Quando a Espanha aderiu à Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1986, as Canárias, um arquipélago ao largo da costa africana, era uma das regiões mais pobres da Europa. Desde então, beneficiando das ajudas europeias e do acesso ao mercado único, o crescimento do rendimento dos seus habitantes tem sido acelerado, o seu desenvolvimento económico tem sido rápido e o bem-estar das suas populações tem aumentado significativamente. É, no entanto, curioso que numa Espanha fracionada por ferozes faciosismos regionais, o movimento independentista nas Canárias não tenha chamado a atenção nem pela sua virulência, nem sequer pela sua loquacidade.

Um pouco antes, em 1975, Cabo Verde, um arquipélago ao largo da costa africana a sul das Canárias, tinha-se tornado independente, não só devido a vontade própria, mas também empurrado por vontade alheia. O desejo de ser independente, livre e autónomo é louvável, não só nos indivíduos, mas também nos povos, e por isso o fato de o povo de Cabo Verde ter agarrado a oportunidade quando ela lhe surgiu é meritório. Desde então, não obstante a pobreza dos seus recursos naturais e de vários entraves estruturais ao crescimento, Cabo Verde tem feito um notável percurso de desenvolvimento económico e humano, e também de melhoria na qualidade de vida dos seus habitantes, através da liberalização e abertura da sua economia. É verdade que o seu rendimento per capita é ainda uma fração do das Canárias, mas é um país democrático, livre e em paz, e já deixou de ser um dos países mais pobres do mundo, como o era há quarenta anos.

Imaginemos, no entanto, que por algum motivo Cabo Verde tinha decidido adiar a sua independência por uns anos. Que lhe teria acontecido? Certamente que em 1976 se teria tornado numa Região Autónoma tal como os Açores e a Madeira. Depois, quando Portugal iniciou o seu processo de ascensão à CEE em 1977, decerto que teria sido também incluído, juntamente com os Açores e Madeira, no dossier de adesão. À medida que as diversas ajudas comunitárias de apoio ao desenvolvimento regional e humano tivessem sido disponibilizadas, e com a consciencialização de que ainda mais viriam no futuro próximo, o desejo de adiar o início do processo de independência, pelo menos entre aqueles que as recebiam e administravam, ter-se-ia intensificado. Com a adesão à CEE em 1986 e o aumento dos apoios comunitários, a vontade de adiar o projeto de independência nacional ter-se-ia alargado a uma faixa populacional mais ampla. É razoável assumir que dentro da União Europeia (UE) o crescimento económico cabo-verdiano teria ainda sido mais espetacular do que foi, mesmo que não resultasse no nível de rendimento que as Canárias têm hoje. E depois viriam ainda o Euro e Schengen. E uma vez dentro do Euro e de Schengen quem seria o cabo-verdiano que quereria a independência, deixar a UE e aderir à OUA? É provável, no entanto, que Região Autónoma estivesse a lidar hoje com uma crise de refugiados e a sofrer das decorrentes tensões sociais e falta de segurança. Não há UE sem senão.

Se em 1975 tivesse adiado por um pouco a independência, possivelmente Cabo Verde tê-la-ia adiado até hoje. Provavelmente seria bastante mais rico. Mas de certeza que seria menos autónomo e independente. Mas, ter aproveitado a janela de oportunidade em 1975, terá sido visão estratégica ou acaso?

José Miguel Pinto dos Santos é Professor da AESE Business School e José Ramón Pin é Professor da IESE Business School

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