O antigo primeiro-ministro francês, Michel Rocard, disse, em Doha, que o inimigo dos países europeus endividados é a doutrina económica que lhes diz para pagar as suas dívidas mesmo que isso implique a sua morte e a recessão.

“Devemos condenar a doutrina monetária que diz aos países com dívidas que têm de pagar o que conseguirem mesmo que não sobrevivam e que isso os mate e crie recessão na sua casa. Esse é o inimigo”, disse em entrevista à agência Lusa Michel Rocard, afirmando que isso é o que está a acontecer em países europeus com dívidas soberanas elevadas, como Portugal, Espanha e Grécia, correndo a Itália e a França o mesmo risco.

O antigo primeiro-ministro francês, durante o mandato de François Miterrand, falava à margem do 14.º Doha Forum, organizado pelo Estado do Qatar, que decorre na capital até 4ª feira. Michel Rocard falava da crise financeira da Europa acrescentando que além deste problema de teoria económica, há um outro, legal, relacionado com a capacidade das autoridades europeias para decidir tratar da crise.

“Mais do que os impostos, que podem ajudar e limitar os estragos, mas não são suficientes, a questão passa por proibir a especulação”, sublinhou.

O antigo governante francês descreveu aquele que tem sido o movimento de aumento dos passivos não garantidos nos mercados especulativos, que só no ano passado atingiram três vezes mais do que o Produto Interno Bruto mundial e considerou essencial a separação na atividade bancária entre a gestão dos depósitos na economia real e as atividades especulativas.

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“Temos de ter uma resposta comparável à de Franklin Roosevelt em 1930 nos Estados Unidos e que passa, nas atividades bancárias, pela separação da gestão dos depósitos na economia real das atividades especulativas”, avisou.

Se houver “uma clara barreira entre os dois”, defendeu, então “provavelmente proíbe-se o risco”.

“Gostaria de ver uma Europa capaz de decidir na sua própria casa, mas este ainda não é o caso”, disse, referindo-se à incapacidade da União Europeia de governar e classificando as dívidas soberanas na Europa como “coisa pouca” perto dos valores dos mercados especulativos, que “não têm qualquer relação com a realidade económica”.

“Todos estão a tentar limitar os danos nos seus próprios setores, mas a solução mais eficaz é proibir a especulação mais do que [a aplicação dos] impostos”, sublinhou.

E avisa que uma nova bolha especulativa pode voltar “a explodir”, afirmando que parte já “explodiu” em 2006/2008.

Para impedir que tal aconteça e que “se possa sobreviver”, Michel Rocard considera “necessária” uma espécie de “polícia financeira”, capaz de limitar a ligação entre os mercados especulativos e as economias de mercado.

O 14.º Doha Forum arrancou na segunda-feira, com a presença do Emir do Qatar, a primeira figura do país, Sheikh Tamim Bin Hamad Al Thani, conta com mais de 600 participantes de mais de 80 países e organizações e é considerado “um palco de diálogo livre e responsável”.