Para muitos terá passado despercebido, mas tudo aconteceu esta semana: na segunda-feira, o Público noticiava que vários países se juntaram à campanha She Decides (“Ela Decide”) que pretende servir como um fundo para promover o aborto em todo o mundo e, em particular, nos países em vias de desenvolvimento.
A iniciativa foi lançada há precisamente um mês pela ministra do Comércio Externo holandesa, Lilianne Ploumen, e surgiu como resposta à recuperação da Mexico City Policy (“Política da Cidade do México”) imposta por Donald Trump nos Estados Unidos, que levou ao corte do financiamento concedido por este país a organizações não-governamentais internacionais que realizam abortos ou prestam aconselhamento sobre o tema.
Sem aviso prévio e evitando o debate na opinião pública, eis que a iniciativa holandesa recolheu quarta-feira mais um apoio: o de Portugal.
A fazer fé no comunicado enviado às redacções e entretanto divulgado, “o Governo português, através da Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, informou as autoridades holandesas do seu apoio à iniciativa global She Decides”.
Vejamos então com mais atenção o que pretende este Governo apoiar:
Em traços gerais, a She Decides apresenta-se como uma iniciativa global que quer que as mulheres em todo o mundo possam exercer o direito de decidir se querem ter filhos, quando os querem ter e com quem.
Estranhamente, a ideia de saúde sexual e o modelo de planeamento familiar propostos assentam exclusivamente no direito (dito) fundamental da mulher a matar os próprios filhos.
Esquece-se que, pelo menos na maioria dos casos – porque, infelizmente, sempre existirão excepções –, a mulher pode decidir se quer ou não ter relações sexuais, quando as quer ter e com quem. O resultado é simples: permite-se a desresponsabilização, com o intuito de evitar as consequências naturais decorrentes de uma decisão que já se encontra, à partida, na esfera da mulher. É querer decidir a posteriori o que se fez antes.
Ao invés, os esforços deveriam concentrar-se na preparação e adopção de medidas para apoiar os casos de maternidade precoce e vulnerável, bem como os abrangidos pelas excepções referidas em cima, como sejam as gravidezes resultantes de relações sexuais forçadas ou não consentidas. É aqui que o trabalho tem de ser feito.
De igual modo, a proposta negligencia em absoluto o elemento masculino, o que não deixa de ser revelador da agenda ideológica por detrás de tal narrativa. Não fará mais sentido investir na formação em modelos de paternidade responsável, envolvendo globalmente as populações e membros de ambos os sexos? Ou será que só as mulheres é que têm direitos? E os direitos das crianças?
Por outro lado, convém esclarecer que a promoção do aborto seguro apenas leva uma ideia de relativa segurança à mãe que decide matar o seu filho. Para o ser indefeso que morre, não só se trata de um procedimento pouco seguro e doloroso como significa um vil ataque ao seu direito – esse, sim, fundamental – à vida. E as consequências psíquicas e físicas para a mulher que aborta?
Quanto ao apoio do Estado português, importa perceber se se trata apenas de apoio moral ou se há dinheiro dos contribuintes envolvido nesta simpatia lusitana. É que, mais do que granjear apoios políticos, o fundo She Decides tenciona angariar avultadas quantias para suprir as necessidades de organizações afectadas pelo recuo do financiamento americano. Se for o caso, com quanto pretende o Estado português contribuir? E nesse cenário, como será feito o controlo da aplicação desse dinheiro?
Os nossos impostos não podem servir para matar inocentes lá fora, além dos que já morrem cá dentro com medidas idênticas. Nem pode isso ser imposto aos portugueses por um governo minoritário e sem mandato para o efeito, já que – com excepção do fim das taxas moderadoras para quem recorre a aborto em Portugal – o programa de governo do PS não continha uma única palavra sobre este tema.
Já sabemos que vários países apoiam a iniciativa. E sabemos que muitos deles o fazem com uma intenção clara: para retaliar perante a tomada de posição de Trump. Sendo esse o caso, e numa fase em que a situação geopolítica mundial atravessa um período tão interessante quanto difícil, quererá o Estado Português ficar associado a um protesto internacional contra um presidente democraticamente eleito? Há coisas em que não convém mesmo ser uma maria vai com as outras.
Ou será que estamos perante mais um caso de favor à cartilha ideológica imposta por uma certa esquerda que vive agora deslumbrada com o poder? Será este o preço a pagar a Catarina Martins pela conivência hipócrita do Bloco de Esquerda no caso da CGD e dos SMS de Centeno? Se assim for, é triste, mas é o irónico desgoverno que temos: ela decide; ele sujeita-se.
Em qualquer dos casos, Costa não fica bem na fotografia. E isto é tão mais grave quando estamos a falar daquela que devia ser a primeira preocupação de qualquer estado de direito democrático: a defesa da vida.
Advogado, membro do movimento “Com o nosso dinheiro Não” e da TEM/CDS – Tendência Esperança em Movimento