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Houve eleições no domingo passado. Mas porque é que foram convocadas?

As eleições de domingo serviram para eleger uma nova Assembleia Nacional (AN), depois de a atual ter sido considerada inválida pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). Em dezembro de 2016, o TSJ (onde os chavistas estão em maioria) declarou nulas todas as ações da Assembleia Nacional (onde a oposição passou a dominar mais de dois terços, depois das eleições parlamentares de 2015), dando aval às queixas dos deputados pró-Maduro de que teria havido compra de votos no estado do Amazonas. Em março, o TSJ declarou até que se iria substituir à AN em funções — mas acabou por arrepiar caminho. Ainda assim, os estragos já estavam feitos e o caminho da dissolução já estava a ser percorrido.

Em maio, o Presidente convocou eleições para formar uma Assembleia Nacional Constituinte. Esse passo está contemplado no artigo 347º da atual Constituição, onde se pode ler que pode ser convocada “uma Assembleia Nacional Constituinte com o objetivo de transformar o Estado, criar um novo ordenamento jurídico e redigir uma nova Constituição”. Segundo o artigo 348º, o Presidente, entre outras figuras, pode convocar as eleições. E assim fez Nicolás Maduro.

Além disso, Maduro anunciou que as eleições seriam “cidadãs”, sem “partidos nem elites”. “Uma Constituinte cidadã, operária, comunal, camponesa, uma Constituinte feminista, da juventude, dos estudantes, uma Constituinte indígena, mas, acima de tudo, irmãos, uma Constituinte profundamente operária, decididamente operária e profundamente comunal”, anunciou em maio. Entre os 540 deputados previstos na Assembleia Nacional, 168 pertenceriam a “setores” como os estudantes, membros de comunas, pensionistas, empresários, deficientes, camponeses e pescadores.

Muito mais do que o valor simbólico de não haver partidos, há algo de importante a retirar daqui: ao não haver siglas partidárias, a votação, fosse qual fosse, não iria manchar diretamente as forças políticas que estão ao lado de Nicolás Maduro com um resultado ainda mais desastroso do que em 2015.

A tudo isto, a oposição respondeu com um boicote às eleições e um apelo a manifestações nas ruas. Recusando-se a abandonar os seus postos na AN, os deputados da oposição mantiveram as suas funções — mesmo que sem reconhecimento oficial e depois de os seus salários e o financiamento das atividades parlamentares terem sido cortados. Enquanto isso, a própria AN convocou um referendo (mais sobre isso na pergunta “E para que serviu o referendo de 16 de julho?”) que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), também controlado por chavistas, não reconheceu.

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Qual foi o resultado das eleições de domingo passado?

A pergunta parece simples, mas a resposta é polémica e, nas atuais circunstâncias, provavelmente também será pouco certeira.

Os números oficiais, do Conselho Nacional Eleitoral, apontam para que tenha havido 8 809 320 votos expressos — ou seja, 41,53% de todo o eleitorado. Além disso, já começam a ser conhecidos os nomes de alguns dos deputados eleitos para a Constituinte, nomeadamente os que representam o “setor” indígena.

Enquanto isso, mantendo a sua oposição a todo este processo, os partidos contrários a Nicolás Maduro têm expressado de forma inequívoca o seu ceticismo em relação a este número e a imprensa desalinhada com o Governo também a colocou em causa.

Esta quarta-feira, as suspeitas levantadas em torno dos 8 milhões de votos avolumaram-se, quando o diretor da Smartmatic, a empresa responsável pelo sistema de votação usado na Venezuela desde 2004, disse à BBC World que houve “manipulação” dos números.

“Nas passadas eleições da Assembleia Nacional Constituinte houve manipulação dos números de participação”, disse Antonio Mugica. Segundo o diretor da Smartmatic, a “diferença entre a quantidade anunciada e a que o sistema determina é de pelo menos um milhão de eleitores”.

Estes números, referiu, não foram previamente comunicados ao CNE antes de serem revelados na entrevista à BBC World. “Pensamos que as autoridades não iam gostar do que lhes tínhamos para dizer”, disse.

