Numa entrevista recente à CNBC, Mário Centeno apontou como prioridade governativa evitar um segundo resgate. As reacções no plano interno não se fizeram esperar, quase todas críticas. O padrão geral das críticas a Centeno condenou a referência do ministro das Finanças a um possível segundo resgate com base na noção de que admitir essa possibilidade transmite um sinal de desconfiança aos investidores e analistas internacionais e fragiliza a posição do Estado português. Alguns apontaram até o risco de este tipo de declarações poder acabar por constituir uma profecia que se auto-concretiza.

As críticas foram intensas e geralmente acompanhadas de lamentos sobre a inexperiência e inabilidade política de Centeno. Um responsável político mais experiente e dotado, consideram esses críticos, não teria caído no erro ingénuo de Mário Centeno. Percebo todas essas críticas, mas neste caso particular discordo das mesmas. Ao apontar a necessidade de evitar um novo resgate como prioridade governamental, Mário Centeno não disse apenas a verdade — foi também realista, sensato e ponderado.

A verdade é que, infelizmente para Portugal, os analistas e investidores internacionais não precisam de Centeno para chegar à conclusão de que o governo socialista precisa mesmo de concentrar a sua atenção na tentativa de evitar um novo pedido de assistência externa. Senão vejamos: o crescimento económico está muito abaixo do previsto — tão abaixo que é inferior ao que o cenário macroeconómico do PS previa fosse ocorrer caso a PSD e CDS continuassem a governar. Mas o problema não é apenas a falta de crescimento: a dívida cresce acima do previsto e as exportações têm tido um comportamento decepcionante. Factores que certamente não são alheios ao substancial aumento do spread da dívida pública portuguesa face à alemã ao longo dos últimos meses.

Neste contexto sombrio, com o reconhecimento realista da gravidade da situação das contas públicas portuguesas, Mário Centeno prestou um serviço ao país. Quem governa é uma “geringonça” dependente da extrema-esquerda mas a pasta das Finanças não está — pelo menos para já — entregue a um louco ou a um irresponsável.

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O realismo e bom senso manifestado nesta ocasião por Centeno não isentam, naturalmente, o governo de responsabilidades pelo panorama pouco animador que o país enfrenta. Afinal, esse panorama é resultado de uma estratégia errada e de uma reversão de políticas que visou distribuir benefícios pelos grupos e interesses favoritos da “geringonça” à custa da generalidade dos portugueses. O erro da estratégia económica governamental é tão evidente que até quem opera num quadro mental keynesiano (mas preserva a sua integridade intelectual) reconhece, como recentemente declarou Daniel Bessa, que estamos perante uma “patetice”.

A “geringonça” vive assim uma situação de dualidade insustentável. Enquanto no plano interno se vai proclamando um optimismo sem fundamento (para contrastar com o discurso supostamente “gasto” e “sem esperança” de Passos Coelho), no plano externo vai felizmente imperando uma postura mais sóbria e realista. Para um país dependente do BCE e com perspectivas macroeconómicas cada vez mais desanimadoras, a postura realista é sem dúvida a mais recomendável mas não é certo que prevaleça.

O facto de o governo e seus agentes já praticamente não falarem da meta de 2,2% para o défice preferindo mencionar o limiar dos 2,5% ou mesmo 3% é aliás sintomático. No ponto a que a “geringonça” conduziu o país, importaria agora reconhecer também que a estratégia fracassou e que urge inverter o rumo para tentar evitar a quarta bancarrota em quatro décadas de democracia.

André Azevedo Alves é professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa