É deprimente e preocupante assistir ao espectáculo que a generalidade da classe política está a dar a propósito da Caixa Geral de Depósitos.
Uns, do PSD, porque só agora descobriram que é importante saber porque é que a Caixa Geral de Depósitos levou quase 3.000 milhões de euros dos contribuintes em 10 anos e agora se prepara para levar mais uns milhões. Quatro mil, de acordo com as notícias. Nos últimos cinco anos não lhes ocorreu pedir uma auditoria ao banco?
Outros, da esquerda à direita, deputados ou responsáveis partidários no activo ou na reforma, acham que é uma perda de tempo averiguar o que se passou no banco do Estado que justifique tal consumo de dinheiro dos contribuintes. Pior: acham que isso pode pôr em causa a reputação da Caixa e que uma Comissão Parlamentar de Inquérito não servirá para mais nada do que “lavar roupa suja” e fazer “chicana política”.
É fantástico defender que a reputação de uma entidade pública depende do secretismo que se consiga manter sobre a sua gestão e operações. Só este receio, vindo de quem já tutelou o banco — Manuela Ferreira Leite ou Bagão Félix, por exemplo –, faz-nos prever o pior: o que escondem as paredes da Caixa cujo conhecimento público pode ameaçar o seu bom nome?
Repare-se que, tanto quanto se sabe, não está em causa o apuramento de nenhum “buraco” desconhecido nas contas do banco. A factura já está calculada, as necessidades de capital estarão apuradas e as negociações com Bruxelas para aprovar a operação estão em curso. A haver algum sobressalto no banco ou no sistema bancário ele teria acontecido quando foram reveladas as necessidades da Caixa — de resto, não desmentidas nem confirmadas por Governo, Banco de Portugal ou administração. Os mercados já fazem inclusivamente contas ao possível impacto na dívida pública. Qual é, então, o receio já que não está em causa a existência de recurso para capitalizar devidamente o banco?
Os “lesados da Caixa”, que são todos os contribuintes, já têm a noção da sua factura. O mínimo que os órgãos do Estado lhes devem agora é explicar os parciais que fazem a soma apurada.
Mas, para uma parte importante da classe política, dar esse mínimo de satisfações aos contribuintes é “lavar roupa suja” e fazer “chicana política”. É esta a noção que muitos parlamentares têm de si próprios e dos trabalhos das suas comissões? Lá saberão porquê.
Talvez se recordem da fraqueza que foi a CPI do BPN, onde acabaram numa madrugada em galhofa amena com Oliveira e Costa, num tom mais de conversa de café do que de Comissão Parlamentar de Inquérito.
Ou então devem ter a memória fresca, porque aconteceu há poucas semanas, da abjecta “caça à fonte de informação” que fizeram a propósito da notícia da TVI sobre o Banif. Se suspeitam que houve órgãos do Estado que não cumpriram devidamente o seu dever de reserva de informação e permitiram fugas é a estes que devem questionar, não os jornalistas que fazem o seu trabalho. Este deve ser obviamente escrutinado mas pelos órgãos competentes e independentes, que vão da ERC aos tribunais. Mal de nós quando órgãos políticos chamam a si directamente a sindicância e o escrutínio do trabalho editorial, por pior que este seja.
Mas podem, em contrapartida, recordar a CPI do BES/GES, que foi digna, esclarecedora, com conclusões significativas e propostas de legislação e regulação a ter em conta. Quando querem, os deputados sabem dignificar o seu trabalho e a sua função. Lamenta-se é que nem sempre o queiram. O que impede que uma CPI à Caixa possa correr de um modo semelhante? Tenho uma hipótese como resposta. No caso do BES/GES, a responsabilidade pelos actos de gestão era essencialmente privada. Havia, quanto muito, falhas na supervisão do Banco de Portugal, que foram devidamente exploradas, e bem, durante as inquirições.
No caso da Caixa é diferente. A responsabilidade pelos actos de gestão são exclusivamente públicos. Directa ou indirectamente, os responsáveis do bom e do mau que por lá se passou são membros de governos ou administradores por estes nomeados. E aqui os partidos implicados são três: PS, PSD e CDS. Por mais conveniente que fosse passar uma esponja sobre esse passado, o apuramento de responsabilidades políticas não é apenas um detalhe: é uma obrigação numa democracia que se quer decente.
Mas esse apuramento de responsabilidades não é exclusivamente político. Nem uma CPI tem os meios, legais ou materiais, para um trabalho de auditoria que será sempre complexo. Paralemente, o que tem que ser feito na Caixa – tardiamente, mas mais vale tarde do que nunca – é uma auditoria aos negócios que provocaram perdas ou levaram à constituição da carteira de malparado do banco. Muitos destes montantes foram provocados pela crise? É verdade. Que se separe então o que foi motivado pela conjuntura económica adversa e o que resultou de decisões políticas. É também para isso que servirá esse trabalho de investigação e análise, com as conclusões devidamente enviadas para os órgãos judiciais.
É o mínimo de respeito que os contribuintes merecem. E que as instituições públicas, a começar pelo Parlamento, devem a si próprias.
Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com