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O que acontece se Trump continuar a ser Trump?

Donald Trump é Presidente há um ano. Reverteu as políticas de Obama, afastou os EUA no plano diplomático e está envolto em polémicas. No ano que se segue, conseguirá Trump sobreviver a ele próprio?

Ainda antes de a política ser o seu principal palco, Donald Trump já era conhecido por ser um homem de afirmações fortes e incisivas, no estilo de quem sabe muito bem que carta batida não é carta recolhida. Ser assim, seja na pele de magnata do imobiliário, como estrela de um reality-show ou como Presidente dos EUA, passa muitas vezes pelo uso de pontos de exclamação — figurativa e literalmente, como é visível na sua conta de Twitter.

Foi dessa forma que, em jeito de balanço do ano que passou, Donald Trump resumiu a sua governação da seguinte maneira no Twitter: “O Estado Islâmico está a recuar, a nossa economia está a crescer, o investimento e os empregos estão a voltar em catadupa ao país, e muito mais! Juntos, não há nada que não possamos superar — até uns media enviesados. Nós ESTAMOS a Fazer a América Grande Outra Vez!”.

Este foi, para Donald Trump, o resumo do ano que passou. Porém, quando chega a altura de olhar para o ano que se segue, os quatro especialistas norte-americanos que falaram ao Observador renunciaram aos pontos de interrogação e prefiriram falar com reticências e, mais comum ainda, deixando vários pontos de interrogação no ar. O maior de todos surge quando é feita a seguinte pergunta: poderá Donald Trump continuar a ser Donald Trump mais um ano? Será isto sustentável para a democracia norte-americana? E para ele próprio?

Em ano de eleições intercalares, a base de apoio de Trump pode abandoná-lo?

Numa altura em que poucos viam como plausível uma vitória de Donald Trump sobre Hillary Clinton nas eleições presidenciais de 2016, Henry Olsen, investigador do think tank conservador Ethics & Public Policy Center, era dos poucos que apontava para a possibilidade de o 45º Presidente dos EUA vir a ser o homem que até à altura era mais conhecido pelo programa “The Apprentice”.

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E, ao contrário de alguns setores conservadores, Henry Olsen estava não só em paz com essa possibilidade, como a favor dela. Ao ponto de defender que Donald Trump seria um Presidente na linha de Ronald Reagan — o que, no meio conservador norte-americano, é irrefutavelmente um elogio.

Porém, agora, Henry Olsen apresenta algumas dúvidas em torno dessa comparação, apresentado outra para a troca: Mitt Romney, o empresário que perdeu para Barack Obama em 2012 e com o qual Donald Trump mantém uma relação tensa e de críticas mútuas.

"Por agora, parece que uma boa parte dos eleitores de colarinho azul vão continuar com Trump. Mas alguns já estão de saída. E, se Trump fizer algo que pode ser visto por esse eleitorado como uma traição inegável, então não vai ter vida fácil”
Henry Olsen, investigador do think tank conservador Ethics & Public Policy Center

“O que nós estamos a assistir é praticamente o mesmo que teria acontecido em 2013 caso Romney tivesse vencido as eleições”, diz ao Observador. Em concreto, Henry Olsen refere-se ao plano fiscal que Donald Trump conseguiu que o Congresso aprovasse e que vai levar a um corte generalizado de impostos — porém, o corte é mais significativo para as empresas e para os mais ricos e apenas residual entre aqueles que ganham menos. Para Henry Olsen, isto é um erro ao qual dá a designação de “Romneyismo com cara humana”.

“Digo que é Romneyismo porque Romney pensava que o motor de uma economia são os empresários e os empreendedores e nunca os trabalhadores”, diz. “E por ‘cara humana’ quero dizer que Romney não era uma pessoa muito calorosa em público, enquanto Trump é. Mas a substância do plano fiscal dele é ao estilo de Romney. É pensar, de forma errada, que os governos devem ajudar o empresário e depois esperar que o empresário ajude o trabalhador.”

No tempo de Ronald Reagan, os compêndios de ciência política norte-americana passaram a contar com o termo “democratas de Reagan”, usado para descrever eleitores que até ao aparecimento 40º Presidente dos EUA nunca tinham votado no Partido Republicano. A mudança foi feita graças a uma mensagem dirigida de frente para a América de colarinho azul — a mesma que Franklin Delano Roosevelt conquistou na década de 1930 e 1940. E aquela que, em estados decisivos como o Ohio, Michigan e Pensilvânia, levou Donald Trump para dentro da Casa Branca.

