Muitos pais, ainda antes dos filhos nascerem, já se preocuparam com a escola que os pequenos vão frequentar, com a alimentação que vão escolher para eles, com os limites e as cedências, com as birras e os castigos, mas Álvaro Bilbao tem um conselho muito simples para aliviar todas estas preocupações: desfrutem. Tirar partido do prazer de ser mãe ou pai, aceitar que não vai conseguir fazer tudo na perfeição (e ainda bem), manter o equilíbrio e evitar a tensão, são alguns dos conselhos para iniciar a jornada.
“Na minha perspetiva, educar é apenas apoiar a criança no seu desenvolvimento cerebral, para que algum dia esse cérebro lhe permita ser autónoma, atingir as suas metas e sentir-se bem consigo própria”, escreveu o neuropsicólogo num livro que pretende servir de guia aos pais para que ajudem os filhos a desenvolver o potencial intelectual e emocional.
Álvaro Bilbao tem feito trabalhos de investigação na área da psicologia e neurociência, tendo-se especializado em plasticidade cerebral, mas admite que, embora estude o cérebro há muitos anos, foram os três filhos que deram sentido a esse conhecimento e que o ajudaram a perceber melhor o cérebro das crianças. É este conhecimento acumulado que procura partilhar no livro “O cérebro da criança explicado aos pais”, editado em Portugal pela Planeta.
Os pais procuram fórmulas mágicas, querem soluções prontas a usar. Se um pai o abordasse com a pergunta: “O que é que eu tenho de fazer?”, que resposta lhe poderia dar?
Para ser um bom pai?
Sim.
Gostar muito dos seus filhos, demonstrar-lhes muito amor, jogar muito com eles, impor-lhes limites, dizer-lhes quando fizeram as coisas bem e, por último, ajudá-los a serem pacientes e a saberem esperar. Estas são as cinco coisas mais importantes. Se fizerem isto, já estão muito bem.
A pergunta agora é: como se faz isso?
Para isso temos cinco ferramentas muito importantes. A ferramenta da comunicação: ter uma comunicação positiva com os nossos filhos, uma comunicação que os ajude a colaborar – porque há comunicações que os ajudam a colaborar e outras que ajudam a que a criança não obedeça. A empatia, isto é, entender como se sente a criança, colocarmo-nos no seu lugar e dar palavras aos seus sentimentos. Muito importante é dar reforços [positivos] quando a criança está a fazer as coisas bem – não muito, mas com bastante frequência -, quando a criança faz as coisas melhor, quando supera uma dificuldade. Em quarto lugar: impor limites para que a criança não faça coisas que não queiramos que faça. E em quinto lugar: fazer com que a criança corrija as dificuldades e isto consegue-se sobretudo com normas, normas que a criança entenda que quando faz algo errado terá de retificar ou terá uma consequência. E se conseguirmos fazer tudo isto como um jogo, a criança vai entendê-lo muito melhor.
Com jogos?
Sim. Por exemplo, quando os meus filhos não querem tomar banho imponho-lhes um limite: eles sabem que vão acabar na banheira porque esse é o limite que eu coloco, mas posso levá-los para a banheira zangados ou posso levá-los com um jogo. Com um jogo muitas vezes aprendem melhor, têm menos tensão.
Os limites são uma das maiores dificuldades dos pais, porque as crianças estão sempre a testá-los. Qual a melhor forma para os pais fazerem valer esses limites? Com os jogos como estava a dizer?
Primeiro é não ter medo das emoções das crianças. Não ter medo que a criança fique triste, não ter medo que fique zangado, não ter medo que faça uma birra. Em segundo lugar é preciso fazê-lo de uma forma tranquila, com confiança e explicando à criança que tem de fazer as coisas. E saber dizer que não.
Há muitos pais que têm medo de enfrentar os filhos, mas há que pensar que o pai ou a mãe têm trinta e tal anos, têm uma inteligência, têm uma altura e um peso, e a criança pesa 10 quilos, portanto temos de ter confiança. Se não tivermos confiança vai ser mais difícil. Às vezes podemos jogar, outras vezes podemos ficar sérios, outras vezes podemos simplesmente dizer que não, outras vezes podemos obrigar – obrigar com carinho, sem puxar a orelha. No final, isto implica que a criança não faça aquilo que não queremos e que faça aquilo que pedimos, que nos obedeça.
Todas essas soluções vão depender sempre dos pais e das crianças. Ou existe uma solução certa para cada situação?
Não. Não existe uma fórmula mágica como dizia, depende sim da habilidades dos pais, da intuição, da empatia – a capacidade de entender os filhos – e da habilidade que tenham para usar a empatia, a comunicação, o reforço, os limites e as alternativas aos castigos ou as normas.
