A Estrutura de Missão para a Capitalização das Empresas, criada pelo Governo no final de 2015, apresentou o seu Relatório com 131 propostas para apoio ao acesso ao financiamento e à capitalização das empresas.

O documento merece leitura atenta pelo quadro que traça dos desequilíbrios do sobre-endividamento das empresas portuguesas e das soluções para a correção do seu modelo de financiamento.

Mas, de entre os cinco eixos de atuação prioritária que identifica, é importante destacar o relativo à dinamização do mercado de capitais português.

Trata-se do reconhecimento, pela Estrutura de Missão, e, agora oficialmente, pelo Governo de Portugal, da necessidade de dotar a economia portuguesa de um mercado de capitais ativo e dinâmico, instrumento e motor por excelência do financiamento das empresas e do crescimento da economia.

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Os estudos sobre o tema mostram, de forma unânime, a associação virtuosa entre um mercado de capitais desenvolvido e o mais rápido e sustentado crescimento da economia por ele servido.

Estudos recentes realçam igualmente que o acesso através da Bolsa a capitais próprios é especialmente importante para as empresas de média dimensão, que têm maior dificuldade em financiar o crescimento, para novos produtos ou novos mercados, apenas baseado em dívida.

A relação com o crescimento do emprego também está estudada; relatórios da OCDE estimam que, se tivesse conseguido manter o ritmo de novas entradas em Bolsa dos anos anteriores, a economia norte-americana poderia ter criado entre 9 e 19 milhões de novos postos de trabalho nas últimas duas décadas.

Nesta matéria, a Europa compara mal com os Estados Unidos em matéria de capital cotado (€10 triliões investidos em empresas cotadas europeias contra perto de €20 triliões nos EUA).

E a situação portuguesa é significativamente pior; também por isso, Portugal precisa de uma Bolsa que responda às necessidades de financiamento das empresas.

Custos desproporcionados no acesso ao mercado, baixa capitalização em função do PIB e muito baixa liquidez dos títulos, exigências regulatórias excessivas, insuficiente cobertura de research, são algumas das razões que continuam a impedir a revitalização do nosso mercado (a par, há que reconhecê-lo, com casos recentes que contribuíram para um problema de credibilidade e confiança, injustamente generalizado e muito ampliado por uma certa visão contrária à iniciativa económica privada e à liberdade de investimento).

As medidas agora apresentadas procuram dar resposta a todos estes problemas; e uma parte delas, necessariamente, depende de politicas públicas.

A consagração de uma situação de maior neutralidade fiscal, entre capital e dívida, através da melhor articulação entre o regime de dedutibilidade dos encargos de financiamento e as medidas de incentivo ao financiamento através de capitais próprios, constitui um exemplo paradigmático de atuação do Governo que poderá contribuir decisivamente para alterar a lógica de financiamento das empresas.

A admissibilidade de voto plural nas sociedades anónimas, à semelhança do que acontece em vários outros países europeus, num quadro de soluções mais equilibradas entre necessidades de financiamento das empresas e proteção dos investidores, é outra solução na qual o Estado tem papel decisivo e que poderá ajudar a contrariar o tradicional temor da perda de controlo de muitos empresários.

Já a possível criação de empresas de fomento económico, ou de outros veículos cotados detentores de participações em empresas portuguesas não cotadas, que possam ser objeto de investimento por parte de fundos de investimento e fundos de pensões, ilustra o exemplo de uma oportunidade para a qual o Estado poderá ter impulso decisivo mas que dependerá, também, em muito, de outros actores.

Aliás, muitas das medidas, no que ao mercado de capitais respeita, dependem da cooperação de outros intervenientes, com destaque para a CMVM e a Euronext Lisbon.

A CMVM, por exemplo, deverá ter um papel fundamental em assegurar que a transposição da regulamentação europeia é executada nas vertentes e com os limites e requisitos previstos, evitando a percepção comum de que em Portugal se transpõem sempre o mais rápido possível as regras que mais prejudicam as empresas e se atrasam ou adiam os processos de introdução das novas regras que as beneficiariam.

Também como exemplo, deve contar-se com a autoridade de supervisão para ajudar a adequar a legislação e a prática regulatória no sentido de assegurar a admissão no mercado português das muitas emissões de obrigações atualmente cotadas em mercados estrangeiros.

Quanto à Euronext Lisbon, será essencial que a entidade que gere a nossa Bolsa possa finalmente concentrar-se nas necessidades reais da economia e das empresas portuguesas, adotando um modelo de negócio, regras, preçários e iniciativas efetivamente adequados à realidade nacional.

O trabalho da Estrutura de Missão, para o qual a Associação que representa as empresas cotadas contribuiu de forma empenhada, representa, afinal, um notável caderno de encargos. A fase que se segue, de concretização e implantação das medidas, é a mais importante.

E, como sempre em Portugal, as dificuldades de execução serão de monta, fruto da tradicional ambivalência política em relação ao tema do mercado de capitais e mercê da necessidade de muito e muito exigente trabalho entre muitas entidades com interesses distintos.

Conhecemos bem essas dificuldades: um número bastante significativo das medidas agora acolhidas já constava das propostas da nossa “Iniciativa AEM para o Mercado de Capitais” apresentada em Julho de 2013.

De lá para cá, três anos decorridos, pese embora algumas concretizações pontuais muito positivas, e a expressão de muitas boas vontades, continuámos longe do lançamento (cada vez mais urgente) de uma Agenda para o mercado de capitais.

A Bolsa tem de ser mais atrativa para as novas empresas que pretendam financiar-se através do mercado, com um acesso mais simplificado, menos complexidade regulatória, e custos, tanto na admissão como na manutenção em mercado, drasticamente reduzidos.

O impulso do trabalho da Estrutura de Missão constitui uma oportunidade única para trabalharmos em conjunto no sentido da dinamização do acesso direto das empresas portuguesas aos investidores e da diversificação das fontes de financiamento ao seu dispor.

E, desta forma, sermos capazes de Capitalizar o nosso Futuro.

Diretor Executivo da AEM – Associação de Empresas Emitentes de Valores Cotados em Mercado