1974. Portugal clama. Grita, a plenos pulmões, a Liberdade. A Democracia chega. Os anos passam. O 25 de Abril já lá vai. E o 25 de Novembro também. Os seus legados, esses, inevitavelmente históricos, permanecem. Ainda bem.

2017. O mundo é hoje uma pequena aldeia global. Afundamo-nos vertiginosamente no século XXI. Corremos, todos, sôfregos, apressados, para não perder pitada do que aí vem. Para agarrar a ilusão de que podemos ser aquilo que quisermos ser, independentemente de quem ou do que somos.

Por cá, crescemos em democracia. Mas será que crescemos, do mesmo passo, em liberdade? Afinal que ideia de liberdade é esta, que nos permite escolher que seres humanos queremos ou não deixar viver?

No momento em que Portugal se prepara para discutir mais uma lei que atenta contra o direito dos direitos em democracia e sem o qual todos os outros perdem sentido, alegadamente em prol do mito da autonomia descrito num texto de Diogo Costa Gonçalves, importa perceber que preocupações têm os que promovem tão eficazmente essa batalha.

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Há dias no Expresso, Isabel Moreira escreveu um artigo onde chama atenção para o gravíssimo problema dos campos de concentração para homens gay na Tchetchénia. Esta situação, infelizmente, parece ser uma realidade e, mais uma vez, traduz o pior do que o homem pode fazer ao outro. É absolutamente condenável. Quanto a Isabel Moreira, todos sabemos que a causa LGBT é a sua causa. Neste caso, que vai além da mera discussão do mérito da causa, a sua denúncia é importante e urgente.

O que não sabíamos é que Isabel Moreira também sabe escrever um texto a defender a dignidade da vida humana. Confuso? É simples.

Os ataques gratuitos contra a liberdade de qualquer ser humano sem razão atendível ou sem que o mesmo tenha cometido qualquer crime merecem, como não podia deixar de ser, a mais veemente condenação e revolta. De igual modo, qualquer atentado contra a vida desse mesmo ser humano, seja em função da sua orientação sexual ou da sua crença religiosa, cor, raça, etnia, altura, idade ou peso, condição física ou psíquica, consubstancia um vil ataque à sua dignidade e uma grave violação dos seus mais básicos direitos fundamentais. Tenho a certeza de que Isabel Moreira concordará comigo.

A questão está em saber se o argumentário utilizado por Isabel Moreira serve apenas para os casos em que a vida ou a liberdade de um ser humano é posta em causa em função da sua orientação sexual ou se – pasmem-se talvez – servirá também para aqueles casos em que o direito à vida de um ser humano é posto em causa pelo simples facto de o mesmo existir?

A autora permitir-me-á certamente que “roube” algumas das suas ideias (a itálico), para ilustrar o que quero dizer. Experimentemos apenas adaptar certas expressões do seu texto, substituindo-as por outras (a negrito) mais amigas do ser humano, e vejamos o que acontece:

A ver se nos entendemos: demorou demasiado tempo para que fosse reconhecido o que o nazismo fez aos judeus, ciganos, adultos, jovens, crianças, bebés, pretos, brancos, e em 2017 somos confrontados com uma monstruosidade contemporânea sem grandes consequências.

Com base em discursos de base relativista, amoral e feminista, Isabel Moreira (Ups!) e outros de sua espécie justificam a perseguição da Vida, por isso já sabíamos da “lei que permite a interrupção voluntária da gravidez (vulgo, aborto)” do PS, e agora somos bombardeados com uma iniciativa socialista e da extrema esquerda para justificar morte assistida (vulgo, eutanásia).

A falta de empatia relativamente à violação dos direitos humanos das pessoas (LGBT) é gritante. É sempre assim e continua a ser assim mesmo quando a notícia é, repito, a existência de clínicas abortistas em Portugal.

Sabemos da existência de clínicas abortistas em Portugal, há uma marcha pela Vida em Lisboa em frente ao Parlamento quase sem imprensa presente, nenhum telejornal tem início neste horror e os líderes nacionais, europeus, a UE e o SG da ONU estão calados.

São bebés, doentes, idosos, não se trata de um grupo étnico, não fomos alarmados pela notícia de um campo de concentração para outra categoria de pessoas, por isso não há empatia, são seres humanos, ninguém está de acordo com as perseguições e com o campo de concentração, mas daí a reagir vai toda uma cultura de adesão total à consideração de que os mais fracos são vítimas históricas e nenhum direito conferido ao resto da população lhes pode ser negado.”

Pois é, o resultado é deveras surpreendente. Mas não se fiquem por estes exemplos. No texto de Isabel Moreira, onde se lê homofobia, leia-se eugenia. E onde se lê gays ou homossexuais, leia-se bebés, doentes, idosos, o que quiserem; tanto faz. Substituam pelos mesmos do costume: os mais fracos.

Sem o saber, Isabel Moreira acaba de escrever um artigo de opinião a defender a vida humana e, por conseguinte, a atacar o aborto, a eutanásia e todas as formas passíveis de incentivar a cultura de morte que a própria apregoa. No fundo, escreveu um texto a atacar-se a si própria. Já não era sem tempo. E o que significa isso: uma nova Isabel Moreira ou um (feliz) erro de percurso? Talvez vá pela segunda opção. Para Isabel Moreira já basta uma, única e irrepetível.

Quanto ao essencial, isso a que chamam de dignidade da pessoa humana e de liberdade, essas não têm dono, nem cor, política ou de pele, nem são património exclusivo de uma minoria que faz parte de um todo. São nossas. São de todos. São universais.

Afinal, se são seres humanos somos todos nós, não é?

Advogado