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Vieira da Silva e Arpad Szenes: também eles refugiados

25 anos depois da morte da artista, a Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva recorda o período brasileiro do casal, numa nova exposição que regressa ao exílio em tempos de guerra.

Várias vezes retomado, o tema do exílio no Brasil de Maria Helena Vieira da Silva e do seu marido húngaro Arpad Szenes volta à fundação do Jardim das Amoreiras numa exposição promovida pelo festival Lisboa Capital Ibero-Americana de Cultura, sob direcção do programador António Pinto Ribeiro. É uma justíssima evocação — coincidente com os 25 anos da morte da pintora —, ainda que tenha de algum modo o trago de déjá-vu, sobretudo porque não há aqui qualquer adicional de pesquisa biográfica e artística e de interpretação crítica que é o principal benefício proporcionado por um evento de grandes proporções e meios que geralmente faltam a instituições pequenas, de orçamento reduzido e apertado e habitualmente dependentes de doacções públicas e privadas.

O período brasileiro de Vieira e Arpad foi em 2012 um dos cartazes do Ano Portugal no Brasil, com uma exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, cinco anos depois de ter sido mostrado em São Paulo, para a qual deram contributos de maior relevância Valéria Lamego, Nelson Aguilar e Henrique Lian, pesquisadores brasileiros com sério trabalho realizado sobre grandes protagonistas literários, plásticos e musicais da cena cultural daquele país nesses anos cruciais do século passado.

6 fotos

A distância continental tem sido um grave obstáculo a que a biografia de exilados portugueses no Brasil seja clarificada, neste caso por historiadores e críticos de arte do lado de cá, ao mesmo tempo que os arquivos pessoais dos pintores em causa, por mais bem cuidados que sejam e são, jamais podem dar um panorama completo de todas as incidências e recônditos meandros da sua vida naquele ambiente estranho e complexo. É por isso de saudar — e de agradecer — a esses pesquisadores os contributos dados ao nosso conhecimento acerca das relações de Arpad e Vieira com artistas e escritores em voga naqueles anos, tanto mais que estamos a falar de Cecília Meirelles, Murilo Mendes, Carlos Scliar, Jorge de Lima, Lúcio Cardoso e outros.

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Aliás, mais apropriado seria escrever “escritores e artistas em voga”, porquanto as afinidades com os meios literários prevaleceram sobremaneira às dos artísticos, à época em registo figurativo dominante, em torno dum nacionalismo racial protagonizado por Cândido Portinari e pintores afins. Cardoso, por exemplo, informa Valéria Lamego, apontou em crónica dedicada a Maria Helena, em 1944, para o contra-senso de o Brasil que recebia expressivo contingente de artistas refugiados denotar «aversão» a eles e a arte local se distinguir pela falta de diálogo com a do resto do mundo.

A grande Cecília

Vieira e Arpad chegaram ao Rio de Janeiro em Junho de 1940, conseguindo ultrapassar restrições secretamente instituídas em 1938 à massiva imigração judaica, por serem artistas de mérito reconhecido e ela ter nacionalidade portuguesa (embora tivesse perdido o passaporte do país). Fixaram-se inicialmente num hotel de Copacabana, perto do mar, onde ficaram seis meses, até se transferirem para a mesma «pensão das russas» onde residia o poeta mineiro Murilo Mendes (1901-75), muito frequentada por artistas, escritores e músicos «escolhidos a dedo». Pode dizer-me que foi nesse casarão da Rua Marquês de Abrantes (!) que verdadeiramente começou a sua vida social e artística na então capital do Brasil e puderam beneficiar de um «vastíssimo atelier».

Murilo e Cecília Meireles foram amigos balsâmicos para Vieira, cujas dificuldades de integração tinham levado a duas tentativas de suicídio. Na segunda, foi socorrida por Jorge Lima, médico e grande poeta, amigo de António Pedro (primeiro galerista de Vieira, em 1935), que também ali passou uma boa temporada, em 1940-41, trazendo para Portugal uma lúcida ideia da cena cultural brasileira e dos seus valores emergentes, expressa em entrevistas, na revista Variante e numa palestra no Secretariado de Propaganda Nacional, dirigido por António Ferro.Só mais tarde passariam para um outrora glorioso Hotel Internacional, no bairro de Santa Teresa, com vista panorâmica sobre a Guanabarra e o Pão de Acúcar, como comprova uma bela fotografia de Vieira pelo húngaro Carlos Moskovics (1916-88), que deixou extensíssimo espólio fotográfico, hoje aos cuidados do Instituto Moreira Salles.

Nelson Aguilar admite que «acervos preciosos que Maria Helena deixou com amigos foram liquidados» e que «muitas obras deixadas no Brasil emigraram» para os Estados Unidos da América, quando a obra de Vieira ganhou mais altas cotações.