O Governo de Nicolás Maduro e o CNE ainda não reagiram às declarações do diretor executivo da Smartmatic. Esta quarta-feira, o El Nacional dava conta de que 20 funcionários da Smartmatic saíram da Venezuela antes de o diretor-geral daquela empresa ter acusado o CNE de manipular os resultados.

Do lado da oposição, falou, entre outros, Julio Borges, presidente da Assembleia Nacional. “Todo o mundo já sabe que o resultado de domingo foi absolutamente um resultado adulterado”, sublinhou. E, depois, deixou um apelo aos cidadãos e, sobretudo, aos militares. “É preciso que o povo venezuelano o saiba e também as forças armadas (…). Eles são supostamente o garante do processo [democrático]. Saibam os oficiais das forças armadas que foram utilizados, foram utilizados para uma fraude maciça, e isso tem de ecoar na consciência das forças armadas.”

 

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E para que serviu o referendo de 16 de julho?

O referendo de 16 de julho foi convocado pela Assembleia Nacional, onde a oposição a Nicolás Maduro tem uma maioria superior a dois terços. A consulta foi aprovada e anunciada naquela câmara, cujas atividades foram declaradas nulas pela justiça, no início do mês de julho.

Ao todo, foram a voto três perguntas:

  1. Recusa e desconhece a realização de uma Constituinte proposta por Nicolás Maduro sem a aprovação prévia do povo venezuelano?
  2. Exige à Força Armada Nacional e a todos os funcionários públicos a obedecer e a defender a Constituição do ano 1999 e apoiar as decisões da Assembleia Nacional?
  3. Aprova que se proceda à renovação dos poderes públicos de acordo como está estabelecido na Constituição, e a realização de eleições livres e transparentes assim como a formação de um Governo de união nacional para restituir a ordem constitucional?

A consulta popular decorreu sem o aval do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e muito menos com a aprovação do Presidente Nicolás Maduro. Assim, foi sem surpresa que se verificaram os seguintes resultados: 98,64% para “Sim” na primeira pergunta; 98,62% na segunda; 98,82 na terceira. Ao todo, terão votado cerca de 7,2 milhões de eleitores, dentro de um universo de 19 milhões aptos para votar.

Sem surpresa, o Governo de Nicolás Maduro e as instituições que o sustentam não reconheceram estes resultados. Em conferência de imprensa, Jorge Rodríguez, autarca do município de Libertador e figura do regime de Nicolás Maduro, acusou a oposição de manipular os números de participação eleitoral. Segundo afirmou em conferência de imprensa, “pessoas da Universidade Central da Venezuela que deu assistência técnica ao processo” disseram-lhe que, durante a contagem, “agarraram em cada um dos boletins e multiplicaram-nos por três”. Além disso, referiu que houve 930 mil votos nulos e que estes foram contabilizados para a participação eleitoral.

Verdadeiros ou não, os números que surgiram do referendo de 16 de julho não alteraram em nada a situação política e a crise institucional na Venezuela. Quando muito, à imagem do que uma quinzena mais tarde viriam a ser as eleições constituintes, ajudaram apenas a marcar ainda mais as distâncias entre a oposição e o regime.

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A conciliação da oposição com o Governo da Venezuela é possível?

Para já, muito dificilmente haverá um aperto de mãos que ponha um fim, ou pelo menos minimize, a crise institucional venezuelana.

Na noite de 30 de julho, já com as urnas fechadas, Nicolás Maduro não poupou palavras para se dirigir à oposição e àqueles que continuam na Assembleia Nacional. “Esta é uma constituinte para pôr ordem, para fazer justiça e para defender a paz”, disse. “Eles vão continuar na sua loucura e vão apagar-se cada vez mais. Alguns terminarão numa cela debaixo de ordens da justiça necessária.”

Da parte da Assembleia Nacional, que o Governo não reconhece e que é dominada pela oposição, já há a promessa de combate à Assembleia Nacional Constituinte. Para isso, procuram o apoio da comunidade internacional. Esta quarta-feira, os deputados aprovaram uma resolução onde se propunham “coordenar as reuniões necessárias para formar uma frente de ação comum dos Estados comprometidos com a defesa dos direitos humanos e os organismos internacionais correspondentes”. O objetivo será, “através dos mecanismos contemplados no Direito Internacional Público (…) depor a fraudulenta e ilegítima assembleia nacional constituinte”.

Esse será o combate legislativo. Nas ruas, as manifestações vão continuar. Além dos protestos diários, que se mantêm já desde abril, está marcada uma manifestação da oposição para esta quinta-feira, 3 de agosto.

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No que toca às instituições, quem é que está do lado da oposição e quem apoia Maduro?

Além de social, financeira e até humanitária, a crise na Venezuela é, acima de tudo, institucional. Isto porque são vários os órgãos que se consideram legítimos mas que, ao mesmo tempo, não são reconhecidos pela totalidade das restantes estruturas de poder venezuelanas.

O caso mais flagrante diz respeito à Assembleia Nacional que, depois das eleições parlamentares de 2015, passou a ter uma maioria superior a dois terços da oposição. Alegando fraude eleitoral e casos de compra de votos, esta não é reconhecida pelo Tribunal Supremo de Justiça, pelo Conselho Nacional Eleitoral e pelo Governo da Venezuela. Este, dirigido por Nicolás Maduro, acabou por convocar eleições para uma Assembleia Nacional Constituinte — ou seja, que terá o propósito de escrever uma nova Constituição e, naturalmente, de substituir a atual Assembleia Nacional. Esta, já seria de esperar, não reconhece legitimidade neste processo — e convocou um referendo à revelia do Governo para impedir aquelas mesmas eleições.

Outro exemplo diz respeito à justiça. Alegando que a convocação de eleições constituintes ia contra a Constituição, a Assembleia Nacional decidiu fazer novas nomeações para o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). A 21 de julho, chegaram a acordo para 13 novos juízes e 20 substitutos. O problema é que o TSJ de facto não reconhece as ações da Assembleia Nacional — e por isso não abriu portas a uma remodelação.

“A Sala declara que corresponde às autoridades competentes civis e militares executar as ações de coerção pertinentes para manter a paz e a segurança nacional”, reagiu então o presidente da Sala Constitucional do TSJ. E Nicolás Maduro deixou uma promessa aos juízes nomeados pela Assembleia Nacional: “Vão ser todos presos, um a um, um a seguir ao outro. Vão ser todos presos e os seus bens, contas, tudo vai ser congelado e ninguém os vai defender”.

Assim, a Venezuela conta hoje com dois órgãos que reclamam o poder legislativo e dois que se declaram como instância máxima da Justiça. Enquanto isso, o país foi chamado duas vezes a votar: primeiro pela oposição sem o aval do Governo; depois pelo Governo sem o aval da oposição.

Desta maneira, sempre que se tenta tirar o fio à meada em que a Venezuela se tornou, acaba por se formar um nó górdio. E esse nó, nas atuais condições daquele país, muito dificilmente será desatado.

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Qual é o calendário eleitoral da Venezuela? E as eleições podem ajudar a resolver a crise?

As próximas eleições estão agendadas já para 10 de dezembro de 2017. Trata-se de eleições regionais, onde são escolhidos os parlamentos regionais e os governadores de cada um dos 23 estados da Venezuela.

Também estas eleições não deverão decorrer de forma linear — pelo menos se até lá não houver uma mudança radical no sistema venezuelano. Isto porque da oposição já se ouve que, com o atual Conselho Nacional de Eleições (CNE), a única posição a tomar será o boicote.

Num vídeo publicado um dia antes de ser retirado da prisão domiciliária e levado para uma prisão militar por agentes dos serviços de informação, o ex-presidente da zona metropolitna de Caracas, Antonio Ledezma, apelou à não participação. “Agora vêm propor-nos eleições regionais”, disse. “Eu não imagino ninguém que seja leal à luta que tem dado o povo inscrevendo-se, fazendo fila indiana para se inscrever nesse Conselho Nacional Eleitoral, já basta aturarmos este CNE, que protagonizou este domingo um dos embustes mais descarados.”

