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"É preciso não falar da revolução tecnológica como se fosse uma moda"

Para o líder da Plataforma para o Crescimento Sustentável e número 2 do PSD, Moreira da Silva, não há dúvidas: Portugal deve aproveitar a 4ª revolução industrial para liderar, sem esperar pela Europa.

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Líder da Plataforma para o Crescimento Sustentável, docente universitário e vice-presidente do PSD, Jorge Moreira da Silva acredita que Portugal deve ser um dos líderes da revolução tecnológica e digital que o mundo enfrenta. Mas deixa um alerta: para que o país vença os desafios que aí vêm é preciso reformar, sobretudo na educação e “não falar do tema como se se tratasse de uma moda”. Em maio, a associação que lidera publicou o relatório “Game Changers: Surfing the wave of technology disruption” – da autoria do investigador António Grilo -, que apresenta as oportunidades e o impacto que a nova vaga tecnológica mundial pode ter nas empresas e na economia portuguesa.

Ao Observador, Moreira da Silva – que foi ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, no Governo liderado por Pedro Passos Coelho – explicou que Portugal não deve fazer parte desta evolução para seguir, mas para liderar. E que para que isso aconteça, é preciso promover e apostar numa economia de rede: que internacionaliza por setor e em cluster, que liga a indústria à academia, que une grandes empresas a startups, que promove sistemas de financiamento que beneficiem a fertilização cruzada e que aposte na educação e reconversão digital do mercado de trabalho.

Sobre o papel que a Europa deve ter neste processo, não hesita: Portugal não deve esperar pelas regulamentações e regulações de Bruxelas. “Quando me pergunta se temos de nos ajustar à regulamentação da Comissão Europeia, eu direi não. Temos de ter uma economia muito mais aberta à inovação e ao empreendedorismo para podermos competir e para podermos vencer”, afirmou, antes de criticar “sem meias palavras” o relatório do Fórum Económico Mundial que afirma que a quarta revolução industrial vai destruir 5 milhões de empregos. “Acho que é um relatório que procurou amedrontar as pessoas”, concluiu.

FÁBIO PINTO/OBSERVADOR

“Temos de associar as nossas grandes empresas às startups”

Uma das questões a que este relatório pretende responder é de que forma a revolução tecnológica vai afetar as empresas portuguesas. Chegaram às respostas?
Partimos de um pressuposto mais otimista do que a maior parte dos estudos que têm vindo a a ser publicados nesta área, inclusivamente pelo Fórum Económico Mundial. A quarta revolução industrial tem vindo a ser apresentada como uma grande ameaça ao mercado de trabalho, afirmando que os benefícios que resultam da economia digital colocam riscos acrescidos e até redução do número de trabalhadores. Mas nós sempre considerámos que essa visão era excessivamente pessimista e que não contribuía para uma discussão mais alargada.

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Em segundo lugar, consideramos que as tensões recentes entre Airbnb e hoteleiros, Uber e táxis, Spotify e discográficas, TripAdvisor e agências de viagem são apenas a ponta de um iceberg muito mais profundo sobre os resultados da disrupção tecnológica. Entendemos que havia toda a vantagem para Portugal fazer um debate profundo e alargado sobre isto, que não se limitasse a traduzir para português os estudos feitos lá fora. Queríamos fazer um estudo inédito sobre quais são os impactos da nova revolução industrial, quais são as competências necessárias para que Portugal possa vencer e as reformas necessárias.

Este estudo, que durou mais de um ano e foi produzido pelo professor António Grilo, permitiu constatar que os impactos desta revolução tecnológica transcendem aquilo que tínhamos vindo a verificar nos últimos anos. Porque se trata não só de novas tecnologias, mas da integração de tecnologias.

Integração de tecnologias os setores mais tradicionais?
Exatamente. Verificámos que o que está em causa não são as tecnologias de informação e comunicação (TIC), a biotecnologia, a robótica, o armazenamento de energia ou a impressão 3D. É tudo isso, mas de uma forma integrada. A investigação em biotecnologia está sempre associada às TIC, a produção e armazenamento de energia está associada à área digital, a mobilidade tem uma componente digital, etc. A partir do momento em que há uma integração de tecnologia, a velocidade e o impacto da mudança é muito maior. E isso coloca riscos e oportunidades tanto aos incumbentes, que é o setor industrial atual, como aos novos protagonistas.

De que maneira é que isto afeta Portugal? Afeta porque as exportadoras portuguesas são hoje mais vulneráveis aos impactos desta mudança – atuam no mercado internacional e sabem que este está a avançar para a nova vaga de tecnologias. Isto significa que enfrentam alguns riscos, mas que também podem beneficiar largamente da revolução tecnológica se se adaptarem atempadamente.

"Esta revolução tem uma grande vantagem em comparação com as anteriores: não depende de capital intensivo, de trabalho intensivo, da utilização intensiva de recursos nem sequer de uma determinada posição geográfica"

Um exemplo prático foi o que se passou com o setor têxtil em Portugal na década de 1990, com as consequências do alargamento da União Europeia a Leste, a liberalização do comércio a nível da OMC e uma escala de integração global cada vez maior. Essa indústria passou por enormes dificuldades e hoje está mais competitiva do que nunca. Porque tirou partido das novas tecnologias, do design e da competição global. O facto de as empresas mais exportadoras poderem enfrentar alguns riscos associados à revolução tecnológica não se trata de uma fatalidade. Essas indústrias, que hoje estão confortáveis, exportam, atraem investimento, criam emprego, têm de olhar não para o presente, mas cada vez mais para o futuro e perceber que esta revolução lhes coloca desafios.

Para Portugal, esta revolução tem uma grande vantagem em comparação com as anteriores: não depende de capital intensivo, de trabalho intensivo, da utilização intensiva de recursos nem sequer de uma determinada posição geográfica próxima dos recursos existentes. Quem vence nesta economia é quem tem os skills mais adequados do ponto de vista da educação, tecnológico, industrial e quem assume o empreendedorismo como a base da sua atuação e não apenas como algo associado aos setores de Investigação & Desenvolvimento (I&D). O empreendedorismo é uma competência transversal. Aqui chegados, Portugal tem claramente riscos e oportunidades associadas a esta nova vaga tecnológica.

Como é que as empresas mais exportadoras se podem preparar para vencer os riscos? Recorrendo a startups, apostando internamente nos departamentos de inovação?
Esse é o ponto principal. Uma das principais recomendações que fazemos é o de evitar a lógica do “cada um por si”. Portugal tem uma dimensão que não lhe permite vencer numa economia de escala. Temos outras vantagens que outros países não têm, como a economia de rede. Há muitos poucos países no mundo que podem ser vistos como tendo uma economia tão aberta e tão interligada. Portugal é europeu, mas é mediterrânico. É europeu, mas é atlântico. É europeu, mas é lusófono. Essa dimensão de abertura e de interligação posiciona Portugal como um verdadeiro hub de investimento, projetos, de talentos, de recursos. E pode potenciar vantagens na economia de rede à escala mundial.

"Tem de haver uma estratégia industrial que mais do que potenciar a concorrência (porque a concorrência é boa), crie lógicas de colaboração e de concertação"

Na prática, como é que isso se faz?
Temos de evitar a lógica de “cada um por si”, onde cada empresa compete internacionalmente mas não tira partido das oportunidades de colaboração. Temos de criar condições para ter uma lógica de ecossistema, tal como no meio ambiente existe uma interdependência entre as várias espécies de fauna e flora, para que resistam melhor às condições ambientais mais adversas e potenciem as suas vantagens. Também na área do empreendedorismo devíamos associar cada vez mais as grandes empresas a um conjunto de startups, às universidades, politécnicos e sistema de financiamento. Tem de haver uma estratégia industrial que mais do que potenciar a concorrência (porque a concorrência é boa), crie lógicas de colaboração e de concertação.

Sei que muitas vezes se confunde empreendedorismo, inovação e reconhecimento do mérito (que são inquestionáveis) com uma lógica de não colaboração e de competição pura e dura. Acho que as duas dimensões são conciliáveis. Temos de associar as nossas grandes empresas às startups. E isto deve ser cada vez mais uma responsabilidade da REN, da Galp, da EDP, da Portucel, só para dar alguns exemplos. A partir dessas grandes empresas, tem de haver cada vez mais um mosaico de startups que criem relações de interdependência e que também estejam ligadas às universidades e politécnicos, criando clusters de inovação. Nós ainda não conseguimos fazer isto em Portugal, ter esta lógica de reconstrução do tecido industrial, que articula grandes empresas, startups, academia e sistema financeiro.

