“Falta-lhe inexperiência,” ter-se-á queixado um compositor de meia-idade a propósito das obras de um menino-prodígio que lhe tinham ido mostrar. O comentário sugere que a inexperiência pode ser importante. A teoria não parece prometedora.

Se a inexperiência fosse importante, faria sentido queixarmo-nos da falta de inexperiência. Não é porém claro em que consistiria tal queixa. Quando nos queixamos da falta de uma coisa temos geralmente uma ideia de como remediar essa falta, e dos modos como se adquire o que nos falta (farinha, conhecimento de astronomia, felicidade). Existem no entanto coisas que acontecem a toda a gente mas que, por razões que não têm nada a ver com logística, não se conseguem adquirir. Por exemplo, não posso aprender a não ter jeito de mãos, não posso aprender a esquecer-me de uma palavra, e não posso aprender a perder os óculos. A inexperiência é parecida com este tipo de coisas. Quando me queixo da falta de inexperiência estou-me a queixar da falta de uma coisa que não é possível adquirir. Não se pode adquirir a falta de uma capacidade.

Qual é então a vantagem da observação do compositor? Visto que não pode ser a de recomendar ao pequeno prodígio que vá adquirir inexperiência (porque justamente a inexperiência não se consegue adquirir), só pode ser a de chamar a nossa atenção para coisas boas que a inexperiência traz. O compositor está realmente a dizer que um bom compositor tem de ter uma certa inexperiência. Por extensão, parece estar também a sugerir que muitas vezes o que de mais memorável uma pessoa pode fazer depende da sua falta de experiência.

Outras pessoas disseram coisas parecidas. Defendeu-se, e é muito possível, que muitos dos nossos melhores artistas, políticos ou cientistas tenham devido o seu êxito aos erros que cometeram por inexperiência. Foi por não saberem ou conseguirem fazer certas coisas que fizeram as coisas, e tiveram as ideias, por que são lembrados. Os seus colegas mais experimentados, e sobretudo os mais inclinados a falar da sua experiência, são lembrados com menos afeição.

Não é pouco; mas há mais. Pode dar-se o caso de que a vantagem principal da inexperiência se mostre sobretudo nas nossas relações com as outras pessoas. Como se sabe, a experiência é nessas matérias uma fonte recorrente de desgostos e razões de queixa. Ora a inexperiência é aquilo que nos impede de atender completamente às razões de queixa que temos dos outros. A quem se esquece das razões de queixa que tem dos outros chama-se normalmente uma pessoa decente ou boa. Ser-se decente e bom é como esquecer-se dos óculos: não se aprende, mas tem acontecido; e acontece sobretudo quando nos esquecemos daquilo que sabemos sobre os outros. A inexperiência é um factor de decência e bondade. A sua importância não deve ser subestimada.

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