“Eu tenho familiares que votam em Donald Trump e que dizem que se sentem envergonhados por ele. Mas ainda não chegaram ao ponto de dizer que não votariam nele outra vez.”
Barbara Perry, diretora do centro de estudos presidenciais no Miller Center, da Universidade da Virginia

A duração do apoio deste setor eleitoral — em 2016, 67% dos homens sem educação superior votaram em Donald Trump — é um dos maiores pontos de interrogação na cabeça de Barbara Perry, diretora do centro de estudos presidenciais no Miller Center, da Universidade da Virginia.

“Eu tenho familiares que votam em Donald Trump e que dizem que se sentem envergonhados por ele. Mas ainda não chegaram ao ponto de dizer que não votariam nele outra vez”, começa por explicar. “O que é que levaria essas pessoas a não votar em Trump outra vez? O meu medo é que, para isso acontecer, seja preciso acontecer um cataclisma. Como uma crise financeira igual à de 2008 ou um holocausto nuclear com a Coreia do Norte que teria tamanho impacto nos americanos ao ponto de não perdoarem Trump.”

Barbara Perry diz-se “contra” Donald Trump, algo que assume “tanto na qualidade de cientista política como na qualidade de patriota”. Porém, reconhece-lhe uma certa “genialidade” na maneira como chegou ao poder e se tem mantido nele. Mesmo que, amiúde, o descreva também como um “mau génio”.

Em 2016, 67% dos homens sem educação superior votaram em Donald Trump. Será que nas eleições intercalares tornam a votar no Partido Republicano? (Alex Wong/Getty Images)

Alex Wong/Getty Images

“Trump fez o oposto do que tinham sido as lições da derrota dos republicanos em 2012. Em vez de unir os americanos, dividiu-os em tribos. É aí que reside o seu mau génio. Em vez de unir, separa, para depois se servir de uma base de apoio que muito dificilmente o larga”, refere.

O receio de Henry Olsen é que, aos poucos, os “democratas de Donald Trump” voltem a ser, simplesmente, democratas — já a partir das eleições intercalares, que vão decidir a composição do Senado e da Câmara dos Representantes, atualmente dominadas pelo Partido Republicano. “Suspeito que se nada mudar nas políticas de Donald Trump, os republicanos vão ter um resultado muito mau nas eleições intercalares”, aventa o conservador. “Por agora, parece que uma boa parte dos eleitores de colarinho azul vão continuar com Trump. Mas alguns já estão de saída. E, se Trump fizer algo que pode ser visto por esse eleitorado como uma traição inegável, então não vai ter vida fácil.”

Vida fácil será algo que Donald Trump não terá, certamente, se o Partido Democrata passar a controlar pelo menos uma das duas câmaras que compõem o Congresso. Basta o Senado (onde os republicanos têm uma maioria de 51, contra 47 democratas e dois independentes, entre os quais Bernie Sanders) ou a Câmara dos Representantes (onde o partido de Donald Trump tem 238 do seu lado e 193 são democratas) passarem a ter uma maioria do Partido Democrata para toda a agenda legislativa de Donald Trump ser bloqueada.

E, caso controlem as duas câmaras do Congresso, os democratas podem começar a dizer em voz alta aquilo que até agora só é sussurado: impeachment.

Donald Trump a caminho de um impeachment?

Na História dos EUA, houve apenas dois presidentes que enfrentaram um processo de impeachment. O primeiro foi Andrew Johnson, em 1868; o segundo foi Bill Clinton, em 1998. Tanto um, como o outro, conseguiram sobreviver a este processo. Em 1974, a propósito do escândalo de Watergate, Richard Nixon escapou a um impeachment quase certo, porque se demitiu a tempo de não ter de enfrentá-lo.

Um impeachment não é uma moção de censura. Para utilizar aquela figura, há um passo inicial imprescindível: o Presidente tem de ter sido acusado de algum crime, como traição ou corrupção. Só depois de consumado esse facto a Câmara dos Representantes pode votar o impeachment. Se mais de metade dos congressistas estiverem a favor, ele avança. Depois, segue-se um julgamento cujo veredito cabe ao Senado. Para um Presidente ser deposto, é preciso que dois terços dos senadores o declarem culpado.

Não é em vão que “Donald Trump” e “impeachment” sejam referidos amiúde na mesma frase. Ainda o atual Presidente dos EUA não tinha tomado posse, já as suspeitas de um possível conluio da sua equipa de campanha com o Kremlin, que terá tentado influenciar as eleições norte-americanas de 2016, estavam na ordem do dia. O cerco começou a apertar em maio, quando o ex-diretor da CIA Robert Mueller foi designado como procurador extraordinário para este caso. Desde então, dois membros da equipa de Donald Trump declaram-se culpados do crime terem mentido ao FBI (Michael Flynn e George Papadopoulos) e a outros dois (Paul Manafort e Rick Gates) foram acusados de crimes relacionados com o seu trabalho de lobby para um partido pró-russo na Ucrânia. Uma das acusações é de conspiração contra os EUA.

“Trump vai lutar com todo o seu arsenal contra quem quiser tirá-lo da Casa Branca”, garante Henry Olsen, sobre um hipotético impeachment (BRENDAN SMIALOWSKI/AFP/Getty Images)

BRENDAN SMIALOWSKI/AFP/Getty Images

Donald Trump tem passado ao lado de todo este processo, o qual diz ser uma “caça às bruxas”. E, mesmo que as provas apontem um conluio da campanha de determinados indivíduos da campanha de Donald Trump com o Kremlin, sobram dúvidas sobre se isso seria o suficiente para manchar de igual forma o Presidente dos EUA. Também aqui os pontos de interrogação sobressaem.

Para Henry Olsen, se uma hipotética maioria democrática na Câmara dos Representantes vier a iniciar um processo de impeachment, o diálogo entre republicanos e democratas torna-se impossível. “Sem impeachment, será possível dialogar e negociar entre os dois lados da barricada”, diz. “Mas assim que Nancy Pelosi [líder dos democratas na Câmara dos Representantes] for pelo caminho do impeachment, não sobra ar para mais nada.”

Nesse caso, Henry Olsen acredita que “Trump vai lutar com todo o seu arsenal contra quem quiser tirá-lo da Casa Branca”. Mas o analista conservador acredita que, até agora, “não há nenhumas provas de que Donald Trump esteve envolvido num conluio com o Kremlin, a não ser para as pessoas que já estavam convencidas disso logo à partida, sem quererem esperar pelos factos”.

Barbara Perry não está certa de que o rumo venha a ser este. Isto porque, depois de um ano, começa a ter dúvidas de que os pesos e contrapesos (em inglês, “checks and balances”) da democracia a norte-americana estão tão fortes como a Constituição os determina. “A minha esperança é que continuem fortes, mas neste momento esta é uma pergunta à qual é impossível responder”, admite.

Entre os pesos e contrapesos ao poder central dos EUA, incluem-se o Congresso, os tribunais e, sublinha Barbara Perry, os media. Se tem pouca fé no primeiro e uma crescente reticência em relação ao segundo, a académica especializada em estudos presidenciais deposita agora a maior parte da confiança no terceiro, os media. “A minha esperança é que eles funcionem como nos tempos de Nixon”, refere.

Quem vai sobreviver na guerra entre Trump e os media?

Dizer que a relação entre os media e Donald Trump é tensa é um eufemismo. David Folkenflik, jornalista especialista em media da NPR, nunca tinha visto nada assim. Como reação, explica David Folkenflik, muitas redações em todo o país “ganharam músculo” para fazer a cobertura desta Casa Branca.

Nalguns casos, como o The New York Times, esse processo passou pela contratação de jornalistas especializados na Casa Branca mas que começaram as suas carreiras na imprensa tabloide. É o caso de Glenn Thrush (entretanto suspenso por denúncias de abuso sexual) e de Maggie Haberman. O resultado é uma mescla dos trabalhos de sempre, concentrados na política pura e dura, com outros onde se procura expor os hábitos quotidianos de um Presidente peculiar — a que horas se levanta, que tipo de alimentação faz, quantas horas de televisão vê por dia, etc.

Recentemente, foi muito falado o livro “Fire and Fury: Inside the Trump White House” (“Fogo e Fúria: Dentro da Casa Branca de Trump”, ainda sem edição em português), do jornalista Michael Wolff. Entre aquelas 336 páginas, não faltam acusações de “traição” e garantias de que Donald Trump não tem capacidades nem inteligência para ser Presidente dos EUA.

David Folkenflik reconhece essa vertente mais voyeuristica, mas não a critica. “É uma cobertura em duas mãos. Por um lado, há essa vertente bombástica. Por outro, há um investimento em trabalhos que procuram trazer à luz o que esta administração quer manter na penumbra”, diz.

Sobre o livro de Michael Wolff, que é frequentemente criticado por usar métodos de investigação questionáveis e por escrever como facto coisas que são apenas conjeturas, David Folkenflik acredita que o conteúdo é “sólido”. E, com algum sarcasmo, acrescenta: “É perfeitamente normal que um jornalista sem vergonha faça este tipo de cobertura de uma presidência sem vergonha”.

Dias antes de atingir a marca de um ano de idade, a Casa Branca de Donald Trump decidiu anunciar os “Prémios das Notícias Falsas”, ou “Fake News Awards”. O evento foi anunciado de forma atabalhoada, sem que fosse claro de que forma iria decorrer. Mas, depois de ter sido adiado uma vez e referido como apenas uma “possibilidade mais tarde, a lista apareceu no site do Partido Republicano. Entre os contemplados, estavam os jornais The New York Times e o Washington Post, as revistas TIME e Newsweek, e as televisões CNN e ABC. Em cada um dos casos, expunha notícias onde cada uma daquelas publicações erraram a respeito de Donald Trump.

Dias antes de cumprir um ano na Casa Branca, Donald Trump atribuiu os “Prémios das Notícias Falsas” a seis órgãos de comunicação social (Alex Wong/Getty Images)

Alex Wong/Getty Images

Quando lhe perguntamos se é sustentável que a tensão entre a imprensa e o Presidente dos EUA continue a aumentar, David Folkenflik responde com uma pergunta retórica: “Bom, quais são as alternativas?”.

O jornalista da NPR falou com o Observador momentos depois de Donald Trump ter expulsado da Sala Oval um jornalista da CNN, que, durante um momento para fotografia, lhe fez insistentemente a mesma pergunta: se queria deixar apenas imigrantes “brancos” ou se admite gente de “países de merda”, como terá dito numa reunião à porta fechada, referindo-se ao Haiti ou a África. “Trump precisa sempre de aumentar o nível de agressividade. Faz parte da personalidade pública dele, é assim que as coisas funcionam nos reality-shows”, explica David Folkenflik.

“Desde Nixon que não tínhamos um presidente cuja ação pusesse tão em perigo a democracia”, diz Barbara Perry. “Ele declara que os seus adversários são ilegítimos, ataca os media diariamente. São elementos básicos que quando são postos em causa podem levar ao fim da democracia.”

Para Henry Olsen, a tensão entre Donald Trump e os media é uma guerra sem vencedores — mas é a comunicação social que mais perde. “Perdemos todos com isto, mas os media, ao tornarem-se tão combativos, acabam por perder a sua credibilidade”, explica. “Os media têm tornado praticamente impossível uma expansão da base de apoio de Donald Trump, mas a verdade é que também não fizeram nada para encolhê-la. É como se continuássemos em 2016, o que é bom para Donald Trump.”

“Os media têm tornado praticamente impossível uma expansão da base de apoio de Donald Trump, mas a verdade é que também não fizeram nada para encolhê-la. É como se continuássemos em 2016, o que é bom para Donald Trump.”
Henry Olsen, investigador do think tank conservador Ethics & Public Policy Center

Em outubro, uma sondagem do jornal digital Politico revelou que 46% dos norte-americanos acreditam que os media “inventam” histórias sobre Donald Trump, ao passo que 37% depositavam a sua confiança na comunicação social. Uma sondagem que Donald Trump fez questão de publicar no seu Twitter, mesmo que tenha sido lançada por um jornal que descreveu como “desonesto” ou “um dos sites de política mais burros e enviesados”.

David Folkenflik admite que, em geral, os media “não se comportam” de maneira a terem “a confiança da maior parte dos americanos”, mas acrescenta que, ao contrário dos políticos, “os jornalistas não devem escrever artigos para ficar bem nas sondagens, devem escrever artigos para denunciar aqueles que querem transformar as suas vidas na penumbra”.

Algo que, admite, é mais difícil nos tempos que correm — e como há muito não era nos EUA. “A postura de Donald Trump com os jornalistas é muito parecida ao que vemos noutros países muito pouco democráticos, como a Turquia ou as Filipinas”, diz, recorrendo ao exemplo de dois países onde a liberdade de imprensa tem sofrido duros ataques nos últimos anos.

