A divulgação do Esboço do Orçamento do Estado para este ano – é mesmo assim que se chama e está aqui – confirma a ideia que o anúncio do fim da austeridade foi manifestamente exagerado.
Os dados que estão no documento são ainda escassos mas a partir deles é possível tirar já algumas conclusões sobre o caminho orçamental que este governo começa a percorrer.
O “bom aluno” – se é possível aplicar o adjectivo a um país que se tem comportado como delinquente fiscal – está vivo e de boa saúde. O programa do Governo, que tem apenas um mês, apontava para um défice orçamental de 2,8%. Bruxelas exigiu, entretanto, um esforço adicional para baixar o desequilíbrio das contas públicas para 2,5%.
O Governo não chega lá mas fez o caminho quase todo e apresenta 2,6% de défice para este ano. É uma evolução que deve registar-se de forma positiva porque ainda estamos longe da consolidação fiscal e nunca devemos esquecer que mais défice significa mais dívida. E se esta é dada como insustentável aos níveis a que se encontra, certamente não se tornará sustentável se continuarmos a aumentar a factura. Se em vez do programa do Governo olharmos para o programa eleitoral do PS, a evolução é ainda mais notável. António Costa começou por trabalhar com um défice orçamental previsional de 3% para este ano. A descida para 2,6% significa um “corte” de 750 milhões de euros em oito meses.
Há sempre um aumento de impostos à mão para ajudar a equilibrar as contas. Desta vez são os combustíveis, o selo e o tabaco. Por junto, são quase 400 milhões de euros a mais que saem dos bolsos dos contribuintes para os cofres do Estado. No caso do tabaco, a subida é inatacável por todas as razões e mais algumas. Nos casos do selo e dos combustíveis, os aumentos serão menos visíveis mas nem por isso deixam de ter um impacto semelhante ao que teria um aumento do IVA, por exemplo.
Não é pelo crescimento económico que se vai reduzir o défice. O crescimento previsto no Programa de Estabilidade e Crescimento 2015-2019, apresentado em Abril do ano passado pelo governo PSD/CDS, era de 2,0%. O Governo do PS prevê agora 2,1%. Com uma taxa de crescimento semelhante, o caminho é o clássico aumento de impostos+corte na despesa de funcionamento. Alguma coisa de novo?
Já podemos fazer algumas contas sobre as opções sociais na reposição de rendimentos. Já sabíamos que as pensões mais baixas aumentariam, no máximo, entre um e 2,5 euros por mês e que os abonos de famílias sobem, quanto muito, 5 euros. E que iam ser repostas as regras que vigoravam em 2012 para o Complemento Solidário para Idosos e para o Rendimento Social de Inserção. Nestes grupos estão os cidadãos que constituem os casos mais urgentes de pobreza ou risco de pobreza e que sobrevivem com as prestações sociais. Mas, todos juntos, vão repartir aumentos de prestações de 150 milhões de euros.
Em contrapartida, a reposição dos cortes salariais na função pública que foi feita a partir dos 675 euros, vai implicar um aumento da despesa de 450 milhões de euros este ano. E a descida do IVA na restauração a partir de Julho vai custar 168 milhões de euros.
Este alinhamento de prioridades é ditado pela avaliação de emergência social ou é sobretudo para responder ao poder reivindicativo de sindicatos e corporações?
O anunciado “tempo novo” não chega a todos da mesma maneira nem com a mesma urgência, como se vê. Porque não há dinheiro, como agora se percebe. Porque a austeridade é uma necessidade e não uma opção. E porque há a clara noção de que o país volta a estar sob apertada vigilância internacional dos credores e das agências de rating. E, gostemos disso ou não, continuamos a precisar deles para financiar o Estado e a economia. Entre o cumprimento irresponsável de promessas eleitorais e a quebra da palavra dada, ainda assim é preferível esta última. Aparentemente, este governo pensa da mesma maneira.
Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com