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MICHAEL M. MATIAS / OBSERVADOR

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Startups? "Os investidores comportam-se em manada"

O diretor do The Lisbon MBA acredita que a bolha de 2008 foi "uma brincadeira de crianças" comparada com a que se vive hoje. Os "unicórnios", diz Paulo Soares de Pinho, são apenas um dos sintomas.

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“Os investidores não sabem o que fazer ao dinheiro”, diz Paulo Soares de Pinho ao Observador, no gabinete que o The Lisbon MBA ocupa na Nova SBE, a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. Diretor académico do MBA que desde 2008 é ministrado conjuntamente pelos professores da Nova SBE e da Católica Lisbon — e que foi considerado o 15.º melhor da Europa em 2016 pelo Financial Times Top 100 Global MBA Rankings –, Paulo Soares de Pinho tem uma carreira vasta na área da banca e finanças. Especialista em private equity (fundos de capitais privados), faz parte do conselho de administração da Sonae Capital SGPS, da Change Partners e é presidente do conselho geral do Fundo de Sindicação de Capital de Risco PME-IAPMEI e membro do conselho estratégico do Fast Change Venture Capital Fund.

Ao Observador, disse que “o que passou até 2008 foi uma brincadeira de crianças comparada com a bolha que estamos a viver agora” e que, quando o assunto são unicórnios — startups que estão avaliadas em mais de mil milhões de dólares — como a Uber, é preciso ter atenção às modas. “Os investidores comportam-se em manada”, explicou. Do Facebook à Uber e ao Snapchat não faltaram argumentos a Paulo Soares de Pinho para explicar porque é um “vaticínio” fazer previsões sobre como se vai comportar o mercado do capital de risco para o ano. Nem Donald Trump ou os “nacionalismos pacóvios” da Europa escaparam.

MICHAEL M. MATIAS / OBSERVADOR

“O próximo ano é um ano arriscado para fazer vaticínios sobre IPO”

Vários especialistas acreditam que 2017 é o ano do regresso dos IPO [sigla em inglês para Ofertas Públicas Iniciais, ou seja, a estreia de uma empresa em Bolsa] das startups tecnológicas ao mercado. Acha que é isto que vai acontecer?
Acho que ninguém pode dizer isso, por muitas e variadas razões. Em primeiro lugar, ninguém pode prever o que vai acontecer nos mercados nos próximos 12 meses. As saídas de capitais de risco através de IPO são algo que estatisticamente ocorre com muito baixa frequência. Se virmos as estatísticas de saída nos EUA, menos de 10% são saídas que ocorrem por IPO. E na Europa são menos de 4%. Todos nós sabemos que é muito mais interessante vender uma empresa a outra — que possa extrair significativas sinergias com aquelas que temos à venda — do que vendê-la no mercado. As empresas são vendidas abaixo do preço de Bolsa.

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A estratégia de saída indo ao mercado é uma estratégia de alto risco e com custos elevados. Não é a estratégia preferida dos venture capitalists [investidores de capital de risco] em parte nenhuma do mundo. Porém, há empresas que são muito valiosas, tão valiosas que não têm outra possibilidade de saída. E essas, obviamente, só saem pelo mercado. Quando o Facebook foi quase obrigado a fazer um IPO não tinha outra alternativa: a empresa não estava à venda, havia razões regulatórias que faziam com que a empresa tivesse quase de se comportar como uma empresa cotada (porque já ia passar o limite de 500 acionistas diferentes) e não tinha alternativa. Noutras vezes, passam-se outros fenómenos no mercado, a que chamamos de bolhas especulativas, em que as empresas, por qualquer razão, valem para os agentes institucionais e para o público em geral mais do que o que valem para compradores profissionais. E isso abre uma janela para IPO, que acontece para tirar partido de uma bolha. Há exemplos clássicos: quando a Amazon foi para o mercado, os investidores nem estavam a tentar sair da empresa.