E não conseguimos porquê? Por uma questão de mentalidade, porque deve ser uma iniciativa das grandes empresas, do Estado? Como se resolve?
Acho que o Estado tem de dar o exemplo quando define a rede de clusters e os modelos de financiamento à ciência e à inovação. Deve cada vez mais favorecer, no modelo de financiamento, as estratégias de fertilização cruzadas. Isto é, as empresas devem sentir que, quando concorrem a determinados fundos, vão beneficiar de mais financiamento e de mais condições de atração de investimento se tiverem lógicas de concertação e de articulação.

No fundo, trata-se de redefinir as regras de acesso ao financiamento à ciência e à inovação. De perceberem que a regra é, por um lado, integrar cada vez mais as preocupações do tecido industrial no sistema de ciência. E por outro, o financiamento à indústria ser cada vez mais para potenciar o conhecimento que hoje está na universidade e nos politécnicos. Outra dimensão é a da internacionalização. Temos de criar condições para uma internacionalização articulada entre estes vários players.

"Se acharmos que basta apostar nas grandes empresas sem termos noção que essas grandes empresas têm de reconstruir-se e articular-se com as startups, então estamos muito distantes da nova vaga tecnológica"

Indo lá para fora juntos?
Exatamente. Em vez de estarmos a pensar na internacionalização da empresa A, B, C – que é a lógica dos campeões nacionais e que eu acho que não faz sentido – devemos procurar internacionalizar o setor da energia, das TIC, do calçado, do têxtil, do vestuário, da agricultura, da mobilidade, etc. E isto deve resultar de uma internacionalização do setor e não só da empresa, mesmo que essa empresa seja a maior do setor. Sinceramente, julgo que está a faltar essa lógica de articulação. Se acharmos que basta apostar nas grandes empresas sem termos noção que essas grandes empresas têm de reconstruir-se e articular-se com as startups, então estamos muito distantes da nova vaga tecnológica. Uma das grandes conclusões do nosso relatório é precisamente a de avançarmos para uma reindustrialização de Portugal numa lógica ecossistémica e não numa lógica de empresas individuais. E isso traduz uma alteração que o Estado tem de assumir também.

“Devemos tirar partido desta revolução não para seguir, mas para liderar”

Qual deve ser o papel do poder político nesta articulação?
No sistema de financiamento à ciência e à inovação nas empresas tem de haver esta lógica de discriminar positivamente os projetos que potenciem fertilização cruzada entre academia e indústria, entre empresas grandes e startups. Isto é um sinal claríssimo que pode ser dado ao sistema científico e ao industrial. Depois, o próprio Estado deve dar o exemplo. E essa é uma das recomendações que fazemos no relatório: o Estado dar o exemplo em dois planos. Primeiro, ao nível dos sistemas de dados abertos (open data), porque isso não só reforça a cidadania como também potencia o desenvolvimento de novos negócios.

Quando era ministro do Ambiente, criámos uma plataforma à época inovadora que se chama igeo.pt. Nessa plataforma, os serviços de administração pública da área do ordenamento do território, ambiente, energia, conservação da Natureza foram obrigados a partilhar online, de uma forma aberta, todos os dados que foram sendo gerados ao longo de vários anos. Se neste momento quiser ter informação georreferenciada sobre questões de património, conservação da natureza, geologia, água, litoral, já tenho uma plataforma em que os dados são geridos de uma forma mais próxima dos cidadãos. Qual é a vantagem? Por um lado, transparência. Por outro promoção da concorrência. Como sabe, informação é dinheiro. E uma das grandes dificuldades que as empresas mais pequenas enfrentam é a de não terem um histórico, um repositório de informação tão longo.

A partir do momento em que a administração pública funciona numa lógica de dados abertos, a vantagem do pioneiro desaparece e uma empresa muito pequena pode acabar a competir com empresas muito grandes, porque tem acesso à informação. Depois, permite desenvolver novos negócios. Alguns estudos concluem que o valor económico e de criação de emprego associados a negócios que resultam de dados abertos é muito significativo. Isto é uma área concreta onde a administração pública pode dar o exemplo, e que é uma mudança de mentalidade. Quem gere a informação, gere-a de uma forma aberta e não a protege ou guarda para si. Até entre serviços da administração pública. Outra dimensão onde o Estado pode dar o exemplo é na digitalização. Vi que o Governo recentemente anunciou uma medida que me parece positiva, a de caminharmos progressivamente para uma maior digitalização.

