso e estou tão ligado a tudo – então espero criar impacto. E acho que estamos distraídos por essa necessidade de criarmos impacto.
É como a teoria de que nunca tivemos tanta liberdade, mas nunca estivemos tão insatisfeitos com as coisas que temos. Concorda?
Sim, concordo. E acho que o grande desafio vem a seguir, com a realidade virtual. Quando a realidade virtual entrar em força, vamos ter de nos redefinir fundamentalmente enquanto seres humanos. E acho que isso vai ter efeitos nos próximos 20 anos. Sempre que tivemos grandes alterações económicas na sociedade. Ninguém percebeu na altura, mas a verdade é que tivemos de redefinir o que significa ser humano. Acho que isto vai acontecer outra vez com o ambiente virtual crescente à nossa volta, o que cria novas oportunidades incríveis para novos negócios, novas organizações, novas formas de pensamento, novos tipos de criatividade. Na pintura, por exemplo, podes pintar em três dimensões. Imagina o que Picasso teria feito se naquela altura tivesse pintado a 3 dimensões. Estamos a ficar muito filosóficos. Não há problema?
Não, não (risos). Mas acha que esta revolução digital está a tornar-nos mais sozinhos?
Não acho, de todo, que esteja a tornar-nos mais sozinhos, mas não tenho provas. Não há nada que meça se estamos ou não mais sozinhos, mas diria que está a tornar-nos consideravelmente menos sozinhos, porque a comunicação é muito mais fácil. Se voltarmos ao que falámos antes, acho que estamos mais ansiosos agora. E acho que isso está a acontecer, sem dúvida, no Facebook e no Instagram, sobretudo. Agora, o foco está naquilo que fazes e em tornares-te numa pessoa interessante. O que está a acontecer é que há uma assimetria do glamour, que funciona assim: o que eu estou a fazer agora é muito chato, como estar no escritório ou ir passear o cão, e, nesse momento, se for ao Facebook ou ao Instagram, posso ver muito depressa alguém que está numa praia na Austrália, outra que está na Colombia ou alguém em Lisboa a ter uma refeição ótima, muito melhor do que aquela que eu estiver a ter na altura. E isto são só três pessoas. Em média, as pessoas têm 150 amigos no Facebook e no Instagram.
São precisas 2 ou 3 pessoas para, naquele momento, sentir que a minha vida é um aborrecimento. E aí está a assimetria do glamour. A verdade é que volta e meia faço coisas realmente interessantes, que não têm assim tanto glamour, mas faz com que as outras pessoas olhem e pensem “Uau, o Mark está a fazer aquilo. Que sortudo, por que é que a minha vida não é assim tão interessante?” E vão estar a fazer o mesmo dali a dois meses. Acho que isto também cria essa sensação de ansiedade. Acho que isso está a levar os millenials em direção a um modelo económico baseado no acesso e não na pertença.
Como assim?
Começam a pensar: porque vou comprar um vestido ou uma mala quando posso alugá-los e ter o último grito da moda por uma noite e depois devolver? Porquê ter um carro? Sinto que a maioria dos jovens já nem vai querer um carro, não faz sentido. E acho que isso é parcialmente movido pelo impacto das redes sociais: o que tem glamour hoje é o que fazes, não aquilo que possuis. É muito mais fácil dizer [nas redes sociais] “olha para nós, a chegar à Costa Rica”. E toda a gente vai olhar e sentir a assimetria do glamour: “Eu nunca vou a sítios destes. E todos os meus amigos parecem estar lá a toda a hora.”
“Os carros autónomos vão ser um benefício para a humanidade”
Mais carros autónomos, casas inteligentes e assistentes virtuais são algumas das tendências que estão no Fjord Trends para 2017. Acha mesmo que está prestes a entrar na nossa realidade?
Vamos começar com os carros. Não dizemos que a tendência do ano são os carros autónomos, mas dizemos que este é o ano em que as pessoas começam a olhar para eles com seriedade. Já não temos apenas analistas a fazerem previsões, temos marcas como a BMW a dizer que vai ter carros nas ruas em 2020, 2021. Temos a Nissan, no Reino Unido, a dizer que vai ter carros em 2020. Temos a Uber à espera de entrar neste mercado. Temos a Tesla. Há uma empresa no Reino Unido que está a desenvolver um software para carros autónomos, que diz estar pronto para entrar no mercado em 2019. Se olhares para todos estas indicações, percebes que estão todos com os olhos postos no final desta década ou no início da próxima.