Quando expôs no Museu Nacional de Belas Artes em 1942 e em 1944 na pequena galeria do judeu polaco Miécio Askanasy, outro refugiado, que teve papel importante na recepção de artistas exilados (e tinha na sua colecção obras de Kandinski e Klee), amigos e admiradores de Vieira da Silva — entre os quais o poeta Manuel Bandeira — espalharam em jornais e revistas apreciações de louvor e surpresa, desde crónicas de arte a longos ensaios, ainda que a convivência estética de abstracto e figurativo possa ser entendida como cedência ao gosto predominante motivada pela sempre imperiosa sobrevivência, mesmo que por hábito espartana.

Ainda assim, não há dúvida de que o transe ético e moral fixado por uma Europa em guerra e êxodos massivos não podia deixar de pôr em grande sobressalto quem gostava de passar os dias na paz doméstica, ouvindo Mozart, Bach e Beethoven no gramofone «Mimi», jogando xadrez, lendo ou tocando harmónio (que levou de Lisboa). História Trágico-Marítima é um dos seus trabalhos mais impressionantes desses anos, como Le Calvaire e Le désastre (todos de 1942), ou os desenhos de corpos tombados e da série de 1941 «J’avais la tête pleine de ces tristes pensées». Colaboração numa Antologia de Contos Russos ilustrados em celebração da conquista de Estalinegrado (em que participa o também pintor Roberto Burle Marx, inspirado jardineiro e desenhador da calçada da carioca avenida Atlântica), um desenho evocativo da libertação de Paris e cedência de obras para um leilão de arte em favor do esforço de guerra britânico também nos dizem da inquietude de Vieira (e de Szenes) nesses anos trágicos.

Maria Helena Vieira da Silva nasceu a 3 de Junho de 1908, morreu a 6 de Março de 1992

Com o apoio de amigos influentes, Vieira teve uma encomenda pública numa área especialmente querida à sua saudade portuguesa, a azulejaria, em franco progresso na integração artística da arquitectura modernista brasileira — e que tantos anos depois haveria de reaparecer na estação metropolitana da Cidade Universitária de Lisboa. O grande painel para o refeitório duma Escola Rural, criado em 1943, seria restaurado em 2006-7, para ser mostrado no grande museu da Avenida Paulista.

Progressivamente, apesar das arestas, a integração no meio artístico fez-se, e tanto Vieira como Arpad estariam ao lado de Di Cavalcanti e Pancetti em mostras de arte brasileira promovidas pela British Council em Edimburgo em 1945 e outras. O casal Vieira-Szenes também aparece numa pouco conhecida fotografia de grupo na vernissage duma retrospectiva do lutiano-brasileiro Lasar Segall no Rio de Janeiro em 1943. Nelson Aguilar admite que «acervos preciosos que Maria Helena deixou com amigos foram liquidados» e que «muitas obras deixadas no Brasil emigraram» para os Estados Unidos da América, quando a obra de Vieira ganhou mais altas cotações, embora restem algumas importantes nas colecções museológicas de Murilo Mendes (Juiz de Fora) e de Gilberto Chateaubriand (São Paulo), e que a pintora viria a readquirir obras dispersas nesse período brasileiro.

Arpad Szenes ainda ficaria no Rio por uns meses, acautelando a sua específica condição judaica numa Europa lambendo feridas e mantendo-se como professor particular de uma nova geração de artistas brasileiros. 

Com o fim da guerra, e uma exposição em Nova Iorque em finais de 1946, o retorno a Paris ganhava forma, mesmo que prospectiva. «Não havia motivos para ficar — escreve Valéria Lamego. — Foi um período de passagem e de aprendizagem com a adversidade, com um mundo ora hostil ora terno ora claro, claríssimo até por conta da luz sufocante do Rio de Janeiro. Ficaram as amizades […] e a imensa gratidão, os ambientes narrados em cartas que atravessaram o Atlântico até à sua [de Maria Helena] morte, em Paris, em 1992». Depois dum sacramental jantar de bacalhau n’A Minhota, do centro da cidade, a pintora despediu-se de todos, embarcando em terceira classe rumo a Marselha. «Dos difíceis anos de guerra, deixou lembranças, amizades imensas. Mas ao Brasil jamais voltaria».

Arpad Szenes ainda ficaria no Rio por uns meses, acautelando a sua específica condição judaica numa Europa lambendo feridas e mantendo-se como professor particular de uma nova geração de artistas brasileiros. É possível supor que, por diferença de carácter e modo de estar, a vida carioca tenha sido mais aprazível para ele do que foi para ela, mas a inconveniência de ali ficarem acabou por reuni-los de novo em Paris, para desempenharem enfim — por sua vez… — o papel de acolhedores de outros artistas exilados ou refugiados, bolseiros da Gulbenkian, ou não, entre os quais Jorge Martins, João Vieira, José Escada e António Dacosta.

Gente de bem não esquece…

A exposição Arpad Szenes e Vieira da Silva: os anos do exílio no Brasil pode ser vista na Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva até 7 de Maio

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