"É preciso não confundir, não falar do tema como se se tratasse de uma moda e reformar verdadeiramente para que Portugal possa vencer"

Conhece as medidas do Startup Portugal?
Conheço algumas, como a iniciativa Indústria 4.0. Julgo que existe uma preocupação cada vez maior dos protagonistas políticos, dos vários partidos e do Governo nesta área. E por isso considero que é uma das áreas onde pode haver um compromisso. Mas para haver um compromisso é preciso não confundir, não falar do tema como se se tratasse de uma moda e reformar verdadeiramente para que Portugal possa vencer.

Pensa que podemos estar a correr esse risco?
Acho que este é um tema demasiado sério para nos limitarmos a falar sobre ele chamando a atenção das pessoas para a importância do tema em si. É preciso mais do que isso. Essa primeira parte é importante: chamar a atenção dos portugueses para a revolução industrial que está em curso, para o enorme potencial da disrupção tecnológica. Perceberem que devemos tirar partido dessa revolução não para seguir, mas para liderar.

Esta dimensão não se esgota, de modo algum, na discussão sobre a importância do tema. É preciso saber como fazer. Este relatório procura demonstrar que temos todas as razões para sermos otimistas e nos metermos ao caminho. Não basta falarmos no tema nem enunciar vantagens. É preciso intervir de uma forma reformista em vários planos, desde logo na educação.

O que é que faz sentido fazermos agora?
Não quero estar a comentar nenhuma iniciativa do Governo, até porque, como lhe disse, me parece positivo que o tema tenha ganho uma discussão mais abrangente, que já vem de trás, dos governos anteriores. Recordo-me que o tema da digitalização e da sociedade do conhecimento foi ganhando uma importância cada vez maior desde o tempo do Diogo Vasconcelos, de quem temos muitas saudades. Vejo como positivo que, nesse tema, não andemos a tentar destruir o que vem de trás sempre que o Governo muda. Nos últimos 15 anos, todos os governos têm vindo a acrescentar valor a esta lógica da sociedade do conhecimento, mas não basta acrescentá-lo de forma incremental.

Estamos numa fase em que não basta fazer um bocadinho melhor do que quem nos antecedeu. Estamos perante uma mudança tecnológica tão profunda que ou Portugal se faz ao caminho mais rapidamente do que os outros ou poderemos vir a perder uma enorme oportunidade, tal como perdemos nas três revoluções industriais anteriores, onde Portugal não venceu. Podemos vencer nesta, mas é um “podemos” muito condicionado a uma coisa: reformar. Reformar desde logo na educação.

Como?
Se olharmos para estas tecnologias – TIC, energia, robótica – estamos a falar sempre de áreas que dependem de conhecimento intensivo e não de trabalho, capital ou recursos naturais intensivos. O que significa que o combustível mais importante desta nova economia não é o petróleo, o carvão, o aço ou os recursos naturais. É o conhecimento. A educação e o empreendedorismo são os requisitos indispensáveis para vencer nesta economia. A pergunta que devemos colocar é: estão os nossos jovens em condições de liderar estes negócios? Estão os nossos jovens em condições de ter as competências adequadas para integrar estas novas empresas? Eu direi: estão alguns, não estão todos.

Não basta apostarmos no combate ao abandono escolar. Portugal conseguiu reduzir o abandono escolar nos últimos anos de uma forma muito significativa: de 28% para 13% nos últimos cinco anos. Temos de ir além e avançar de forma mais determinada para a exigência. Temos de ter competências muito fortes na Matemática, Ciências e na área digital. O sistema educativo tem de preparar-se para esta mudança. E tem de preparar os nossos jovens de uma forma mais contemporânea. Parece-me evidente que a vertente curricular tem de ser ajustada numa lógica que evite os compartimentos estanques. Hoje, um jovem para vencer nesta nova tecnologia não tem de saber só de uma coisa, tem de saber de várias. Não só de ciência, mas de filosofia, história, português.

