Apesar da troca de acusações entre PS e partidos do Governo ter aumentado de tom por causa das eleições europeias, os dois lados têm feito aproximações mesmo em matérias tão sensíveis como os espiões e a segurança do Estado. E esse acordo aconteceu mesmo em plena campanha eleitoral.

PSD, CDS e PS já aprovaram quase todas as alterações que a maioria queria fazer à lei-quadro que regula o sistema de informações em Portugal e a que estabelece a orgânica dos serviços. A votação já feita artigo a artigo na comissão de Assuntos Constitucionais no Parlamento mostra como, afinal, estes partidos conseguem estar de acordo. O PS, que também tinha apresentado projectos próprios, votou a favor ou absteve-se na esmagadora maioria dos casos nas propostas de alterações da maioria.

Assim, já foi aprovado, por exemplo, o novo registo de interesses dos funcionários das secretas que obriga à declaração de “filiação em entidades de natureza associativa”, o que abrange a maçonaria. Tanto a maioria como o PS, nas propostas que apresentaram, contemplavam esta alteração de maneira a controlar os espiões maçons. O caso Jorge Silva Carvalho, ex-diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa que saiu do cargo para ir trabalhar para a Ongoing, e que entretanto está a ser julgado por crimes de violação do segredo de Estado, abuso de poder e corrupção, fez saltar para as luzes da ribalta as ligações que existem entre maçonaria e secretas.

Por outro lado, os partidos concordaram na necessidade de haver ‘um período de nojo’ de três anos para a transição de ex-espiões para o setor privado. Para que isso se efetive, passará a haver “um mecanismo compensatório da restrição à liberdade de escolha de profissão e à liberdade de iniciativa económica privada”, ou seja, o Estado vai ter que compensar financeiramente durante esse período os agentes que queiram sair.

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Os socialistas deixaram passar estes artigos, abstendo-se. Outro ponto que acabou por não ter a oposição do PS diz respeito à suspensão de funções de elementos das secretas que estão envolvidos em processos judiciais. “Movido procedimento criminal por crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos contra agente (…) ou dirigente (…), e acusado este definitivamente, fica obrigatoriamente suspenso (…) e, transitada em julgado a decisão condenatória, cessa automaticamente o direito de aquisição de vínculo ao Estado”, lê-se. Se esta norma já existisse, o Governo e Jorge Silva Carvalho não estariam ainda a discutir a reintegração do ex-espião.

O PS não concordou com apenas quatro alíneas em dezenas de artigos, nomeadamente, aquela que diz que a violação dos deveres por parte dos funcionários das secretas poderá ser punida com multa ou impossibilidade de trabalhar para o Estado durante cinco anos.

A votação ocorreu dia 14 de maio, ou seja, já em período oficial campanha eleitoral – foi a última reunião da comissão de Assuntos Constitucionais antes das eleições europeias (o Parlamento interrompeu os trabalhos por alguns dias).

O deputado do PS, Pedro Delgado Alves, explicou ao Observador que não havia “diferenças de fundo” com a direita nestes diplomas e que, no caso do registo de interesses, as “formulações [da maioria e do PS] não eram muito distintas”. Segundo o deputado, a maioria acolheu a visão dos socialistas no que diz respeito à audição (prévia à designação) dos dirigentes dos serviços na Assembleia da República.

A votação na especialidade dos artigos que restam (que se cruzam com os diplomas do segredo de Estado, ainda em discussão) devia ter sido concluída na quinta-feira à tarde, mas foi adiada para a próxima semana. Neste campo, as diferenças entre a maioria e o PS prendem-se com o âmbito do segredo (os partidos do Governo querem alargar mais), a composição da Comissão de Fiscalização das secretas e a articulação do direito à defesa com o segredo de Estado. As leis têm que ser depois votadas em plenário na votação final global.

Para além da questão das secretas, a maioria e o PS deverão chegar a acordo também nas leis estruturantes da Defesa Nacional. Quinta-feira, foram discutidas na generalidade a Lei de Defesa Nacional e a Lei de Bases e de Organização das Forças Armadas e esta sexta-feira o PS absteve-se na votação. “Temos sérias reservas, mas estamos disponíveis para consensos alargados”, disse o deputado socialista Marcos Perestrello quinta-feira à tarde durante a discussão, sustentando que “as Forças Armadas não devem estar permanentemente sujeitas a mudanças”.

A Defesa, tal como as questões de serviços de informações, são matérias em que tradicionalmente tem havido consenso entre PSD e PS.