Parece que ainda falta muito, porque estamos em 2017, mas lembra-te que os smartphones só apareceram há 10 anos e vê como se entranharam nas nossas vidas. E nem preciso dar exemplos. Parece que é mais fácil que isso aconteça com os smartphones, porque andamos com eles. A infraestrutura que é precisa é muito reduzida, quando os carros autónomos precisam de uma muito maior. E, por isso, o impacto no mundo, à nossa volta, na forma como vivemos, vai ser muito maior. Se começarem a arrancar no início da década de 2020, qualquer pessoa que esteja a fazer um investimento de longo-prazo tem de começar a pensar, agora, como é que o mundo vai mudar quando os carros autónomos estiverem nas estradas. Isto vai obrigar-nos a repensar a forma como as lojas trabalham, os hospitais, as cidades. Não dizemos que vamos começar a vender e a comprar carros elétricos em 2020, dizemos é que, no início dessa década, isto vai começar a ter impacto nos negócios. E as pessoas vão ter de começar a pensar nisso já.
Fala de negócios e investimento. Mas e para os cidadãos?
Acho que vai ser inevitável no longo prazo. Tudo acerca desta tecnologia nos diz que vai ser um benefício para a humanidade. Vai tornar-nos mais eficientes e vai ser mais divertido (exceto para as pessoas que gostam de conduzir os carros perigosamente muito depressa). É muito melhor entrar no carro e estar focado na minha família e divertir-me do que ter de passar a maioria do tempo a focar-me na estrada e ficar muito cansado no final. E é óbvio que, na teoria, torna as cidades muito mais eficientes.
E os desafios que ainda temos de enfrentar em termos de regulação? Vão ser uma luta?
Sim, vão. Mas se olhar para o que os Governos estão a fazer agora, percebe que estão a começar a aceitar que isto vai acontecer. Os benefícios são muito claros para a sociedade, mas também para os governos. Se houver menos acidentes, então tens de gastar menos dinheiro na saúde pública. Parece-nos que é algo sobre o qual os governos devem começar, sem dúvida, a investir. A Florida, por exemplo, está a começar claramente a fazer planeamento urbano à volta da ideia dos carros autónomos.
Se olharmos para o ciclo de vida de um carro no mercado tradicional, percebemos que se trata de um investimento de longo prazo. Se conseguires ver que estas coisas vão atingir o mercado nos próximos dois ou três anos, começas a questionar coisas como: será que eu quero realmente investir num carro tradicional agora, se daqui a cinco anos, se calhar, essa tecnologia já passou completamente de moda? A Tesla, por exemplo, diz que os carros que estão a produzir agora estão já prontos para serem autónomos. Só lhes falta o software. O hardware que estão a construir está pronto para que o carro seja adaptado rapidamente assim que o software estiver pronto e a regulação permitir.
“Já há muitas coisas digitais que estão a causar problemas”
Uma das tendências para este ano são os assistentes virtuais. Acha que vão ser uma realidade em breve?
Acho que vai ser mais fácil com os carros autónomos. Podemos dizer que vamos ter umas caixas sobre rodas e que elas vão substituir, em grande parte, o que temos neste momento. Mas é muito mais difícil falar sobre como vai ser a experiência dentro dessas caixas. Posso dizer quais são os meus palpites, mas são apenas isso, palpites. Acho que a inteligência artificial está a chegar muito depressa e que vamos ver muita coisa acontecer no próximo ano. Mas a forma que essa inteligência artificial vai ter nos próximos três ou quatro anos é menos conhecida. Há algumas coisas sobre as quais temos de pensar. Precisamos de pensar sobre como desenvolvemos estas coisas.
Acha que vai ser preciso um supervisor para o que vai ser feito neste campo? Porque é uma área meio misteriosa.
Acho que a pergunta que se impõe é: que área precisa de supervisão? É a recolha de dados? Provavelmente é. Acho que toda a gente está preocupada com isto. Teoricamente, a Amazon pode estar a ouvir tudo o que se passa dentro das casas que têm o Echo (assistente virtual da Amazon), mas isso não parece impedir ninguém de o comprar. Nunca ouvi ninguém que utiliza a Alexa (software de inteligência artificial da Amazon) dizer que está preocupado com aquilo que a Alexa ouve. Quando as pessoas não têm, dizem isso. Mas quando têm, não dizem. Acho que a realidade é que estamos preparados para permitir que estes aparelhos entrem nas nossas vidas. E acho que os chatbot [programa de computador que conversa com os utilizadores como se fosse uma pessoa] são o sítio onde a maioria das pessoas vai interagir com sistemas de inteligência artificial pela primeira vez, mesmo que não estejam conscientes disso.