"É preciso preparar os jovens portugueses para ousar, para o sentido de risco, para fazer do empreendedorismo uma competência fundamental para ultrapassar obstáculos "

Alguns dos líderes destas empresas, que hoje têm 20 e poucos anos, são pessoas que obviamente têm competências sólidas, mas que também têm um sentido de audácia, de abertura e um espírito empreendedor muito grande. Temos claramente de atuar no sistema educativo de forma a reforçar a competência empreendedora. Não basta saber fazer, é preciso preparar os jovens portugueses para ousar, para o sentido de risco, para fazer do empreendedorismo uma competência fundamental para ultrapassar obstáculos e, por outro lado, é preciso ter competências técnicas fundamentais.

Segunda área importante é a reconversão digital. Tenho 45 anos e é normal associar-se a iliteracia nas TIC às pessoas que saíram do sistema educativo há 40 anos ou às que tiveram uma escolaridade muito curta. Convém termos noção que hoje já falamos de níveis de alteração tecnológica que fazem com que algumas pessoas que se licenciaram há 20 anos precisem de reconversão na vertente tecnológica e digital. Não estamos a falar de pessoas com 60 anos. Estamos a falar de pessoas com 30 ou 40 anos para as quais é preciso promover ações de capacitação e de reconversão, porque o que aconteceu nos últimos cinco anos foi uma alteração porventura maior do que nos 20 anos anteriores.

Mais rápida?
Sim. E isso obriga a uma preparação das gerações atualmente trabalhadoras. Não basta a educação. É preciso ajudar os atuais trabalhadores a reconverterem-se na parte digital rapidamente.

“É necessário um programa em larga escala que prepare os trabalhadores para as competências digitais”

Tem de se evitar que estas pessoas cheguem às filas do centros de emprego por não terem as competências necessárias. E este trabalho faz-se como?
Indo por exemplo ao setor têxtil. Algumas empresas que praticamente faliram na década de 90, à mercê da globalização, hoje têm uma faturação que é provavelmente o dobro ou o triplo da que tinham antes dessa crise, mas com metade dos trabalhadores. A reconversão de algumas destas empresas envolveu muita tecnologia e essa tecnologia deu origem a mais produtividade, mas também a mais competitividade.

Essa mão-de-obra tem de ter cada vez mais capacidade para preservar o seu posto de trabalho, estar preparada para a revolução tecnológica dentro da própria empresa. Vai haver uma digitalização crescente das empresas do setor industrial e as competências digitais são decisivas. É necessário um programa em larga escala que prepare os atuais trabalhadores para as competências digitais, e não só para os que estão em risco. Não se trata de formação para adultos convencional, de programas tipo Novas Oportunidades. Estamos a falar de pessoas que são licenciadas, algumas com mestrado ou doutoramento que por questões geracionais têm, neste momento, um nível de competências na área das TIC que está datado no tempo.

Quando diz “nós”, diz quem?
Digo o país. Digo o Governo, que tem de criar essas condições, mas as empresas também. Se fosse CEO de uma empresa do setor industrial estaria, neste momento, a preparar rapidamente ações de capacitação dos meus trabalhadores para a área digital, mesmo que a minha empresa estivesse a crescer a 10 ou 15% ao ano, a criar emprego, a faturar e a exportar cada vez mais. Porque há um momento em que vai ser preciso enfrentar esta onda tecnológica. É preciso ter noção disto. Para surfar esta onda, todas as empresas – mesmo as que hoje se sentem muito confortáveis – têm de se preparar. E atempadamente. Até porque sabemos que o investimento em educação, seja na reconversão de trabalhadores ou nos mais jovens, precisa de algum tempo. A grande mensagem que é preciso passar é: o Estado e as empresas (grandes e pequenas) têm de investir na educação e na preparação dos trabalhadores para a digitalização, sejam trabalhadores com uma escolaridade muito curta sejam trabalhadores com um doutoramento que tenha sido feito há mais de meia dúzia de anos.

"As empresas devem estar preparadas para resistir e crescer. Não devem esperar que o Estado lhes diga que têm de apostar na educação" 

Deve ser uma iniciativa conjunta?
Uma iniciativa conjunta, mas as empresas não devem esperar que o Governo se lembre disso. As empresas são organizações sociais que têm como principal função o desenvolvimento e, por isso, o lucro serve para criar condições para esse desenvolvimento. Para o emprego e para devolverem à sociedade esse valor económico. As empresas devem estar preparadas para resistir e crescer. Não devem esperar que o Estado lhes diga que têm de apostar na educação. Julgo que o Estado deve dar o exemplo, mas as empresas não podem achar que estão muito confortáveis.