A Amazon é um dos casos de uma empresa que foi “obrigada” a fazer um IPO?
Foi, porque havia uma oportunidade de capitalizar a Amazon no IPO da Netscape: o venture capitalist que tinha investido no Nescape era o mesmo da Amazon. Muitas das saídas para IPO acontecem por oportunidade. Dizer que o próximo ano vai ser um ano em que o mercado vai estar com particular apetência para determinado tipo de startups — porque não podemos colocar todas no mesmo saco — é algo que eu tenho dificuldade em dizer. Acho que estão a aparecer no horizonte fatores de incerteza que o mercado ainda não descontou completamente.

Qualquer perspetiva que esteja em curso para reduzir todo o movimento de globalização que ocorreu nas últimas décadas é algo que é claramente prejudicial às startups que ambicionam atingir elevado valor. Qualquer guerra comercial que venha agora a ocorrer entre blocos económicos, qualquer regresso dos nacionalismos, dos protecionismos — que parecem estar nos horizontes graças a eleições que estão e vão ocorrer em alguns países –, podem, pelo contrário, fazer deste ano um ano particularmente difícil para saídas em mercado. Se os agentes começarem a ficar receosos dessa alteração de paradigma económico a nível global, então vão estar muito pouco dispostos a pagar valorizações elevadas a empresas que vão para a Bolsa, pela primeira vez. Se calhar diria, até, que o próximo ano é um ano arriscado para fazer vaticínios sobre IPO.

"Vejo Mark Zuckerberg não a tentar controlar as redes sociais, mas a tentar ser um operador dominante para quem vive de fazer publicidade na internet. O que ele está a tentar fazer é usar cada vez mais o Facebook como uma alternativa ao Google."

Falou de IPO que acontecem porque as empresas ficam valiosas demais e não têm alternativas.
São os famosos unicórnios de que falamos agora. Para eles, a única saída possível é o IPO, mas não é a única. Algumas das saídas muito interessantes que ocorreram recentemente trataram-se de empresas que foram compradas pelo Facebook.

Sim, o Facebook comprou o Instagram, o WhatsApp.
Vi recentemente umas estatísticas que davam conta de que existiam, neste momento, cerca de 100 startups financiadas por venture capitalists, cujo único modelo de negócio era serem adquiridas pelo Facebook — dentro daquela lógica de que o Facebook comprará toda e qualquer empresa que possa ser uma ameaça sobretudo no segmento dos adolescentes.

Mark Zuckerberg quer controlar o mundo das redes sociais?
Não sei se quer controlar esse mundo, mas há uma guerra clara pelo controlo de um mercado muito crescente, que é o do marketing digital. Parece que o Google é claramente o grande player e o grande dominante desse mercado, mas há vários grandes operadores na área do software e da internet que têm tentado disputá-lo, alguns com rotundo insucesso e outros que ainda não desistiram. Aquele que está bem posicionado é o Facebook. Vejo Mark Zuckerberg não a tentar controlar as redes sociais, mas a tentar ser um operador dominante para quem vive de fazer publicidade na internet. O que ele está a tentar fazer é usar cada vez mais o Facebook como uma alternativa ao Google, o que é difícil, porque a Google tem um arsenal de informação sobre os seus utilizadores que lhe permite dirigir de forma muito clara e muito precisa as mensagens publicitárias aos mercados-alvos respetivos.

Se você quiser fazer uma campanha publicitária na internet, usando o Google, tem a certeza de que a sua mensagem vai ser vista por pessoas que procuram o seu tipo de produto. O Facebook tem investido biliões a tentar conseguir fazer a mesma coisa. Se for a ver, a publicidade que vê quando acede ao Facebook é cada vez mais uma publicidade dirigida a si. E hoje, no mundo do marketing, as pessoas querem pagar pela publicidade que é dirigida aos seus mercados-alvos, não publicidade que é dirigida a pessoas que não lhes dizem nada. Nesse sentido, o Sr. Zuckerbeg tem conseguido, de algum modo, desenvolver uma plataforma capaz de concorrer com o Google, embora ainda longe de estar ao seu nível.

"É difícil dizer realmente quanto vale uma startup, mesmo quando olhamos para uma ronda de capital de risco. Uma ronda não é uma emissão de ações em bolsa. Numa emissão de ações em bolsa, vende-se uma determinada quantia de ações a um determinado preço. Numa ronda de capital de risco, não é isso que acontece."