Muitos pais dizem: “O meu filho não me ouve”. Mas quando falam com eles estão a olhar para o telemóvel e do alto. O importante é que os pais saibam que para falarem com os seus filhos se têm de baixar, têm de os olhar nos olhos e, preferencialmente, tocar-lhes – para terem a sua atenção. A criança tem de saber que estamos a falar a sério. Se peço à criança que se vista, mas estou na cozinha e ele está no quarto, e o digo de forma tranquila, ela pode não entender. Mas se vou ao quarto e digo: “Olha, vais vestir isto”, a criança vai entender melhor.
Não há uma fórmula mágica, mas muitas pequenas fórmulas mágicas que ajudam a que tudo seja mais fácil.
E podemos dizer “Não”?
É preciso dizer “Não” muitas vezes, desde que são bebés. Os pais têm muito medo da frustração das crianças. Os pais dos bebés acham que estes nunca podem ficar frustrados, mas é o contrário. A criança precisa de abraços e beijos, mas também é importante que em alguns momentos a criança saiba esperar, entenda que a mãe tem de ir tomar banho, entenda que não pode gatinhar em alguns sítios porque tem vidros ou porque está sujo, saiba que tem de ficar quieto quando a mãe lhe troca a fralda. E isto é importante, são os primeiros limites, e a partir daí vão aparecendo muitos outros limites na vida de criança e na vida de adulto.
Quando as crianças não respeitam os limites os pais ou lhes batem ou os colocam de castigo, mas sei que tem algumas propostas de alternativas aos castigos. Que alternativas são essas?
Em primeiro lugar, é reforçar [positivamente] a criança quando se porta bem. Uma criança que desobedece quando vai tomar banho, possivelmente é uma criança cujos pais nunca lhe disseram que estavam muito contentes quando foi para o banho. Em segundo lugar, é preciso reforçar também quando a criança faz as coisas um pouco melhor. Se todos os dias a criança se irrita muito para ir para o banho e um dia fica menos irritada, os pais podem dizer-lhe: “Hoje chateaste-te menos, assim está bem”.
Isso custa-nos muito entender, mas nunca devemos deixar de reforçar a uma criança que está a melhorar o seu comportamento. Sobretudo com as crianças mais difíceis o que funciona é reforçar os progressos. Uma criança que berra, que não está atenta nas aulas, nunca vai ter um comportamento perfeito de um dia para o outro, mas se o reforçarmos vai mudando.
Temos de arranjar uma forma de impor limites e de motivar a conduta da criança. E se mesmo assim a criança não obedece, temos de ver se o reforçamos pelo que fez de melhor ou se lhe aplicamos alguma consequência – mas que seja feita em forma de norma. A consequência mais natural é a reparação do que fez mal: se partiu um copo tem de apanhar os cacos, se uma criança bate noutra tem de pedir desculpas, e isto é mínimo. Quando fazemos isto, as crianças aprendem que os copos não se atiram para o chão e aprendem que não se bate às outras crianças. Mas se nos zangamos muito, se o castigamos e a criança não pede desculpa ou se pede desculpas só porque foi castigado, então a criança não aprende bem.
Uma das alturas difíceis e em que as crianças testam os limites é na hora de ir dormir. Existe uma hora certa para ir dormir? Como é que os pais podem pôr uma criança a dormir quando ela não quer?
Não creio que seja tão importante uma hora concreta no relógio como uma rotina: jantar, lavar os dentes, ler um conto, estar na cama, dar um beijo e dizer adeus. E então apagar a luz e acabou-se.
Mas às vezes é preciso ser muito compreensivo. Há alturas em que as crianças precisam dos pais, por exemplo, por volta dos cinco ou seis anos aparecem os terrores e os medos noturnos, como o medo do escuro ou dos monstros, nesses momentos pode ser importante estar com a criança. Noutros momentos as crianças só querem brincar e brincar e temos de dizer-lhes que não. Portanto é importante saber quando é ‘Sim’ e quando é ‘Não’, mas sempre com empatia, para que se sinta querido, mas conseguindo respeitar certos limites.
Se uma criança diz: “Mamã, tenho medo porque acho que está um monstro no armário” e se respondemos: “Cala-te e dorme”, não estamos a ser empáticos. Agora, se ele quer brincar, aí podemos pará-lo e dizer-lhe: “Não. Agora é hora de ir dormir”. Eu utilizo três regras muito simples: apagar a luz, não se pode falar e não se pode sair. Temos de ficar no quarto e se eles acenderem a luz apagamo-la, e se eles falarem dizemos: “Ssshhh! Calados”, e se se levantam da cama, voltamos a deitá-los.
Já falou muitas vezes da empatia. Como é que os pais podem ter um comportamento mais empático quando a criança está a fazer uma birra por causa de um chupa-chupa, por exemplo?
