Qual é o país europeu, qual é ele, cuja economia cresceu 6,9% no ano passado, a taxa mais alta de toda a União Europeia? E que este ano e no próximo vai continuar a crescer a taxas elevadas – 4,5% e 3,5%, respectivamente (as previsões que utilizo são as que a Comissão Europeia ontem divulgou)? Que tem um défice orçamental controlado e a caminho de zero: 1,8% (2015), 1,3% (2016) e 0,8% (2017)? Que vai descendo a dívida pública dos 98,5% para os 91,5%? Que aumenta os salários médios entre 3,2% e 2,2% ao ano mas, apesar disso, o custo unitário do trabalho está em queda, o que significa que a produtividade aumenta mais do que os salários? Que tem o desemprego em queda dos 9,4% para os 7,8%? Que tem um excedente da balança externa na casa dos 3% do PIB? Que nos primeiros nove meses do ano passado assistiu a uma duplicação do investimento em propriedade intelectual, ao receber a transferência de patentes de empresas multinacionais – talvez porque a tributação que aplica sobre as empresas é das mais baixas da União?

Este país é a Irlanda e foi, a par da Grécia e de Portugal, um dos três países da zona euro resgatados entre 2010 e 2011. A crise irlandesa teve sobretudo origem na banca mas rapidamente contaminou as finanças públicas e a confiança dos investidores na capacidade do país pagar a sua dívida – tal como com Portugal e a Grécia. A intervenção da troika na Irlanda não foi branda e levou a um corte severo de cerca de 30% na folha salarial da função pública, a uma redução de cerca de 10% nos empregos do Estado e a cortes profundos na generalidade da despesa pública que, em proporção, se assemelharam aos portugueses. O défice orçamental chegou aos 33% em 2010, quando o Estado se viu obrigado a socorrer os bancos. E o desemprego atingiu os 15%. Houve uma vaga de imigração, num país que já tinha uma longa história nessa matéria.

Num momento em que continuamos às voltas com a nossa austeridade, a discutir cortes e reposições, a avaliar se aos apertos de esquerda são melhores ou piores do que os de direita e a tentar perceber se o PIB este ano vai crescer 2,1% ou 1,9%, é importante olhar para os lados.

Temos a Grécia, que continua mergulhada na sua histórica disfunção. E temos a Irlanda, que em três anos voltou às taxas de crescimento das décadas de 80 e 90 que lhe valeram o rótulo de “tigre celta”.

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As intervenções da troika tiveram os seus erros, que não foram poucos, mas a cartilha aplicada nos três países foi semelhante: cortes na despesa pública, aumentos de impostos, maior abertura à concorrência de alguns sectores. Foi a cartilha que muitos consideram “neoliberal” e de empobrecimento.

Os opostos resultados a que chegaram os três países intervencionados permitem-nos pensar que a base de competitividade, a estrutura das economias e a qualidade das instituições dos países são muito mais determinantes para a pobreza ou prosperidade futuras do que os programas de emergência aplicados, os seus erros e as suas virtudes.

Os resgates não mudam a essência dos países e das economias. Os que não são competitivos, estão minados por corporações, rejeitam a abertura de mercados, preferem o proteccionismo e Estados anafados que não conseguem pagar, não mudam em três ou quatro anos de tratamento de choque com medidas pontuais e de emergência. É isso que está a acontecer na Grécia e, em menor escala, em Portugal.

Do mesmo modo, aqueles que conseguiram construir dinâmicas fortes de competitividade, que preferem a abertura da economia, que valorizam a capacidade de criar riqueza antes de a distribuir e que são dotados de instituições fortes e elites preparadas, também não perdem essas características só porque são submetidos aos mesmos tratamentos de choque. É isso que se verifica na Irlanda. Lá, fala-se da crise de 2009-2011 como “a grande depressão” e começa a ser assunto do passado. Está ultrapassada e o regresso da dinâmica empresarial e económica está de volta. Foi um mau momento que o país superou com o êxito que se vê.

Por cá, com ou sem troika, com ou sem austeridade, com mais ou menos “vacas gordas”, não sairemos deste processo de morte lenta enquanto não reformarmos a economia, tornando-a competitiva e aberta, e nos contentarmos com a mediania ou, pior do que isso, com a mediocridade protegida.