“Há cada vez mais empresas a tentar ser a nova Amazon de outra coisa qualquer”

Falando de unicórnios, comecemos pela Uber, que está avaliada em 69 mil milhões de dólares e é o unicórnio não cotado mais valioso da história.
Sim, mas isso não são avaliações de mercado, são privadas. O clube dos unicórnios — empresas não cotadas com uma avaliação superior a mil milhões — coletivamente sofreu desvalorizações massivas nos últimos meses. Os investidores institucionais que tinham posições nesses ativos entenderam que estavam, provavelmente, enganados pelos preços que pagaram nesses títulos e reviram muitos desses títulos em baixa, nas avaliações dos seus portefólios.

Segundo a base de dados da CB Insights, houve 101 downrounds de unicórnios desde 2015.
Os downrounds são diferentes destas desvalorizações — é quando uma empresa faz uma nova ronda de financiamento a um preço inferior ao da ronda anterior. Mas eu estava a falar de desvalorização em carteiras: investidores que têm papéis de empresas não cotadas classificáveis como unicórnios, que desvalorizam as participações que têm por iniciativa própria. Adicionalmente a isso, têm havido imensos downrounds, como é evidente.

Isso confirma que o mercado das startups estava sobrevalorizado?
Sim e não. É difícil dizer realmente quanto vale uma startup, mesmo quando olhamos para uma ronda de capital de risco. Uma ronda não é uma emissão de ações em Bolsa. Numa emissão de ações em Bolsa, vende-se uma determinada quantia de ações a um determinado preço. Numa ronda de capital de risco, não é isso que acontece. As ações têm um determinado preço, mas, depois, há um conjunto de cláusulas que, na prática, afetam a valorização daquelas ações. Ou seja, se eu compro ações a determinado preço na ronda C e fico com 20% da empresa, isso não quer dizer que vá receber 20% do capital próprio quando a empresa for vendida. Posso receber muito mais do que isso, o que, na prática, desvaloriza o preço a que fiz a ronda. Mas isto tem a ver com as cláusulas dos contratos e é muito difícil comparar estas valorizações com as dos mercados. Por outras palavras, duas empresas que numa ronda tenham conseguido a mesma valorização, podem gerar retornos completamente diferentes para os investidores, o que torna as coisas muito pouco comparáveis.

"É evidente que o problema das empresas que têm uma parte da valorização baseada no facto de estarem na moda é que quando deixam de estar, as valorizações caem a pique."

Pegando outra vez no exemplo da Uber, que apresentou prejuízos de 2,2 mil milhões de dólares até setembro e, no entanto, vale o que vale. Como é que isto se explica?
Há aqui duas componentes e uma delas é que o valor de uma empresa passa pela sua capacidade de gerar dinheiro no futuro. Julgo que há cada vez mais empresas a tentar ser a nova Amazon de outra coisa qualquer. A Amazon foi uma empresa que assumiu, durante mais de uma década, que o seu objetivo não era ter rendibilidade no curto prazo, mas fazer um investimento em infra-estrutura tão significativo que pudesse tornar-se num quase monopólio à escala global. Ou seja, ser uma empresa capaz de criar barreiras à entrada significativas, através de uma marca indisputável, de uma cadeia logística absolutamente inimitável, de relações privilegiadas com fornecedores que são incomparáveis, da sua capacidade de estudar clientes e de ter capacidade para identificar exatamente quais são os interesses de cada cliente, fazendo as promoções certas. E isto com investimentos de biliões, que são absolutamente irreplicáveis, tornando-se numa marca de referência. E para ser uma marca de referência foi preciso gastar biliões. Durante muitos anos, o objetivo foi construir as barreiras à entrada que a deixaram numa posição indisputável, só comparável à Microsoft nos sistemas operativos e software utilitário e à Google nos motores de pesquisa. Ou seja, ser o player dominante numa categoria muito clara no negócio digital.

A Uber está a tentar atingir essa posição numa parte daquilo a que chamamos de economia da partilha. Tudo isto tem uma razão. Algumas pessoas acham que a Uber pode estar a seguir o caminho da Amazon e, uma vez atingindo um estatuto único na partilha de carros, pode replicar esse estatuto para a partilha de um sem número de outras coisas — tal como a Amazon passou dos livros para um sem número de outras coisas.