Quando uma criança faz uma birra é porque está a expressar uma frustração de um desejo e a criança não se consegue acalmar sozinha, o seu cérebro não tem a capacidade para se acalmar sozinha. Então podemos fazer coisas que não ajudam, como ficarmos zangados com a criança ou fazê-los sentir vergonha – dizendo que as pessoas estão a olhar ou que o irmão não faz as mesmas birras que ele -, mas isto só faz com que a birra seja cada vez maior.
As coisas que podemos fazer para ajudar: em primeiro lugar, usar a empatia, porque isso ajuda a acalmar o cérebro, a parte emocional; em segundo lugar, podemos ajudá-lo a ser flexível, pensar noutras coisas de que também gosta e coisas que pode fazer quando chegar a casa, e noutro dia pode escolher um prémio distinto se se portar bem; e em último lugar, se a criança quiser e estiver um pouco mais calma, podemos abraçá-lo.
Mas uma coisa que pode ajudar a muitos pais é que eles não têm de acalmar as birras dos seus filhos – é uma coisa tão natural como fazer xixi na fralda quando têm seis meses ou não conseguir falar quando têm um ano. Portanto, é normal. Podemos ajudar um pouco. Não ralharia com o meu filho se fizesse xixi na fralda com seis meses de vida – porque não tem sentido -, portanto também não vou ralhar com a criança que fica irritada. Mais, uma criança que faz uma birra está a passar por uma fase de falta de controlo e se também perdermos o controlo, não lhes vamos ensinar nada que lhes seja útil.
Falou em abraçar depois de uma birra. É bom para as crianças que os pais lhes deem abraços e colo depois de uma birra? Às vezes os pais também estão muito zangados.
Sim, porque quando a criança está com os pais e os abraça produz oxitocina, que faz com que a criança se sinta mais tranquila, que se sinta mais unida, mas também ajudamos a que a criança se acalme – quando está mais tranquilo tem a recompensa do abraço que o ajuda a sentir bem. Nesse sentido acho que é bom.
Não seria bom abraçá-lo quando está zangado, nem tão pouco comprar-lhe o que quer para que não fique assim, porque estaríamos a reforçar o estado zangado. Quando estiver calmo, estaremos a reforçar a calma.
Há uma situação que pode levar as crianças a terem comportamentos diferentes, como quando os pais estão separados ou quando passam muito tempo com os avós. As crianças lidam bem com isto, conseguem aprender facilmente os comportamentos que devem ter com cada um?
Sim. Aprendemos muito em função das pessoas e dos lugares. É mais fácil para uma criança aprender que em casa dos avós, com os avós, pode comer bolachas sempre que queira, e que na sua casa não é assim, do que entender que o pai um dia deixa comer e no outro dia não – isso é mais difícil de entender para as crianças. É muito bom que as crianças vivam diferentes realidades, conheçam pessoas diferentes, porque os faz adaptar melhor a situações distintas. As crianças que têm de se adaptar à casa dos avós, à casa do pai e à casa da mãe, adaptam-se melhor – é uma competência que se desenvolve por necessidade.
Além das birras, atualmente há outro problema que preocupa os pais, como o défice de atenção, mas no livro refere que existe um sobrediagnóstico dos problemas cognitivos das crianças.
Na nossa sociedade, 10% das crianças tomam medicação para o défice de atenção, mas somente 4%, no máximo, terão na realidade esse problema. Isto acontece porque os pais têm menos paciência com as crianças que não se portam bem, as escolas têm menos paciência com as crianças que não se portam bem, as crianças aprendem com os pais e com os professores a serem menos pacientes e, portanto, têm mais problemas de atenção. As escolas não querem crianças com tantos problemas e por isso pedem aos pais e professores que resolvam o problema e, com tudo isto, diagnostica-se mais e se dá-se mais medicação – o que não é bom.
E isto acontece em todos os países ocidentais. Em todos os que há estudos aparece esta tendência de diagnosticar mais do que o necessário. Estamos a medicar crianças que não precisam e isso não é bom para o cérebro.
Para não encher as crianças de medicamentos é importante que estas tenham bons hábitos de sono, que tenham uma alimentação saudável – sem corantes, conservantes e aditivos -, também é importante que façam exercício, que vão para a rua brincar depois da escola, em vez de irem para as atividades extracurriculares e que os ajudemos a ter paciência e autocontrolo. E, por último, que passem menos tempo com os telemóveis na mão.
Há pais que não têm tempo e que optam pelas tecnologias para entreter os filhos, mas há pais que ficam muito obcecados com todos os pormenores da educação da criança. Que conselhos daria a estes pais?
Todas as crianças têm direito a ter pais imperfeitos e a viver uma vida sem stress. Porque se um pai é perfeito e se faz tudo bem, então a criança vai sofrer de hiperexigência. Não há pais perfeitos. O melhor pai é o pai normal, que ensina ao filho as coisas boas, mas que também demonstra os seus defeitos, e que tenta ajudar o seu filho. Não podemos controlar tudo, e muito menos no que diz respeito aos filhos. Cada um fará o melhor que pode.