Espanha voltou a invadir Lisboa. Nas ruas, futebol. Futebol e bandeiras, futebol e música, futebol e turistas. E “fiesta”, sobretudo, não fossem os espanhóis peritos em festejar as vitórias dos clubes do seu coração. E essa é para já a única certeza para o jogo deste sábado entre o Real de Madrid e o Atlético de Madrid – a taça da Liga dos Campeões seguirá para Espanha.
No museu da UEFA Champions, o barulho de fundo é escocês, ao contrário do que se passa do lado de fora da porta da Rua do Arsenal, em plena baixa lisboeta e ponto turístico de referência. No número 21, muito branco e verde, as cores do Celtic, equipa que venceu a primeira final da Liga dos Campeões portuguesa, em 1967.
Os “Lisbon Lions”, que é como quem diz os “Leões de Lisboa”, como passaram a ser chamados, estão de volta. Mais velhos, de sorriso no rosto, dizem que gostam de regressar à capital portuguesa. Jim Craig, 71 anos, cruza lembranças com emoções – a vinda ao estádio da Luz lembra-lhe os cinco colegas de equipa que já faleceram e o próprio pai, que assistiu ao jogo de 67 e que recorda com saudade, enquanto fala com o Observador.
A primeira final europeia realizada em Portugal aconteceu no Estádio do Jamor e os planos para o fim-de-semana incluem uma visita à “casa” que fez dos jogadores do Celtic eternos reis da selva. “É tudo muito emotivo, mas é óptimo estar aqui com os ‘rapazes’, ouvir as velhas piadas e histórias. Ainda nos rimos com elas”, conta o defesa-direito, que também é dentista.
Jim Craig, que depois da grande final voltou a Portugal quatro vezes, duas para acompanhar o Celtic e outras duas de férias, explica que o que mais recorda de Lisboa não é a final de 1967, mas o jogo contra o Benfica em 1969, na segunda mão da segunda ronda da Taça dos Campeões Europeus. Estranho? Não, se tivermos em conta que foi este o motivo pelo qual a a UEFA deixou de decidir jogos através do sistema “moeda ao ar”. Depois da vitória do Celtic por 3-0, em Glasglow, e da vitória do Benfica, com a mesma vantagem, no Estádio da Luz, e esgotados os 30 minutos de prolongamento, a pergunta do árbitro foi: “cara ou cora?”. E a sorte fez o que tinha a fazer: decidiu. O Benfica foi eliminado em casa e a equipa de Jim Craig passou à fase seguinte.
“O Celtic não ficou satisfeito com a forma como tinha vencido e protestou junto da UEFA. No ano seguinte, as regras mudaram e a UEFA introduziu o sistema de penáltis. Foi a última vez que se decidiu um jogo com uma ‘moeda ao ar’”, recorda.
Jim Craig aposta no Atlético para vencedor do jogo deste sábado, mas acredita que a partida vai ser renhida e decidida com um golo.
Sobre o jogo que estima trazer mais de 70 mil espanhóis a Lisboa, Jim Craig confessa ter um favorito à vitória. Pela semelhança com o Celtic de 1967, as apostas do ex-defesa-direito escocês vão para o Atlético. “O meu dinheiro está no Atlético de Madrid”, diz, rindo e acrescentando que, se acertar nas previsões, o jogo há-de ser renhido e decidido com um golo de diferença.
Sobre o jogo de 1967, recorda a defesa do Inter de Milão ao estilo “catenaccio”, uma tática de futebol pragmática, defensiva e que se centra na velocidade do contra-ataque. E da fama que persegue os “Leões de Lisboa”. “Quando me veem na rua, as pessoas ainda dizem ‘Ele é um leão”. Recordo-me que um dia, um dos meus netos , com dois anos, disse ‘mas ele não se parece com um leão’, conta, rindo, como tão bem sabem rir os avós das graças dos netos.
Os cinco filhos, quatro deles jogadores de râguebi, herdaram a fama do pai. Quando são citados na imprensa, aparecem com a referência ao laço que os une ao “leão de Lisboa Jim Craig”.
Sobre a cidade que revisita hoje, diz estar completamente diferente da de 67, que adora voltar e que é sempre bem-recebido. Os cabelos brancos com sotaque escocês e camisolas do Celtic que se vêm no museu da UEFA trazem nostalgia no sorriso. Não daquela que faz chorar, mas daquela que quer lembrar Lisboa para o resto da vida.