Nos tempos que correm, emerge uma nova consciência global sobre a falência do modelo produtivista e intensivo, reconhecendo-se a necessidade de adotar uma visão integrada e multifuncional da produção e comercialização de produtos agropecuários, que reconheça as suas múltiplas funções e valências, no plano da sustentabilidade e biodiversidade económica e ambiental.
Na exploração tradicional do montado alentejano, a multifuncionalidade é notória. Os recursos disponíveis, mesmos os mais escassos, são utilizados de forma extensiva e diversificada, mas o seu aproveitamento é eficiente e equilibrado. Cada um dos três estratos da vegetação – herbáceo, arbustivo e arbóreo – contribui para a preservação do solo e da água, a conservação da biodiversidade, a regulação do clima, a capacidade adaptativa da pastagem e o combate à desertificação.
As alterações socioeconómicas observadas nas décadas de 1960 e 1970 provocaram a redução ou mesmo o desaparecimento de muitos dos usos tradicionais do montado e estes ecossistemas têm sofrido um duplo processo de abandono e intensificação da produção. Perante esta conjuntura, extremamente prejudicial para a sustentabilidade do montado alentejano e do conjunto de serviços prestado por este ecossistema, a defesa premente da manutenção da sua exploração extensiva, permitindo que permaneça um dos ecossistemas mais bem preservados da Europa, deverá ocupar lugar de destaque na consciencialização e nas políticas públicas de preservação do património cultural e ambiental.
Mas, como não há bem sem senão, a disseminação deste modelo não depende apenas dos produtores agropecuários, embora estes sejam chave-mestra enquanto gestores diretos dos ecossistemas. Como qualquer atividade económica, a agropecuária assente na conservação da biodiversidade depende dos mercados de suporte, logo, de toda a sociedade. Sem a criação de mecanismos mais eficientes que remunerem e incentivem os serviços de regulação e suporte, sem consumidores mais conscientes que valorizem a segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental, a agropecuária sustentável não poderá desenvolver-se, porque lhe faltará um dos pilares essenciais: o pilar da sustentabilidade económica.
Desta forma, é essencial que todos os intervenientes, dos produtores aos consumidores, tenham a perceção conjunta da singularidade do montado e da contribuição deste sistema para a preservação da biodiversidade. A manutenção da sua multifuncionalidade e dos mosaicos de microecossistemas, resultantes da conjugação de fatores abióticos, bióticos e da ação humana, só é possível através de uma gestão que integre o uso eficaz e sustentável dos recursos e a conservação da biodiversidade. A diversificação e eficiência tradicionais do uso do montado incluem o pastoreio extensivo de várias espécies de ruminantes que, alimentando-se exclusivamente de erva e bolota, dão origem a produtos de qualidade, associados à certificação e controle de riscos alimentares, isentos de hormonas, antibióticos e conservantes, com um equilíbrio inigualável entre proteína e energia, o melhor que a Dieta Mediterrânica nos proporciona.
A Dieta Mediterrânica, considerada uma das mais saudáveis do mundo, constitui um modelo cultural, focalizado não só em torno da história da alimentação e de práticas nutricionais, mas também em aspetos relacionais no seio das comunidades e em valores fundamentais, que dão suporte a um estilo de vida e modelo alimentar, que integra o património histórico-cultural do País, de forma muito evidente na região a sul do Tejo. Estando o montado alentejano e a produção extensiva tradicional estreitamente associados a este modelo de alimentação, que compatibiliza a conservação do ambiente com a saúde e o bem-estar humanos, é urgente a sua revalorização pública.
Professora Auxiliar, Dep. Biologia/ICAAM, Universidade de Évora