Também María Corina Machado, líder do partido Vente Venezuela, que faz parte da Mesa de União Democrática (MUD), reage mais ou menos na mesma linha. “É inconcebível fazer quaisquer eleições com um CNE que aprovou a dissolução da República, inventou 8 milhões de ‘votos’ e foi cúmplice do massacre de 30 de julho”, disse.

Depois das eleições regionais, a próxima ida às urnas deverá ser apenas no final de 2018, possivelmente no mês de outubro. E não são umas eleições quaisquer: são as presidenciais.

A promessa de que essas eleições se vão concretizar partiu do próprio Nicolás Maduro. Em maio deste ano, disse: “Em 2018, faça chuva, trovões ou relâmpagos, vai haver eleições presidenciais na Venezuela”.

Ainda assim, o atual quadro político e institucional da Venezuela deixa pouca margem para que os dias até outubro de 2018 sejam lineares e previsíveis. Numa altura em que a Assembleia Nacional Constituinte se prepara para tomar posse, contra a vontade da Assembleia Nacional e com a a missão de escrever uma nova Constituição, muito pode mudar. Entre esse “muito”, pode estar o sistema político, o funcionamento dos trâmites eleitorais e os seus prazos. E, a juntar a tudo isso, uma oposição que, com todas as suas nuances, parece estar decidida a boicotar as eleições oficiais e a convocar as suas.

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Em termos internacionais, quem está a favor de Nicolás Maduro e quem está contra ele?

Neste momento, essa contagem pode ser feita pela lista de países que reconhecem, e aqueles que não reconhecem, os resultados das eleições constituintes de 30 de julho.

Entre aqueles que reconhecem os resultados, estão a Bolívia, Cuba, o Equador, El Salvador, Nicarágua e Rússia.

Do outro lado, o número de países que não reconhece os resultados, e que na prática confere legitimidade à Assembleia Nacional eleita a 5 de dezembro de 2015, é significativamente maior. Na América Latina, a lista demonstra o quão isolado Nicolás Maduro está na sua própria região: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, México, Panamá, Paraguai e Peru.

Da União Europeia, a Alta Representante para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, Federica Mogherini, pediu a suspensão da “instalação efetiva” de uma Assembleia Nacional Constituinte e disse que o processo eleitoral do passado domingo “agravou de forma duradoura a crise na Venezuela”. Num plano mais específico, a Alemanha, Espanha, Reino Unido, Suíça e também Portugal condenaram os últimos desenvolvimentos na Venezuela.

A posição do Governo português foi anunciada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. Esta quarta-feira, defendeu o “regresso à normalidade constitucional, com pleno respeito dos poderes dos órgãos eleitos, pela separação de poderes” e fez “um apelo muito veemente” para que “as partes recusem e renunciem a qualquer forma de violência e se envolvam num processo político que resulte num compromisso”.

Na América do Norte, tanto o Canadá de Justin Trudeau como os EUA de Donald Trump demonstram a sua oposição às eleições de 30 de julho. Do lado de Washington D.C., chegaram mesmo a ser aplicadas sanções.

Quem se mantém em silêncio é o Governo da China. Mas, pelo que se sabe, Pequim está longe de se sentir confortável com a situação da Venezuela. A prova disso é a fuga de investidores e empresários chineses, que ali viram uma oportunidade de expansão. Agora, estão em retirada. Quem o diz é o Global Times — e o facto de este ser o jornal de língua inglesa financiado pelo próprio regime chinês é prova suficiente de que a Venezuela já pareceu melhor aos olhos da China.

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Que países decidiram aplicar sanções à Venezuela?

Por enquanto, apenas os EUA deram esse passo.

Depois de ter aplicado, durante os últimos meses, sanções financeiras dirigidas a dirigentes venezuelanos, como o chefe dos serviços de segurança, o diretor nacional da polícia e a maior parte dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça, Washington D.C. resolveu desta vez concentrar-se no Presidente, Nicolás Maduro. À semelhança do que já tinha sido feito anteriormente, a sanção congela todos os bens e ativos que Nicolás Maduro poderá ter nos EUA. Além disso, nenhum banco norte-americano poderá lidar com o Presidente da Venezuela.

