Há quatro décadas que o 25 de Abril e o que significou são os legitimadores dos nossos destinos comuns. As lideranças políticas que o nosso país produziu neste período têm, até agora, utilizado, e por vezes explorado, os seus símbolos, ideias e palavras de ordem, gerando um inevitável e profundo eco nos portugueses que, antes desta data, foram vítimas de opressão, injustiças ou violência. É esta ressonância, renovada anualmente, que de certa forma tem garantido a legitimidade do regime, sustido pelos que encontram refúgio na memória do dia em que Portugal viu abrir as portas para a Liberdade.
É bem possível que os historiadores, sempre procurando marcos na narrativa dos povos, olhem para 2017 como um desses pontos de viragem. O ano começou com a morte do principal político, ao mesmo tempo legitimado e legitimador, do e pelo 25 de Abril, Mário Soares. Desde 1974, ou porventura até antes, nada neste país se fez sem que Mário Soares estivesse, implícita ou explicitamente envolvido, por associação, omissão ou presença directa. Poder-se-ia argumentar que foi ele a própria unidade de medida de cada política ou de cada decisão nacional. Tal como a distância se mede em quilómetros, o posicionamento ideológico de todo o ente político foi sendo definido em relação a esta personalidade.
Com a partida do Dr. Soares, e sabe-o bem quem já perdeu um pai ou uma mãe, resta-nos uma herança que só terá valor e sentido, se assumirmos enquanto sociedade tudo o que ele e o período após a revolução, tiveram de muito bom, de bom, de mau e de péssimo. Só assim, poderá o país começar a libertar-se de noções que perderam há muito o enquadramento histórico, da oposição de classes, da liberdade dos “uns contra os outros” e possa então construir um futuro, de forma sólida, sobre os alicerces fulcrais que as conquistas de Abril nos deixaram. Assim e após a morte dos pais, chegou o momento dos filhos do 25 de Abril. Nascidos depois dos anos 80 do séc. XX, estão a surgir os que tomaram consciência política nos anos 90 e 2000, os que desconhecem fronteiras porque cresceram em espaços geográficos comuns, porque estudaram e, alguns, trabalharam ou ainda trabalham livremente em qualquer ponto da Europa. Ou para além dela.
A pergunta é: depois da legitimação pelo 25 de Abril, quais serão os critérios que sancionarão as escolhas democráticas que se avizinham nos próximos 10, 15 e 30 anos? Que desígnios comuns vão definir ou fazer cumprir os representantes da nova geração de líderes políticos? Como ganharão a confiança dos que, sendo de gerações distintas, os elegerão, mais tarde ou mais cedo, para as principais posições de liderança do poder democrático? Haverá doutrinas já escritas que eles estejam dispostos a seguir? Ou haverá que desbravar terreno ideológico inteiramente novo ou de uma forma totalmente inovadora?
Em grande medida, é um percurso de ideias e de práticas ainda por trilhar. Demasiado mudou nas nossas sociedades e já não interessa quantos novos marxistas estão a despertar politicamente. Nem tão pouco quantos novos líderes fascistas estão a ponto de emergir. Estas são franjas, tão barulhentas, quanto irrelevantes, por dividirem o mundo entre ideologias falidas, assentes nas fórmulas fechadas do passado.
A enorme diferença do nosso tempo é esta: face a momentos anteriores da história mundial, quase todos os dogmas se tornam redundantes pela ausência de fronteiras, pelo internacionalismo da cultura ocidental, pela profunda revolução tecnológica em curso, pelo acesso imediato e omnipresente a uma base infindável de informação, mas também pela disrupção industrial e económica, com novas formas de exercer profissões, de forma flexível, colaborativa e sem vínculos ‘de carreira para a vida’, por vezes adoptadas por necessidade, mas em muitos casos, por escolha própria de quem quer assumir um estilo de vida diferente; também as noções de preservação e valorização do meio ambiente e os valores da sustentabilidade são praticamente dados adquiridos, bem como o é o facto de os termos de defender a cada dia: há um consenso geracional que há um habitat comum natural a preservar. E ainda que muitas destas enormes transformações sejam oriundas de tendências transfronteiriças, em Portugal, esta geração pós-25 de Abril sabe, integrou e identificou o elemento que é comum a todas elas, um elemento que não é de esquerda, nem de direita, pois é universal: a Liberdade. Liberdade que apenas exige abertura e respeito mútuo.
Esta geração, que ao contrário do que é tido pelo agora desgastado consenso de há quarenta anos, está pronta intelectual e culturalmente para liderar. Macron em França e Trudeau no Canadá são já disso mesmo um exemplo. Ou Xavier Bettel e Charles Michel, primeiros-ministros do Luxemburgo e da Bélgica. Eles não representam uma mera ascensão do liberalismo, mas de uma geração de mente aberta, que emerge assim exponencialmente em responsabilidade, por ter a dose certa de entusiasmo, recursos e certezas, e que deverá assumir este papel inovador, perante si própria e além dela, junto dos muitos outros cidadãos que se têm mantido calados, à margem de eleições e participações, por desajustados que se sentem com o status quo de alternância entre esquerda e direita, conceitos obsoletos que já nada dizem à enorme maioria dos Portugueses, que procuram apenas e somente: qualidade de vida e justiça.
Abertos, livres e com iniciativa, ponderados e moderados, espera-se assim que deverão emergir desta geração política aqueles que, sendo de centro, o são militantemente. Os que são radicalmente de centro.