Outra coisa que aprendemos com os negócios digitais é que há efeitos de manada. Os investidores comportam-se em manada. Costumo dizer aos meus alunos que é preciso saber o que está na moda e o que não está, tirar partido da moda e lembrarmo-nos que a moda dura pouco. É evidente que o problema das empresas que têm uma parte da valorização baseada no facto de estarem na moda é que, quando deixam de estar, as valorizações caem a pique. Vemos isto com “n” empresas. A própria Amazon soube o que era estar na moda e ficar fora de moda, esteve um dia à beira de entregar a declaração para evitar falência. Em 2001, se não estou em erro.

A Uber, neste momento, beneficia de um efeito moda: a crença de que a economia da partilha é o futuro, que toda a gente vai querer partilhar tudo e mais alguma coisa. E tem uma posição invejável no campo da economia da partilha, porque encontrou um mercado fantástico em que, segundo a lógica de alguns, se fizer contas sai mais barato andar de Uber do que ter carro próprio. As pessoas veem isto com um potencial de crescimento fantástico. Por outro lado, a Uber enfrenta desafios regulatórios muito significativos.

Como o das questões relacionados com os motoristas?
São inúmeros desafios regulatórios. Neste momento, a maior parte dos países não sabe lidar com isto. É evidente que, às vezes, há mini-bolhas com negócios não-regulados que arrefecem quando o negócio passa a ser regulado. Espero que a União Europeia — se houver União Europeia daqui a três anos — continue o esforço que diz que vai prosseguir, que é o de regular este tipo de negócios, para sabermos exatamente com que regras nos baseamos. Mas uma coisa parece muito clara: há outros concorrentes a tentar entrar neste espaço, mas se a Uber continuar a investir como está a investir na plataforma e nas relações com vários tipos de pessoas e não as estragar — porque acho que já estão a fazer alguns erros que podem eventualmente estragar estas relações — diria que pode ser, de facto, a Amazon da partilha de automóveis.

"É um jogo muito difícil este de, por um lado esperar para ter a melhor valorização possível e, por outro, fazer a saída depressa para ter a maior taxa interna de rendibilidade possível."

Quando fala da relação com as pessoas, lembro-me do lobby que a Uber consegue fazer pelos países por onde passa.
Qualquer empresa que está a desafiar um quadro regulatório vigente tem de ter uma componente de lobbying. Porque os seus inimigos, os concorrentes, os incumbentes como lhes chamamos, também estão a fazer o mesmo. E temos visto isto de forma muito evidente em vários países. Não tenho qualquer dúvida de que este negócio vai ser regulado de alguma maneira. E, quando for regulado, a regulação vai impor alguns custos e a Uber vai perder parte da competitividade.

Onde acho que a Uber vai continuar a diferenciar-se dos incumbentes, ou seja, dos táxis, vai ser no serviço. Acho que os seus concorrentes vão querer imitá-la, porque vão perceber que a concorrência pela qualidade veio para ficar. E mesmo que a Uber tenha de subir preços — muito provavelmente vai ter de subir preços, quando sofrer o embate regulatório — vai continuar a diferenciar-se, muito provavelmente, pela positiva e pela qualidade. Vai obrigar a indústria incumbente dos táxis a modernizar-se e a tentar encontrar uma maneira de quase imitá-la. Mas, aí, a Uber vai dizer que já está numa posição invejável, que tem o software e as infraestruturas e os concorrentes, se quiserem, juntam-se à Uber, pagam para usar a infraestrutura. Julgo que é essa a ideia da Uber. E o táxi tradicional poderá ver também o seu negócio substancialmente alterado.

“Começa a ser impossível vender a Uber a terceiros”

Acha que é este ano que há um IPO da Uber?
Não faço a mais pequena ideia. É preciso ver que o que determina o IPO são as questões de oportunidade e os objetivos dos investidores. Os investidores da Uber pretendem maximizar a sua taxa interna de rendibilidade e mostrar isso aos investidores deles próprios. É esse o seu objetivo. Não se esqueça que os investidores são venture capitalist — gestores de ativos que gerem dinheiro de outros. E os outros, os investidores dos venture capitalist, estão preocupados é com o retorno que recebem. Quanto maior for esse retorno, maior é a partilha de retorno entre o venture capitalist e os seus investidores. Em grande medida, as estratégias de saída são ditadas pelas oportunidades de maximizar a taxa interna de rendibilidade do investimento.

Eu diria que, neste momento, começa a ser impossível vender a Uber a terceiros. Portanto, a única saída será um IPO, mas a estratégia de saída vai ser ditada pelos investidores em função das oportunidades de valorização que encontrem no mercado, mais do que outra coisa qualquer. Se sentirem que o mercado não vai oferecer a valorização que eles precisam naquele momento, podem preferir esperar um ano ou dois, sabendo que o tempo conta contra a taxa interna de rentabilidade deles. É um jogo muito difícil este de, por um lado, esperar para ter a melhor valorização possível e, por outro, fazer a saída depressa para ter a maior taxa interna de rendibilidade possível. Tem de haver tempo e valorização. É muito difícil prever, porque é preciso ver como vai evoluir o mercado, principalmente o mercado de ofertas públicas e, muito em particular, como é que o mercado está a encarar este tipo de empresas. Há uma coisa que a gente aprende quando está nos mercados: o que está na moda sai de moda de um dia para o outro. E nos EUA temos um Presidente que é muito protecionista dos negócios estabelecidos.

"O Facebook comprou o Instagram e o WhatsApp a valorizações completamente absurdas por causa do mercado dos adolescentes, que é um mercado muito interessante, porque é um mercado do futuro."

Em novembro, apenas cerca de 40% dos IPO tecnológicos que aconteceram em 2016 estavam a transacionar ações acima do valor de entrada no mercado. Isto pode afastar esse apetite pela Bolsa?
É um dos fatores a ter em conta quando se decide sair. Um IPO é um negócio pelo qual um conjunto de investidores vende ações a um conjunto de investidores. O que muda é o tipo de investidores. De um lado temos venture capitalists, no outro temos gestores de fundos institucionais, grandes casas de gestão de ativos. Se os gestores de ativos estão a ter um mau desempenho nas suas carteiras com os títulos que compraram nos IPO recentes, o seu apetite para comprar em IPO reduz-se. Você só sabe a que preço consegue vender um título num IPO no último dia do IPO. Muitas vezes, o que acontece é que, depois de terem passado por um processo longo e de terem gasto dezenas de milhões, chegam à conclusão que, afinal, o preço a que conseguem colocar o IPO é muito baixo. E cancelam. Se há tantas empresas que foram para o mercado e que, hoje, estão abaixo do preço do IPO, isso faz com que a procura reduza. E pode contribuir para a fechada da janela do IPO.

Quase certo parece estar o IPO do Snapchat, que recebeu e rejeitou uma oferta de aquisição do Facebook. Em contrapartida, o Facebook tem estado a criar uma série de semelhanças ao Snapchat no Instagram, por exemplo. Podemos vir a assistir a uma guerra de titãs nas redes sociais?
Não classificaria o Snapchat como titã, mas o Facebook já é e tem uma base instalada muito significativa. O que o Facebook não controlava na área dos adolescentes era, precisamente, o Snapchat. E comprou o Instagram e o WhatsApp a valorizações completamente absurdas por causa do mercado dos adolescentes, que é um mercado muito interessante, porque é um mercado do futuro. Os adolescentes são muito mais utilizadores da internet do que os mais velhos e, portanto, são utilizadores em relação aos quais pode ser mais fácil mostrar grandes lotes de publicidade. É um mercado que lhes interessa muito. Agora, como é evidente, isto é um bocadinho como a Amazon versus eBay — aquele que tem a base mais instalada consegue, com pequenos incrementos de investimento, replicar o que o outro está a fazer. E não há nada no Snapchat que não seja replicável por uma empresa como o Facebook.

Há muita luta por ser o operador dominante de uma determinada área e o Facebook já pode achar que está em condições de se achar o operador dominante nas redes sociais. E pode encarar com ligeireza um concorrente que entre com uma ideia nova, porque tudo o que tem a fazer é copiá-la e lançá-la para a própria rede de utilizadores.

