Ele, deitado na cama da UCI, tinha 86 anos. Ela, sentada na cadeira ao seu lado, tinha 84 anos.
Perguntou-me “então Dr, que me diz?”.
Eu já tinha explicado tudo ao filho, homem grande, alto e forte. Que o gânglio da axila era maligno, o que queria dizer que todos os gânglios dentro do peito, nos pulmões e à volta deles eram malignos também. Que não tínhamos solução e que o seu pai iria morrer mal parássemos os tratamentos que o mantinham artificialmente vivo. E o filho, homem grande, alto e forte, subitamente pequeno e de olhos molhados, a tentar não chorar, perguntou “ai, o que é que eu digo à minha mãe? Ela não vai aguentar”. Disse-lhe se queria que eu tentasse. Encolheu os ombros. E eu lá fui ter com ela, sentada ao lado da cama. E agora ela perguntava-me “então Dr, que me diz?”.
Perguntei-lhe: “e a Sra, o que é que me diz, o que é que pensa sobre isto?”.
Ela disse “penso que ele vendia saúde, e agora… nem para ele nem para ninguém. Que coisa tão velhaca que lhe foi acontecer”.
Com muito jeitinho, expliquei-lhe que eu achava que o seu marido não ia sobreviver, que não ia superar aquela situação, que o seu tempo era curto e o fim estava para breve.
Não chorou alto, não gritou, nem tremeu. Com uma mão, alisava sem fim a colcha da cama, já bem direitinha. Com a outra mão segurou a minha, que lha ofereci. E disse, olhos com lágrimas, dignas, postos nos meus: “terei que me aguentar, não é Dr? Terei que me aguentar”. E não disse mais nada, mão a apertar a minha, mão a alisar a colcha, lágrimas silenciosas a escorrer pela cara.
Aguentei o mais que pude (homem não chora, médico não chora), fiquei com ela o mais que pude, dei-lhe festas na cara, cheio de vontade de lhe dar um beijinho, enquanto sentia o filho a chorar baixinho atrás de mim.
Por fim levantei-me, passei pelo filho e bati-lhe no ombro. Passei pelos enfermeiros, em silêncio a olharem para mim, e fui para o gabinete.
Fechei a porta.
Médico.