Habituamo-nos a pensar que não conseguimos fazer aquilo que nunca fizemos, e aquilo que nos repugna fazer.   Tratar dos outros quando isso envolve repugnância parece portanto uma tarefa impossível; e a repugnância parece um obstáculo inultrapassável.     Há naturalmente pessoas que fazem esse serviço por nós, e a quem pagamos.  E contenta-nos pensar que, em podendo, lhes podemos pagar para que nos seja poupado não o trabalho, como se pensa muitas vezes, mas justamente a nossa repugnância.

Em certos casos (e.g. crianças pequenas), lidar com os dejectos dos outros é comparativamente mais fácil.  Sabemos que o fazemos para que as pessoas com quem temos de lidar se tornem autónomas, e deixem de precisar de quem remexa nelas.   A verdadeira dificuldade só aparece em circunstâncias em que falta esta certeza, em especial quando sabemos que as coisas só vão piorar, e vão piorar cada vez mais.

Veja-se os casos em que pela primeira vez temos que tratar de uma pessoa muito velha ou muito doente, sem qualquer experiência, sem qualquer preparação, ou em qualquer emergência.   Se nos tivessem dito antes o que haveríamos de vir a fazer teríamos fugido a sete pés.   Estas descrições têm o condão de meter medo, e de tornar ainda mais difícil o que já de si é repugnante;  mais tarde, se nos acontece ter de cumprir essa tarefa, encontramos frequentemente um alívio sombrio em impressionar os outros com histórias das nossas façanhas.    Podemos desta maneira trocar o medo que sentimos por uma reputação imerecida de valentia.

E no entanto há uma espécie de coragem particular que só sobrevém em situações de ignorância e inépcia; a altura em que pela primeira vez, e sem grande alternativa, temos que fazer coisas de que nunca nos julgaríamos capazes.   O melhor exemplo são as ocasiões em que os dejectos dos outros entram em contacto connosco.   A alguns durante filmes violentos intriga o modo como uma peça de roupa em condições normais de limpeza que foi prolongamente ensopada em sangue poderá readquirir a sua pureza pristina.   Não são apenas inquietações de dona de casa:  são a expressão do horror daquele primeiro momento incontrolado de contacto com os outros.

O primeiro momento, porém, não dura para sempre.  Uma vez estragada a camisola, ou sujas as mãos, não há grande coisa a fazer.  Nessas alturas a afeição pela camisola defunta e pelas nossas mãos incontaminadas atenua-se muito; percebemos que a nossa repugnância era apenas, como dizia um general nas suas memórias, uma certa ideia da repugnância.    Podemos até vir a achar nisso alguma satisfação; será em parte a satisfação das coisas bem feitas, da fralda bem mudada e da retrete bem limpa; mas é sobretudo a satisfação de perceber que nos tornámos sem querer numa daquelas pessoas a quem costumamos pagar para que o nojo nos seja poupado.

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