"Neste momento, temos a revolta dos velhos com estes nacionalismos, estes protecionismos contra o mundo em que os jovens ganham muito dinheiro. (...) Mas corremos o risco de, daqui a uma década, termos a revolta dos novos." 

“Apareceram na Europa uma série de nacionalismos pacóvios que se sentiram legitimados pela vitória de Trump”

E agora Donald Trump, que pode ter mudado as regras deste jogo. Que impacto é que Trump pode ter?
Não sei qual é o impacto de Donald Trump na economia digital, mas uma coisa compreendemos: ele vai claramente reforçar o protecionismo comercial dos EUA. E isso vai ter consequências a vários níveis. Se os EUA forem bem-sucedidos a criar barreiras para o comércio vindo da China, as retaliações chinesas podem ter um impacto extremamente negativo sobre a economia americana. Uma das consequências óbvias do protecionismo é que isso vai traduzir-se numa redução do poder de compra da população americana e no aumento do preço dos produtos importados. A primeira questão que devemos colocar é: será que esta forma de Governo de Donald Trump dura quatro anos? Não sabendo a resposta, então nos próximos dois anos como é que vai ser? E julgo que nos próximos dois anos, pode haver problemas de redução da procura, porque vai ser difícil vender determinados bens nos EUA, numa economia que fica menos globalizada.

Incluindo a Europa.
Toda a gente fica pior. O poder de compra dos americanos reduz-se, o dos europeus não se evitarem seguir estes caminhos do protecionismo. Mas convém não esquecer que estamos a ver aparecer na Europa uma série de – peço desculpa – nacionalismos pacóvios, que se sentem legitimados por esta vitória do Trump. E pelo Brexit. Conhecendo o Reino Unido como conheço, o Brexit não passou de uma revolta da província contra os bem-aventurados de Londres, que é, provavelmente, uma das poucas regiões no Reino Unido que tem um rendimento per capita superior ao português. Andam à procura de um regresso a um passado e são sensíveis a estas areias nacionalistas.

As gerações mais jovens são cada vez mais móveis internacionalmente, cada vez mais viradas para esta comunicação que as redes sociais lhes facilita, muito mais globais, mas são uma minoria. E isto vai passar por uma segunda fase da revolta. Neste momento, temos a revolta dos velhos com estes nacionalismos, estes protecionismos contra o mundo em que os jovens ganham muito dinheiro, têm um estilo de vida que os pais e os avós nunca tiveram, que viajam por todo o lado. Mas corremos o risco de, daqui a uma década, termos a revolta dos novos. E este pequeno sintoma ja se sente no Reino Unido.

"Acho que o que passou até 2008 foi uma brincadeira de crianças comparada com a bolha que estamos agora a viver."

Acha que tudo isto pode ter impacto nos investidores de capital de risco?
Para o venture capitalist, a grande questão é saber se ele vai ou não tocar na tributação do carry. Como sabe, a principal forma de remuneração destes investidores é tributada a uma taxa muito simpática de 15% apenas. A grande questão sempre foi esta: fazer mais valias de milhões, sendo tributado a 15%. E Trump já disse uma coisa e o seu contrário sobre a tributação do carry, que é na verdade o que preocupa os venture capitalists e toda a indústria de private equity.

O que é que acha que vai acontecer?
É uma grande incógnita. Para saber a resposta tinha de perceber melhor quem é que financiou a campanha de Donald Trump e há coisas que nós ainda não sabemos sobre os financiadores da campanha.

Mas sabe-se que o empreendedor e investidor Peter Thiel foi um deles.
Mas o Peter Thiel não vive de carry, não é um venture capitalist. E nós sabemos que alguns investidores de topo apoiavam os democratas, sendo que Obama também nunca tocou no carry nos oito anos em que foi Presidente, apesar de também ter dito que ia fazê-lo. Quando Mitt Romney concorreu com Obama, veio à superfície que a taxa média de imposto dele não chegava a 15%, porque quase todo o rendimento era tributado através do carry.