Se perguntar às empresas discográficas se estavam muito confortáveis há cinco anos, estavam. Mas hoje o Spotify mudou o padrão. Se fizer o mesmo com os hoteleiros, também estavam. Mas hoje o Airbnb está a redefinir o mercado de turismo. Se perguntar aos taxistas, também estavam confortáveis. Mas hoje a Uber criou-lhes uma nova realidade. Nenhuma empresa deve pensar que está confortável por estar hoje a faturar muito ou por ser quase a única no setor.

E em relação às universidades, o processo passa por onde? Pela mudança de mentalidades ou têm de ser os jovens a obrigar a academia a reinventar-se mais rapidamente?
Estive sempre ligado ao setor da ciência, fui há muitos anos secretário de Estado da Ciência e do Ensino Superior. Hoje, sou docente no Ensino Superior e observo o sistema científico de dentro e de fora. Por um lado, temos universidades e politécnicos de altíssima qualidade, temos bons cientistas e boa investigação. Do outro lado, temos boas empresas, com boas competências de inovação seja nas grandes empresas seja nas PME.

O que é que que falta? Falta a integração. Ainda não vejo que esteja suficientemente integrado na academia a preocupação com a resolução dos problemas da indústria. E não vejo que a indústria tenha integrado suficientemente os resultados da investigação que é feita em Portugal. Às vezes, a circunstância de termos dois silos muito competentes não tem permitido maximizar de forma cruzada este potencial. è importante é que a academia, além da investigação fundamental que faz, pergunte cada vez mais à indústria o que é que ela precisa, em que medida é que pode ajudar. E a indústria portuguesa – em vez de andar a comprar tecnologia proprietária de outros ou a tentar reinventar a roda dentro da sua própria empresa – deve perguntar à academia se não pode resolver esse problema. É necessário haver aqui um match.

"Para vencermos nesta economia preciso de dar milhares de exemplos. Precisamos de milhares de startups, milhares de novos produtos, de atrair biliões de euros de investimento, de exportar biliões de euros a partir de novos produtos"

As grandes podem ter um papel muito importante na internacionalização das startups. Se uma grande empresa ganhar um grande projeto no exterior e puder levar algumas pequenas empresas para esses trabalhos (em vez de estar sistematicamente à procura de parceiros no exterior) está a ajudar à internacionalização de todo o cluster e não apenas da sua própria empresa. Acho que temos de criar mecanismos no financiamento, nas compras públicas e na definição de clusters para promover esta fertilização cruzada.

O sistema científico português tem hoje dentro de si os ingredientes fundamentais para que Portugal possa vencer nesta economia. O nosso problema é a escala. Eu posso dar dois exemplos, mas para vencermos nesta economia preciso de dar milhares de exemplos. Precisamos de milhares de startups, milhares de novos produtos, de atrair biliões de euros de investimento, de exportar biliões de euros a partir de novos produtos. Como não podemos vencer pela escala, temos de vencer pela rede. Mas para vencer pela rede – a interligação de todos para concorrermos em termos internacionais – é preciso avançar para reformas na educação e na política industrial.

“Temos de ter uma economia muito mais aberta à inovação e ao empreendedorismo do que a europeia”

Para surfar esta onda, temos de nos apoiar na Comissão Europeia?
Acho que Portugal tem de ser visto como um laboratório vivo de novas tecnologias. Não nos devemos alinhar com os padrões menos empreendedores. Somos um país pequeno, que quer crescer nesta nova economia e que quer que os grandes capitalistas de risco e as grandes empresas de tecnologia olhem para Portugal ou para investir ou para importar produtos. Devemos ser vistos como um case study de empreendedorismo e de abertura.

Quando me pergunta se temos de nos ajustar à regulamentação da Comissão Europeia, eu direi não. Temos de ter uma economia muito mais aberta à inovação e ao empreendedorismo para podermos competir e para podermos vencer. Estamos numa economia colaborativa, a economia da partilha. Quando os investidores abrem o mapa do mundo, têm de ter uma luzinha que se acende em Portugal. E isto depende de termos regras mais abertas.