“As eleições ilegítimas de ontem confirmam que Maduro é um ditador que não se importa com aquilo que o povo venezuelano quer”, disse o Secretário do Tesouro, Steven Munchin. “Ao sancionar Maduro, os EUA deixam bem clara a sua oposição às políticas do seu regime e o nosso apoio ao povo venezuelano, que procura devolver o seu país a uma democracia plena e próspera.”

Nicolás Maduro reagiu às sanções “do Governo do imperador Donald Trump” num discurso no qual garantiu: “As ameaças e sanções não me intimidam, neste mundo não tenho medo de ninguém, porque nem de Deus tenho medo, eu amo Deus”.

Na Europa, o tema das sanções é discutido e são conhecidas divergências entre os estados-membros quanto ao tratamento a dar ao Governo da Venezuela. Entre aqueles que estão mais empenhados em aplicar sanções a Caracas está Espanha, ao passo que da parte de países como a Grécia surge ainda alguma hesitação. Da parte do Governo português, qualquer resposta em relação a este tema é remetida para o nível europeu.

Para já, a Comissão Europeia ainda não aplicou sanções — mas aqui, “ainda” é a palavra-chave. Na mesma declaração onde referiu que a União Europeia não reconhecia a legitimidade da Assembleia Nacional Constituinte, a Alta Representante para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, Federica Mogherini, abriu a hipótese de sanções num futuro próximo. “A União Europeia e os seus Estados Membros estão prontos para intensificar gradualmente a sua resposta se os princípios democráticos forem ainda mais desconsiderados e se a Constituição da Venezuela não for respeitada”, referiu.

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E em Portugal, quem é que apoia e quem é que condena Nicolás Maduro?

A nível partidário, apenas o PCP alinha com Nicolás Maduro e com o Governo da Venezuela.

Em comunicado, o PCP referiu a “elevada participação” de 41% nas eleições constituintes de 30 de julho e assinalou que para um país “em que o voto não é obrigatório” esta foi uma importantíssima mensagem coletiva de defesa da paz, da democracia e da soberania da República Bolivariana da Venezuela”. Além disso, acusou os EUA, a União Europeia e “outros países alinhados com o imperialismo” de estarem por trás de “manobras para intensificar a guerra económica e a violenta desestabilização golpista”.

De resto, cada um à sua maneira, os restantes partidos opõem-se a Nicolás Maduro — seja pelos recentes desenvolvimentos, seja pela generalidade da sua governação na Venezuela.

Da parte do Governo, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, disse que as eleições deste 30 de julho foram “um passo negativo” e apelou a um “regresso à normalidade constitucional, com pleno respeito dos poderes dos órgãos eleitos, pela separação de poderes”. Dirigindo-se ao Governo de Nicolás Maduro e também à oposição, o socialista fez um “apelo muito veemente para que as partes recusem e renunciem a qualquer forma de violência e se envolvam num processo político que resulte num compromisso”.

Já a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, colocou em causa o caráter democrático do Governo da Venezuela. “O facto de existir hoje na Venezuela um ato em que as pessoas vão votar não significa que [esse ato] seja democrático, porque as condições da democracia exigem liberdade de expressão, pluralidade de opiniões, imprensa livre, e capacidade dos próprios países de tomarem decisões”, disse Catarina Martins este domingo.

À direita, a presidente do CDS, Assunção Cristas, disse que a situação na Venezuela “é muitíssimo preocupante”. “Caminha-se a passos largos para uma profunda ditadura, uma ditadura de esquerda radical e a nossa preocupação está, em primeiro lugar, nos quase 500 mil portugueses que estão na Venezuela, que habitam na Venezuela”, afirmou.

Já do lado do PSD, ainda não houve uma reação às eleições constituintes de 30 de julho. Ainda na assim, na véspera, Pedro Passos Coelho disse que a situação na Venezuela “é muito preocupante” e referiu que aquele país vive “um estado quase de sítio que se vem arrastando há bastante tempo”. Sobre a atitude do Governo português, o líder do PSD diz que este tem agido com “prudência” e “de forma correta e adequada”.