“Os investidores não sabem o que fazer ao dinheiro. Literalmente”

Falou-se muito de que a bolha que envolvia as startups tecnológicas estaria prestes a rebentar em 2016. Mas não rebentou.
Não rebentou, porque ainda não chegou a altura de rebentar. As bolhas especulativas são criadas tipicamente pelo rescaldo de uma crise financeira. Isto é assim há 200 anos. O que cria uma bolha especulativa é, na sequência de uma crise financeira, os bancos centrais entrarem em pânico e baixarem as taxas de juro. O que faz com que os investidores não encontram alternativas interessantes para aplicar o dinheiro. Nós temos as taxas de juro historicamente mais baixas desde que há registos, os investidores não sabem o que fazer ao dinheiro. Literalmente. Um banco hoje paga para colocar dinheiro no banco central. Nunca tivemos taxas de juro negativas, por exemplo, e as pessoas entram em desespero. É verdadeiramente desesperante o que fazer ao dinheiro.

Agora, se você é um gestor de ativos e cobra uma comissão de 1% ao dinheiro dos seus clientes por ano, como é que consegue rentabilizar esse dinheiro num mundo onde as taxas de juro não só são baixas como são negativas? Só tem uma solução para rentabilizar o dinheiro: ir para ativos de alto risco. Nunca como hoje os investidores se sentiram tão obrigados a ir para investimentos de tão alto risco. Acho que o que passou até 2008 foi uma brincadeira de crianças comparada com a bolha que estamos agora a viver. Até 2008, o que se passou foi que os investidores iam para ativos de crédito de alto risco e eram míopes quanto ao risco desse crédito porque estavam, mais uma vez, a cobrar comissões aos clientes e tinham de entregar-lhes algum retorno.

"Você diz e bem que há aqui uma bolha. Há todas as características de uma bolha e essa bolha não rebentará enquanto as taxas de juro não subirem ou os investidores não perceberem que andaram a pagar demasiado."

Hoje, as taxas de juro são muito mais baixas do que eram naquela altura. Em 2008, a Euribor estava a 4%, hoje as taxas são zero. Os investidores têm verdadeiro pânico de encontrar ativos que tenham risco suficiente para gerar um retorno adequado, que compense as comissões que estão a cobrar aos clientes. O que se passa? Passa-se que os venture capitalists levantaram muito dinheiro junto de clientes e repare que em private equity, o que se faz é levantar compromissos de investimento, não se levanta o dinheiro fisicamente. Levanta-se o compromisso de investimento. O que se está a passar é que os venture capitalists têm muito, muito dinheiro comprometido com clientes e há muita pressão para fechar negócio. Ora, quando há tanta gente com tanto dinheiro comprometido a precisar de fechar negócio, significa que a concorrência no setor aumenta e isso traduz-se num aumento das valorizações.

Você diz e bem que há aqui uma bolha. Há todas as características de uma bolha e essa bolha não rebentará enquanto as taxas de juro não subirem ou os investidores não perceberem que andaram a pagar demasiado. Só que uma bolha no capital de risco é mais difiícil de rebentar do que no mercado. No mercado, há preços a todo o segundo e um mercado secundário onde se consegue facilmente alienar ativos. Quando, de repente, há uma falência do Lehman Brothers e as pessoas entram em pânico, desatam a vender. Se eu sou um investidor em private equity, não posso simplesmente dizer “dêem-me o meu dinheiro de volta”. Os investimentos estão feitos e, até haver uma saída, o dinheiro está lá. Só acabamos por nos aperceber dessas bolhas quando as empresas comparáveis a essas vêem a sua cotação cair em Bolsa. O que temos de ver é o que se passa em Bolsa e estar atentos a todo e qualquer fator que possa provocar uma crise bolsista. Quando acontecer uma crise bolsista, inevitavelmente rebenta a crise de unicórnios.

Quando fala em crise bolsista, fala de uma crise geral ou nas tecnológicas?
Sim, geral. Porque não se esqueça que as empresas não cotadas numa fase madura da sua vida são valorizadas, essencialmente, por comparação com o valor das empresas cotadas. Quando caem os valores das empresas cotadas, caem os valores das não cotadas. E, portanto, é muito difícil medir o rebentar de uma bolha com ações que não têm um preço observável em Bolsa todos os dias.