É verdade que a palavra “radical” poderia, num primeiro momento, causar repulsa a qualquer moderado. No entanto e neste caso, ela assinala precisamente a existência de uma moderação profunda, comprometida e pro-activa, sem medo nem receio de questionar estruturas estabelecidas. Uma moderação de quem luta pelo bem-comum, como quem antes queria “esganar a burguesia”; uma moderação de quem afirma a sua liberdade com inteiro respeito pela liberdade do outro e não contra nada nem ninguém, a não ser contra “a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania” que hoje encontram expoentes internacionais de inesperada pujança; de quem não tem medo de deitar abaixo antigas denominações, aliás, de quem necessita de extinguir essas legendas e caixas estanques, para exercer a sua liberdade.
No fundo, alguém que é radicalmente de centro, vai buscar, de forma pragmática, mas não cínica, aquilo que de positivo têm algumas políticas, nomeadamente económicas, que até agora se designaram “de direita”, complementando-as com ideais de harmonia, de comunidade e de diversidade, nomeadamente na esfera social e dos costumes, que anteriormente se têm designado “de esquerda”.
Quais são as expressões visíveis desta nova forma de estar política, económica e social? Quem é que, consciente ou inconscientemente, melhor reflecte o que é ser radicalmente de Centro?
Entre vários, há um exemplo concreto, mais uma vez um fenómeno global, mas que no nosso país tem explodido em aceitação, precisamente pela afinidade com este sentimento comum de Liberdade das gerações mais activas na sociedade: o movimento das start-up e a forma de estar na vida pública e privada que lhe está subjacente. É um enorme exercício de liberdade, económica, social e política, detectar problemas comuns e desenvolver as soluções correspondentes, criando assim sustentabilidade e um círculo virtuoso de beneficiados: dos que passam a ter acesso à solução, dos que a implementam e do estado, que poupa recursos ou, validando as soluções, contribui para o dinamismo do país e da sua sociedade civil. Os actores deste movimento não esperam pelo governo, nem por fundos, nem por subsídios. Ao contrário de empresários de outrora, os empreendedores reconhecem que não lhes é sustentável esperar. Assim e de forma ágil e pro-activa, lutam por obter os recursos que lhes darão acesso aos meios para entregar estas soluções e resolver os problemas identificados. Existem, obviamente, os empreendedores que buscam fins puramente económicos: o que é, aliás, inteiramente legítimo. Há também os chamados empreendedores sociais, que procuram curas sustentáveis para as feridas humanas, animais ou da Natureza, tantas vezes ignoradas pelo centralismo estatal ou que o estado, pela sua mais do que historicamente comprovada ineficácia, não consegue resolver em tempo útil ou com os recursos necessários.
Nesta geração, são cada vez mais os que orgulhosamente envergam as medalhas do falhanço, da empresa falida, do projecto que não se cumpriu, mas que criou emprego enquanto durou e que originou aprendizagem para outros projectos que se cumprirão e que, por essa experiência acumulada, serão um êxito. Além disso, é comum a ambos os tipos de empreendedor, económico e social, uma crescente noção de impacto e de saber que é tão necessário como vantajoso, devolver os frutos do seu trabalho à sociedade que lhos permitiu colher. É assim uma geração que não receia o erro e que não baixa os braços perante uma queda.
O círculo virtuoso deste posicionamento na sociedade, desalinhado com conceitos de direita ou de esquerda, livre de ideologias e de tabus, descomplexado e, portanto, muito mais versátil e eficaz no mundo de hoje, permite que se resolvam problemas comuns sem esperar pelo estado e ao mesmo tempo prosseguir com sonhos individuais sem ter obrigações limitadoras para com a sociedade. Desde o projecto de crowdfunding para o hospital local, à empresa cujos colaboradores são freelancers, livres e autónomos prestadores de serviços, competindo num mercado global, trabalhando de forma remota num qualquer monte alentejano, ou num apartamento de uma grande cidade.
Já do ponto de vista social, dos ditos costumes, também o Centro oferece maior liberdade. Ser um radical de centro, é defender que é legítimo e vantajoso para a sociedade que cada indivíduo estude onde desejar e da forma que mais lhe seja benéfica, que o nosso irmão, primo, pai ou mãe, amem quem entenderem, independentemente do sexo ou orientação e que se identifiquem com o género que lhe é realmente intrínseco. Que viaje livremente. Que trabalhe sem amarras e que o valor do seu trabalho seja real, ainda que opere numa plataforma virtual. Que colabore em rede. Que seja individualista, comunitarista ou artista. Que seja livre.
Depois do pessimismo dos da troika, do comodismo socializante e do rasto jurássico dos que há tanto tempo deveriam ter dado lugar ao futuro, são estes os Filhos do 25 de Abril. Os que, de forma legítima, se estão a posicionar para assumir a liderança do nosso país. Desta feita, não são eles legitimados de forma externa pela bênção de personagens históricos, por cravos na lapela ou punho em riste, mas sim porque encarnam em si mesmos e agem segundo os valores e conquistas de Abril, assumindo como seu mantra a frase de John F. Kennedy, que “há que ser um idealista, mas não ter ilusões”.
Relembrando uma música que ficou na memória de muitos deles, “Mais do que a um patrão / A uma rotina ou profissão (…) Tu pertences a ti / Não és de ninguém / Vive selvagem / E para ti serás alguém”.
É isto que significa ser Filho do 25 de Abril. Nascemos livres. Crescemos livres. Vivamos livres. Alimentemos essa liberdade e construamos o futuro.
Membro da Iniciativa Liberal