A questão que temos agora de colocar é: queremos que este chatbot seja mais chat [humano] ou mais bot [máquina]? Se for mais bot, sabes que estás a interagir com uma máquina, que vai ter um número e nada nele vai parecer particularmente humano. A teoria é que os utilizadores não querem ser iludidos e acreditar que estão a desenvolver uma relação com um ser humano. Ou podes tornar este chatbot mais chat e vai aproximar-se mais do que estamos a fazer agora. É uma interação muito mais humana, porque nos espelhamos. Se quiseres que seja mais chat, o perigo é que podes estar a iludir o utilizador e levá-lo a pensar que estão, de facto, a interagir com um ser humano. Ninguém, de momento, sabe qual é a melhor direção a tomar. A minha opinião é que o mais provável é irmos pelo caminho do chat, porque acho que as pessoas vão gostar mais de interagir com algo mais humano, mas vai haver um ponto de cruzamento em que as coisas vão ficar confusas. E isso é algo que vamos ter de ver com muita atenção nos próximos anos. Vou dar um exemplo: uma colega disse-me ontem que tinha comprado uma Alexa para o pai, que tem 75 anos, e que ele se apaixonou pela voz.
Como no filme “Her – Uma História de Amor”?
Exatamente. O meu filho, por exemplo, gosta da Alexa porque lhe pede para fazer barulhos de “pums” (risos). Para ele, a Alexa é um ser humano superior que pode dar “pums” quando lhe apetecer, que não cheiram mal. Se fores um rapaz de 10 anos, há muito para gostar nisto. Como há muita coisa para gostar se fores um homem de 75 anos e tiveresuma voz de uma mulher a falar contigo. A minha mulher, por exemplo, não gosta de ter a Alexa no quarto, porque diz que está outra mulher no quarto. E não quer. Mas nunca ouço as pessoas dizerem que não gostam da Alexa, porque parece demasiado humana. Ninguém diz isso. E se a Alexa falasse como um robô, acho que não seria tão interessante.
Mas quais são os perigos disto tudo?
Há sempre perigos. Platão escreveu sobre isto há milhares de anos. Ele contou a história de um deus egípcio que desceu ao reino do Egito e disse ao rei que tinha uma nova tecnologia. O rei perguntou que tecnologia era e ele respondeu: chama-se escrever. O rei depois perguntou o que é que a escrita fazia, que benefícios trazia. E o rei disse que precisava de pensar sobre isso durante uma semana. Uma semana depois, o rei disse ao deus que não queria a prenda. “Estou muito agradecido por me teres oferecido isto, mas estou preocupado que as pessoas esqueçam o que têm nas cabeças assim que as escrevam no papel.”
O que estou a tentar dizer com esta história é que, quando temos uma nova tecnologia, fazemos um avanço, mas perdemos algo ao mesmo tempo. Acho que é verdade que já há muitas coisas digitais que estão a causar problemas. Uma das coisas às quais temos de prestar atenção é o buraco que existe entre os empregos que a tecnologia está a destruir e aqueles que está a criar. Quando começas a perguntar às pessoas que estão entusiasmadas com que empregos vão ser criados, ninguém tem muita certeza. Dizem, vagamente, que vão surgir novos empregos, porque todas as tecnologias criam oportunidades novas. Mas não sabemos quais são. Passa-se o mesmo com os carros autónomos – não são um bom sinal para os taxistas, globalmente, ou para qualquer pessoa que seja motorista profissional. Vão surgir novos trabalhos para servir estas coisas, sem dúvida, mas não sabemos o que vamos perder. Temos de pensar muito bem sobre o que vai acontecer quando introduzirmos estas tecnologias.
Uma das coisas que falamos no relatório é das consequências não intencionais da adoção do digital. Vimos as coisas que fazem na Uber, no Airbnb, como o Instagram está a ser utilizado para saber onde estão as jóias da Kim Kardashian, etc. Ninguém começa os negócios com estas coisas na cabeça, mas elas acontecem.
Startups? “Tudo acontece muito mais depressa agora”
É um empreendedor com mais de 30 anos de experiência. Quando olha para o passado, que erros é que não cometeria agora?
Eu focar-me-ia mais no talento da equipa, é o mais importante. Acho que focar-me-ia muito em conseguir as melhores pessoas, em estar preparado para pagar por isso. Em ter as melhores pessoas que conseguíssemos.
As pessoas são a chave do sucesso?
Sem dúvida. Mas é muito difícil para um empreendedor, porque têm de passar muito tempo preocupados em angariar dinheiro para que tudo continue a mover-se. Se ficam sem dinheiro, tudo pára. Têm de se focar mais no dinheiro do que em qualquer outra fase da sua carreira. É uma questão de vida ou morte. E aí não estás muito tempo focado em construir uma equipa. Se eu pudesse voltar atrás e fazer tudo outra vez, acho que trabalharia muito mais na dinâmica da equipa e investigava melhor. Trata-se muito de ter o talento certo, mas também de nos certificarmos que estão a cooperar e a trabalhar bem juntos, enquanto uma equipa incrivelmente focada.
E quais são as grandes diferenças entre as startups de hoje e as de quando começou?
A velocidade. Acho que agora tudo acontece muito mais depressa.
Acha que isso pode ter um efeito secundário também?
Acho que o timing é incrivelmente importante. Há uma boa altura para chegar ao mercado e uma má altura. E é incrivelmente difícil de dizer quando é que isso acontece. Quando olho para a minha carreira, percebo que tomei algumas decisões na altura certa e outras na altura errada. A velocidade da mudança do momento é muito intensa. Acho que o que também está diferente agora é o nível de aceitação comercial e social daquilo que significa ser um empreendedor. Isso mudou completamente quando pensamos em como as coisas eram há 10 ou 15 anos.
Mudou como?
As pessoas falam de empreendedorismo, sabem o que é. Se tiveres um nível de formação razoável, é muito triste se não souberes o que é uma startup e se não desenvolveres uma espécie de modelo mental do que isso significa. Pensar se é uma coisa que deves fazer ou não. A minha filha mais velha tem 29 anos, e a segunda tem 27. Muitos dos seus amigos estão a trabalhar em startups ou começaram startups, já está no seu modelo mental de como a vida pode ser. Mas isto não estava no modelo mental das pessoas há cerca de 20 anos. Podiam procurar coisas diferentes e novas para fazer, mas passavam por estar dentro dos limites de uma organização já existente.
A ideia de começares um negócio sozinho soava um bocadinho a “aldeia pequena”, um pouco como se só fosse possível abrir lojas. Não soava ao que é lançar, hoje, uma empresa de software que vai tornar-se na forma como as pessoas namoram no futuro e que se chama Tinder. Ninguém diria isso. Nunca teriam esse nível de ambição. Porque esse nível de ambição pode sair de Lisboa ou da Costa Rica e não soa a algo que seja completamente louco. Acho que isso é completamente diferente.
Pode tornar-se demasiado tendência? Uma coisa da moda?
Lançar uma startup?
Sim. Ser empreendedor.
Não acho, porque se concordarmos – e nem toda a gente concorda – que o que se está a passar com a tecnologia vai tirar muitos empregos do mercado (e acho que vai, sem dúvida), então vamos ter de sentar e pensar no que é que há de diferente nos humanos, no que podemos fazer que as máquinas não podem. Neste momento, a melhor resposta para isso é a criatividade. Existem outras respostas, como amar, mas isso é ligeiramente menos prático. A resposta prática é criatividade.
Por isso, quando olho para os meus filhos, para os mais novos que procuram uma carreira, digo-lhes para não irem para nenhum emprego que possa ser automatizado. Pensei nisso há uns dias quando foi o aniversário da morte de David Bowie. Cresci com a música dele, adorava-o. Ele é famoso porque mudou a sua música massivamente em três ou quatro ocasiões específicas. Esqueceu o que era antes e transformou-a numa coisa nova. Enquanto ato criativo sempre achei que isso era incrivelmente corajoso e admirável. Acha que a inteligência artificial vai ser capaz de prever isso? Não. Aquilo saiu da cabeça dele.
Regressando à tua pergunta, a invenção de coisas novas para fazer, de novas formas de ganhar dinheiro e de viver a vida, de sermos produtivos… Não acho que isso vá deixar de ser excitante ou interessante no futuro. Acho que vai demorar décadas ate chegarmos a esse nível. E que vai tornar-se cada vez mais naquilo que fazemos. Em vez de ser aborrecido ou fora de moda.