Mas como é que podemos ser esse laboratório vivo de tecnologia?
Temos de ter abertura em temas como a mobilidade, eficiência energética, armazenamento de energia, etc. Porque nós temos condições, temos competências nesta área. Para que os grandes investidores do mundo nos vejam como um laboratório vivo onde vale a pena investir e colocar projetos. Não vamos vencer pela escala nem pelos salários baixos. Quem olha para Portugal não pode ver um país que onde vale a pena investir porque tem salários baixos, recursos naturais muito vantajosos ou porque tem um número de consumidores muito grande. Quem quiser investir em Portugal terá de o fazer porque temos uma abertura ao mundo e uma lógica mais aberta para a inovação e empreendedorismo. E temos de criar condições ao nível da regulamentação para essa abertura. Ao fecharmos,, estamos a afastar investimento em projetos.

"Na nova economia, não vamos falar de desregulamentação nem de desregulação. Tem de continuar a haver uma regulação, mas essa regulação não deve procurar travar o vento com os dedos"

A regulação europeia pode ser um entrave para Portugal? A Uber é um exemplo de inovação que carece de regulação. Neste caso, qual seria a solução?
Travar soluções de mobilidade mais próximas dos cidadãos e da liberdade de escolha é travar o vento com os dedos. Estamos a falar de regulação e regulamentação. Eu defendo uma lógica de regulamentação mais aberta à inovação. Temos de garantir aos consumidores condições de idoneidade de quem utiliza os veículos. Preciso de saber se determinado motorista preenche os requisitos indispensáveis em termos de conhecimento e de idoneidade, mas não preciso de saber se é um táxi de há cinco anos, dez anos, um Uber ou um Cabify. Esse tipo de regulamentação vai ter de ser progressivamente diminuída para termos mais concorrência. Uma coisa diversa é a regulação do espaço público. Devo dizer que estou mais preocupado em saber que tipo de veículos podem circular na via pública do que em saber quem são os proprietários. Como cidadão de Lisboa, mais do que saber se vamos ter só Uber e táxis ou só táxis, quero saber se vamos continuar a ter veículos poluentes a circular na via pública, apesar de terem um alvará. Esse tipo de regulação do espaço público é o debate que temos de fazer.

Na nova economia, não vamos falar de desregulamentação nem de desregulação. Tem de continuar a haver uma regulação, mas essa regulação não deve procurar travar o vento com os dedos. Deve procurar tirar partido desse vento e dessa nova tecnologia para benefício dos cidadãos. Isso não pode dar origem a congestionamento urbano nem a uma lógica de concorrência selvagem. Há uma outra regulação que vai ser necessária, por exemplo.

Deve ser uma iniciativa de regulamentação governamental?
O papel das cidades é fundamental. É aqui que queria chegar.

Estas soluções devem vir das autarquia?
Algumas devem vir do Estado, outras das autarquias. Acho que quando olhamos para as tendências mundiais de empreendedorismo, percebemos que as cidades têm um papel fundamental. Espero que cidades como Lisboa, Porto, Braga e muitas outras se possam posicionar como capitais de empreendedorismo à escala mundial. O papel das lideranças autárquicas, das comunidades locais é cada vez mais importante. E para isso as regras são importantes. Para quando alguém abrir um terminal de computadores em São Francisco, Londres Frankfurt, para decidir onde vai investir, se acenda uma luz e surja Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Aveiro. Porque são cidades que têm regras mais amigas do empreendedorismo. Também podemos ter na digitalização, tecnologia, mobilidade regras nacionais e locais mais amigas deste tipo de novos negócios. Mas não olhemos apenas para o sistema de educação, inovação ou para o papel que determinado líder possa ter. Vencer nesta nova economia vai obrigar a que todos façam a sua parte e isso inclui as cidades.

"Acho que este papel de honest broker, de rótula no Atlântico para investimento de projetos de empreendedorismo pode fazer de Portugal um grande vencedor nesta economia. Mas para que isso aconteça temos de ter regras mais abertas"

O que me está a dizer é que Portugal não deve esperar pela Europa.
Acho que Portugal deve influenciar em Bruxelas, participar ativamente em todos os debates, para que a União Europeia seja cada vez mais um local de destino da inovação. Se olhar para o mapa do capital de risco mundial e dos unicórnios, chega à conclusão que uma larguíssima parte do capital de risco e destas empresas estão nos EUA, especificamente na Califórnia. Há razões que justificam isso. Se a Europa não se posicionar numa lógica mais aberta à inovação, se não falar uma linguagem mais próxima da dos cientistas e investidores, não será local de destino para novas experiências, investimento e origem de exportação de tecnologia. Portugal tem toda a vantagem em influenciar a União Europeia para que se torne mais aberta.

