O jogo da baleia azul veio criar uma onda de pânico e alarmismo entre pais, professores e alunos. O tema não deve ser abordado de forma sensacionalista, descrevendo-se, por exemplo, os pormenores mórbidos do jogo, como aconteceu com algumas notícias veiculadas pela comunicação social. Esta abordagem aguça a curiosidade dos jovens, podendo aumentar o número de participantes, e o risco de mimetismo suicida em indivíduos fragilizados. No entanto, pais e professores podem e devem advertir os jovens para os riscos deste jogo perigoso e de outros similares, aplicando-se aqui as regras gerais de segurança da utilização da internet. O resto deve ser entregue ao cuidado da polícia e do Ministério Público.
Nunca como hoje os seres humanos tiveram tantas possibilidades de estarem conectados, através das novas tecnologias de comunicação, e nunca como hoje houve tantas pessoas a experimentar o abismo da solidão. O ciberespaço, proporcionado pela internet, tem contribuído para o desaparecimento das comunicações presenciais, tornando cada vez menos frequente a experiência de estar na presença do outro. Os laços sociais têm vindo a ser substituídos por ligações virtuais, digitalizadas, em que cada pessoa comunica com a outra dentro do seu casulo isolado, nalguns casos sob a cobertura do anonimato.
Os ecrãs dos telemóveis e dos computadores transformaram-se em autênticas máquinas de dessocialização. Basta olhar à nossa volta para vermos casais em restaurantes, sem proferirem uma palavra entre si, com os olhos vidrados nos ecrãs dos telemóveis. Somos confrontados com grupos de jovens reunidos em silêncio, martelando freneticamente com os dedos o teclado virtual do telemóvel, trocando, numa azáfama aflitiva, mensagens com alguém que não está presente. Observamos diariamente multidões de pessoas, hipnotizadas a percorrerem as ruas, viajando nos transportes públicos, com um telemóvel erguido em frente a um olhar vidrado, totalmente indiferentes sobre o que se passa à sua volta.
Aprisionadas no presente, numa cultura do efémero e na adição da hiperestimulação proporcionada pelos ecrãs, a vida interior de muitas pessoas transforma-se numa aridez preocupante. Uma parte da sociedade está desorientada num mundo de superficialidade, sem ter capacidade para efetuar uma reflexão mais profunda sobre vários assuntos, e sem ambicionar obter respostas sólidas e duradoras. Nesta relação doentia entre o Homem e a máquina, a máquina tem vindo a capturar o Homem, retirando-lhe o interesse social e estupidificando-o.
O hiperindividualismo, alimentado por esta cultura dos ecrãs, tem agravado o desinteresse dos jovens relativamente à vida pública, reduzindo a sua participação quer no associativismo, quer na política. Este fenómeno ajuda-nos a compreender por que é que os partidos tradicionais estão a perder cada vez mais influência política na sociedade, bastando dar como exemplo as recentes eleições presidenciais francesas. Muitos não votam e não mostram qualquer entusiasmo pela política, nem tão-pouco revelam interesse pela própria vida.
Os “desinteressados da vida” formam um verdadeiro exército de pessoas desvinculadas, sem pertença, que vivem adormecidas numa indolência perigosa, em risco de serem recrutadas por líderes populistas e extremistas. Este recrutamento tanto pode servir para matar em nome de uma ideologia radical ou de um grupo terrorista (veja-se o tipo de recrutamento realizado pelo Estado Islâmico nos jovens europeus), como pode ser utilizado para morrer, num jogo absurdo e perverso, como é o caso da baleia azul.
O Homem tem uma inclinação natural para socializar. Quando essa característica é comprometida, o indivíduo fica fragilizado, favorecendo o aparecimento de comportamentos imprevisíveis e autodestrutivos. As novas tecnologias estão a modificar a relação entre as pessoas, se o seu uso não for equilibrado podem colocar em risco a coesão social. Citando Ortega y Gasset, “convém salientar que não há nenhum progresso seguro, nenhuma evolução, sem a ameaça de involução e retrocesso”.
Médico Psiquiatra