A “América Primeiro!” pode resultar numa América isolada?

Donald Trump praticamente começou o ano a comparar botões. A 2 de janeiro de 2018, em reação ao discurso de Ano Novo do ditador da Coreia do Norte, Kim Jong Un, Donald Trump acorreu ao Twitter e escreveu: “O líder da Coreia do Norte disse que o seu ‘botão nuclear está sempre na secretária’. Será que alguém daquele regime delapidado e esfomeado pode avisá-lo de que eu também tenho um botão nuclear e que ele é muito maior e mais poderoso do que o dele? E o meu funciona”.

William Keylor é professor na Frederick S. Pardee School of Global Studies da Universidade de Boston e, aos 73 anos, sabe bem o que foi viver num país à beira de um ataque nuclear soviético a cada momento. “Eu lembro-me bem da década de 1950, dos simulacros para procurar abrigo em caso de ataque”, diz ao Observador. O mais próximo que se esteve desses dias foi no passado 13 de janeiro quando, no estado do Havai, um erro levou a que fosse emitido o alerta de ataque nuclear durante 38 minutos. “É como se tivéssemos regressado aos medos daquela altura.”

Analisando os dados disponíveis de forma fria e cautelosa, William Keylor reconhece que, apesar de tudo, os tempos não são iguais. “Não há maneira de comparar a Coreia do Norte com a União Soviética”, diz. E, embora conceda que existe perigo na capacidade nuclear de Pyongyang, William Keylor é da opinião que, para Donald Trump, a política externa e as relações internacionais não são uma prioridade, mas sim uma ferramenta. “Ele usa-as para desviar as atenções de outros problemas, como a investigação de conluio com os russos”, sublinha.

William Keylor diz que “não parece nada que Donald Trump tenha perdido muito tempo a estudar relações internacionais e política externa” e também duvida de que “ele tenha conhecimentos para lá dos mais básicos no que toca à História da diplomacia dos EUA”. Ainda assim, reconhece-lhe uma doutrina própria, que descreve como “trumpiana”: a de isolar os EUA do mundo.

“A China está obviamente a abrir as asas e a promover influência não só na Ásia mas também em África e na América do Sul, sobretudo a nível económico. Ao mesmo tempo, há aliados dos EUA que perguntam, com preocupação legítima, se os EUA vão continuar a protegê-los.”
William Keylor, professor na Frederick S. Pardee School of Global Studies da Universidade de Boston

“A ideia dele é a de que os EUA têm sido usados pelos seus aliados, o que não é um bom sinal, caso o objetivo seja os EUA terem um papel importante no mundo. Mas ele não quer isso, ele rejeita a noção de um país que tem uma palavra a dizer no mundo”, lamenta William Keylor.

Aos poucos, Donald Trump abre mão de protagonismo em questões centrais da diplomacia internacional, como a guerra na Síria; antagoniza os aliados dos EUA na Europa ao não certificar o acordo nuclear com o Irão; e põe em causa a viabilidade do Acordo de Paris ao retirar-se daquele tratado de proteção do ambiente.

Além disso, claudica em questões basilares da NATO, como é o Artigo 5º, que garante a proteção mútua entre os países que compõem aquela aliança militar, da qual Portugal também faz parte.

@PHILIPPE WOJAZER / POOL/EPA

PHILIPPE WOJAZER / POOL/EPA

Enquanto isso, a China está a ganhar o protagonismo no tabuleiro do xadrez internacional do qual Donald Trump parece abdicar. “A China está obviamente a abrir as asas e a promover influência não só na Ásia mas também em África e na América do Sul, sobretudo a nível económico”, diz. “Ao mesmo tempo, há aliados dos EUA que perguntam, com preocupação legítima, se os EUA vão continuar a protegê-los.”

A par de tudo isto, está a Rússia. “Em relação a Moscovo, está tudo em suspenso até haver um desfecho da investigação do alegado conluio”, garante William Keylor. “Enquanto isso, ao sair da cena internacional, os EUA vão perdendo terreno de forma lenta, mas certa”, explica.

Para o académico da Universidade de Boston, esta postura de Donald Trump é “sustentável”, mas apenas até ao surgimento de uma crise. “Falar é fácil, até falar de medidas é fácil. O mais difícil é pô-las em prática”, diz William Keylor. “Mas quando houver uma crise a sério, as coisas complicam-se. E, quanto a isso, não há respostas. Só perguntas.”

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