Depois do referendo no Reino Unido, Portugal tem uma importância acrescida na fachada atlântica, mediterrânica, na integração da União Europeia na relação transatlântica e na relação Norte Sul com o Mediterrâneo. Acho que este papel de honest broker, de rótula no Atlântico para investimento de projetos de empreendedorismo pode fazer de Portugal um grande vencedor nesta economia. Mas para que isso aconteça temos de ter regras mais abertas.

Falando no Brexit, pode ser uma mais-valia para Lisboa?
Aqui não há vencedores, perdemos todos com esta decisão. Portugal tem uma ligação privilegiada com o Reino Unido, quer histórica quer económica, e não pode deixar de investir na relação bilateral. Isso não é só uma responsabilidade, é uma inevitabilidade. Quanto às vantagens, confesso que não vislumbro grandes vantagens nem para Portugal nem para nenhum país. Temos de investir para mitigar os riscos internos e na União Europeia.

"Quando falamos de reindustrialização, há muita gente que pensa que estamos a falar das chaminés fumegantes, mas não. É a reindustrialização pela competitividade, pelo empreendedorismo, pela inovação, pelo conhecimento e pela sustentabilidade ambiental"

O que acha sobre a estimativa do Fórum Económico Mundial, que aponta para que a revolução industrial destrua 5 milhões de empregos?
Acho errado. Sempre achei o relatório do Fórum Económico Mundial errado. E não estou com meias palavras. Acho que é um relatório que procurou amedrontar as pessoas para a revolução tecnológica e digital. No passado, outros fizeram o mesmo. Enquanto andarem entretidos a discutir de forma pessimista as consequências da revolução industrial, Portugal deve preparar-se para ser rapidamente vencedor. Quando fundei a Plataforma para o Crescimento Sustentável em 2011, Portugal estava a iniciar o memorando de entendimento e concentrado nas condições de emergência que nos tinham sido colocadas. E eu fundei esta plataforma com 400 pessoas de vários quadrantes políticos, mas essencialmente com pessoas que estão fora da política e têm idas empresariais, científicas, académicas e etc.

Na altura, dissemos duas coisas básicas. Primeiro, que o memorando de entendimento e a responsabilidade orçamental são condições necessárias, mas não suficientes para o crescimento. Mesmo que nos resolvam todas as questões associadas ao défice e à dívida, nem assim seremos capazes de crescer sustentavelmente. Existem outros constrangimentos que estão connosco há muito tempo na área da educação, ciência, industria, justiça, ambiente, ordenamento do território, dependência energética do exterior. É preciso olhar além do memorando de entendimento, além do défice, além da dívida. Em segundo lugar, dissemos que este novo modelo de desenvolvimento deve ser feito numa lógica cosmopolita. Portugal é um país com pergaminhos históricos e aberto, com uma posição geográfica única no mundo. Devemos ser abertos à discussão política no quotidiano das grandes tendências globais, como a crise climática, demográfica, de segurança, mas também das vantagens associadas à revolução tecnológica, à globalização.

Não devemos ter uma posição passiva. Devemos influenciar esses debates internacionais, participar ativamente e julgo que este relatório está em linha com o primeiro que publicámos – Uma visão pós-troika, em 2012 – onde dizíamos que existiam três áreas decisivas para Portugal vencer: a do conhecimento, da reindustrialização e a economia verde. Tudo isso a par da responsabilidade orçamental. Este relatório procura concretizar uma área específica, a da reindustrialização. Quando falamos de reindustrialização, há muita gente que pensa que estamos a falar das chaminés fumegantes, mas não. É a reindustrialização pela competitividade, pelo empreendedorismo, pela inovação, pelo conhecimento e pela sustentabilidade ambiental. O nosso objetivo é que durante um ano se continue a fazer este debate e que esta plataforma possa contribuir para que exista rutura e compromisso nesta área. Rutura porque precisamos de reformas. Ninguém avança sem romper, é preciso pensar fora da caixa. Compromisso porque é necessário que a estas reformas seja associada estabilidade e previsibilidade. Espero que o Governo e os partidos políticos possam tirar partido do nosso trabalho.

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