"A maior parte dos pseudo-empreendedores que andam por aí não percebem que, num contrato com um investidor, a avaliação importa muito pouco."

Daí tanta curiosidade sobre estas avaliações. Porque não se vêem.
Volto-lhe a dizer uma coisa: a maior parte dos pseudo-empreendedores que andam por aí não percebem que, num contrato com um investidor, a avaliação importa muito pouco. Porque há cláusulas de salvaguarda nos contratos que salvaguardam a posição dos venture capitalists. Às vezes, pode oferecer-se uma avaliação elevada sabendo que aquela avaliação não vai ter implicação prática nenhuma no futuro. Isto não é o mesmo que os negócios de Bolsa. O que se passa nos contratos de capital de risco é que a forma como repartimos os proveitos da saída depende do seu valor.

Você, como empreendedor, pode ter uma avaliação da empresa tão grande que fica com 80%, mas se a saída for por um preço baixo, você pode receber zero, dependendo do contrato que estabeleceu com o investidor. A avaliação muito alta pode não ter servido de nada. As avaliações de capital de risco não são comparáveis com as avaliações em Bolsa. É preciso ter sempre este cuidado.

“O capital de risco é apenas um de muitos sintomas. Há bolhas em todo o lado”

Disse que a crise de 2008 era uma brincadeira de crianças comparada com o que se passa agora. O que que é que isto significa?
Neste momento, as taxas de juro estão tão baixas que os gestores profissionais de ativos -que estão a cobrar comissões aos clientes para gerir o dinheiro deles — são obrigados a comprar ativos de altíssimo risco para poderem, de facto, justificar as comissões que estão a cobrar.

"Uma política monetária tão facilitista como a que estamos a ter, longe de estar a estimular a economia, está a estimular uma série de bolhas."

Se isto explodir, o mundo ressente-se todo como se ressentiu em 2008?
O capital de risco é apenas um de muitos sintomas. Há bolhas em todo o lado. Há bolhas imobiliárias e em créditos de alto risco outra vez. A indústria de private equity está outra vez a fazer operações com níveis de endividamento que não se via desde 2007, porque as taxas de juro são baixíssimas e os bancos não sabem, literalmente, o que fazer ao dinheiro nalguns países. Há muitos sintomas de que há bolhas. O FED esteve bem ao subir a taxa de juro, se calhar devia ter subido há um ano, embora perceba que há aqui um timming obviamente político. Seria politicamente muito controverso ter subido as taxas de juro antes das eleições, mas, claramente, chegou a altura de nos EUA haver taxas de juro mais elevadas.

E, se calhar, também já chegou a altura de perceber que os mecanismos de transmissão que vêm nos livros de macroeconomia não estão a funcionar e que não é com taxas de juro baixas que se reanima a economia europeia. O dinheiro não está a chegar à economia real, mas está a chegar a outros sítios. E os outros sítios são bolhas. Uma política monetária tão facilitista como a que estamos a ter, longe de estar a estimular a economia, está a estimular uma série de bolhas. Não temos crescimento económico, não temos inflação no mercado de bens e serviços, a inflação está a ocorrer noutros sítios. Estão a aparecer muitas pequenas bolhas e, se continuamos muito tempo com taxas de juro baixas, elas vão rebentar outra vez. Estes ciclos estão estudados.

Andamos sempre a cometer os mesmos erros. Mas é suposto andarmos a cometê-los?
Houve um período dos anos 30 aos anos 80 em que isto não aconteceu. Foi um período em que a regulação bancária tentou de algum modo impedir essas crises e a sua propagação. Essa regulação tinha problemas. Com a crise de 2008, os EUA tentaram impor algumas tímidas restrições, o mundo no seu conjunto tentou com o Basileia 3 reforçar os capitais dos bancos, e estão a haver, agora, novas reformas do Basileia 2 e do Basileia 3 que, talvez, apanhe algumas cláusulas de salvaguarda. Ma sabemos que o atual Presidente eleito dos EUA quer retirar outra vez os mecanismos de segurança e os mecanismos de contenção de crise que havia no sistema bancário americano. Temos sinais muito pouco tranquilizadores a vir do lado de lá do Atlântico.

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