Para ler mais sobre a relação dos partidos portugueses com a Venezuela, recomendamos-lhe este artigo do Observador:

PCP ao lado de Maduro, Governo não reconhece resultado das eleições. Como Portugal olha para a Venezuela?

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Há uma enorme comunidade portuguesa na Venezuela. Como estão a ser afetados?

Dos 31,5 milhões que compõem a população da Venezuela, pelo menos 400 mil têm nacionalidade portuguesa, o que faz desta a segunda maior comunidade lusa a viver no estrangeiro. Mais do que na Venezuela, só mesmo no Brasil.

A emigração portuguesa para a Venezuela está hoje muito longe de ser aquilo que já foi. À falta de dados sobre a admissão anual de imigrantes na Venezuela, o Relatório Anual de Emigração de 2016 sublinha ainda assim que, em 2011, 80% dos portugueses emigrados naquele país tinham chegado entre a década de 1940 e o início de 1980.

De acordo como Observatório da Emigração, a Venezuela é também um dos países onde a comunidade de emigrantes portugueses é mais envelhecida. É frequente os luso-venezuelanos serem pequenos e médios empresários, sobretudo donos de supermercados e também de padarias. Grande parte chegou à Venezuela entre 1960 e 1979 — os números oficiais da época apontam para pelo menos 73 554 portugueses que se mudaram para a Venezuela. Já nessa altura, tal como hoje, a maioria tinha origem na ilha da Madeira. Depois, seguem-se aqueles que ali chegaram vindos do distrito de Aveiro.

Sobre estes, é sabido que muitos estão a voltar a Portugal — nalguns casos, famílias inteiras, que chegam com filhos e cônjuges que, de Portugal, pouco ou nada conhecem. Para conhecer algumas dessas histórias, leia o especial do Observador sobre os retornados da Venezuela. De acordo com secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus, Sérgio Marques, o número de luso-venezuelanos que regressaram à Madeira estará entre os 3 e os 4 mil. Porém, estes números são apenas uma estimativa. “Todos aqueles que entram com passaporte português, não há um registo de entrada e por isso temos alguma dificuldade em apurar esse número”, disse à Lusa.

Para aqueles que ficam, há um dado que demonstra que, à semelhança do que se passa com a esmagadora maioria da população na Venezuela, resta a certeza de que os últimos anos estiveram longe de ser fáceis. Trata-se do envio de remessas da Venezuela para Portugal, que tem caído a pique.

De acordo com os números do Banco de Portugal, aqui sistematizados pelo Observatório da Emigração, as remessas chegadas da Venezuela em 2000 representavam 2,7% do total enviado pelos emigrantes portugueses. Ao todo, entre os cerca de 3,3 milhões de euros que foram depositados nos bancos portugueses, 92,7 milhões chegaram da Venezuela.

Em 2016, os números foram drasticamente diferentes. Embora o valor global das remessas seja semelhante ao de 2000, subindo ligeiramente para os 3,4 mil milhões de euros, o mesmo não se pode dizer dos números respeitantes à Venezuela. Dali, os emigrantes enviaram apenas 8,7 milhões de euros. Isto é, 0,26% do total.

Assim, em apenas 16 anos, as remessas dos luso-venezuelanos tiveram um decréscimo de quase um décimo. Mas, além da queda a pique revelada neste período, olhando mais de perto para os números dá para entender que quando a moeda nacional da Venezuela, o bolívar, é desvalorizada, os emigrantes cortam no envio de remessas.

Em 2004 e em 2005, anos de desvalorização do bolívar, as remessas caíram 75,8% e 22,8%, respetivamente. Em 2010, depois de cinco anos em que manteve o valor da moeda, e em que as remessas recuperaram, o Governo da Venezuela voltou a desvalorizar o bolívar e as remessas caíram 18,8%. Desde então, a evolução das remessas tem sido em zigue-zague, como a seguinte tabela demonstra:

Valor das remessas em euros (milhões) Variação anual em %
2016 8,700 34,1
2015 6,490 -29,4
2014 9,190 31,9
2013 6,970 -42,4
2012 12,100 30,7
2011 9,260 -41,3
2010 15,780 -18,8
2009 19,420 0,8
2008 19,260 28,8
2007 14,950 77,1
2006 8,440 37,7
2005 6,130 -18,3
2004 7,500 -22,8
2003 9,720 -75,8
2002 40,120 -58,1
2001 95,740 3,3%
2000 92,680
(Fonte: Observatório das Emigrações)

Além da crise financeira, a comunidade luso-venezuelana também tem sentido na pele o clima de insegurança e violência que se vive naquele país, cuja capital, Caracas, é hoje a cidade com a maior taxa de homicídio no mundo — e no top 10, há quatro cidades venezuelanas.

Basta uma rápida busca para encontrar notícias que dão conta do assassinato de portugueses na Venezuela. Os relatos que surgem apontam na sua grande maioria para homicídios com armas de fogo cometidos contra comerciantes. Em setembro de 2016, um comerciante de 33 lusodescendente foi morto no estado de Lara. Poucos meses depois, em dezembro de 2016, num assalto a um restaurante madeirense em Caracas, um lusodescendente de 25 anos foi morto a tiro. A 3 de março deste ano, Doris Fernandes, uma comerciante luso-venezuelana de 32 anos foi assassinada no seu supermercado. Dias depois, também em março, um segurança de nacionalidade português foi morto depois de tentar impedir um assalto a um armazém. Em maio, o Público dava conta de um luso-venezuelano de 31 anos que morreu numa manifestação, depois de ter sido atingido no peito por uma bala de borracha que poderá ter sido disparada pela polícia. Em junho, outro comerciante, de 56 anos, foi morto em Guatire.

Além dos homicídios, há também os assaltos. Segundo a Lusa, entre 26 e 27 de junho, foram saqueados “mais de 20 estabelecimentos comerciais de portugueses” no estado de Aragua.

Os problemas de abastecimento sentidos na Venezuela também estão a marcar a comunidade portuguesa. No caso concreto daqueles que têm padarias, há queixas que apontam para a falta até de farinha. “Praticamente 80% do setor está nas mãos dos portugueses”, disse à Lusa Maria de Lurdes Almeida, membro do Conselho das Comunidades Portuguesas. “Está a ser muito grave e estão a sofrer todas as consequências. Isto porque não há farinha e, quando há, o Governo, há cerca de três semanas para cá, cismou que tem de fiscalizar, mandou os fiscais para todas as pastelarias, padarias existentes”, referiu a conselheira.

 

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Que trabalhos do Observador posso ler para saber mais sobre a situação na Venezuela?

Neste especial, damos a conhecer o perfil de quatro personalidades da oposição venezuelana, entre os quais Leopoldo López e Antonio Ledezma, ambos levados para a prisão militar de Ramo Verde depois das eleições de 30 de julho

Quem são os opositores de Nicolás Maduro. Poderá algum deles derrubá-lo?

Aqui, contamos as histórias dos luso-venezuelanos que chegam a Portugal por não poderem mais viver na Venezuela. Um pouco por todo o país, falámos com pessoas que perderam tudo na Venezuela e agora começam do nada em Portugal.

Retornados da Venezuela. A família de 18 que pagou para trazer o gato, o empresário que agora lava carros e a advogada com medo

Neste texto, demos a conhecer uma das facetas da violência que se vive hoje na Venezuela. Além da agressividade de parte a parte que se vive em manifestações, há um elemento muito próprio da Venezuela atual: os colectivos, que funcionam como milícias civis, que atuam do lado das autoridades do Estado e fora do escrutínio delas. Começaram como associações ideológicas, mas hoje dedicam-se ao crime, ao combate aos manifestantes da oposição e chegam até a controlar hospitais públicos.

Quem são os “colectivos” que defendem o regime de Maduro com armas?

Neste texto, datado de setembro de 2016 mas ainda em muitos aspetos atual, falámos com pessoas que apoiaram (e alguns continuam a idolatrar) o falecido Hugo Chávez mas que atualmente não se revêm no regime de Nicolás Maduro. “É como se Maduro fosse todos os dias cagar na tumba de Chávez”, disse-nos um empresário chavista e anti-Maduro.

Como o chavismo perdeu os chavistas