Dez anos depois do mediático casamento de Felipe com Letizia, os príncipes das Astúrias são agora obrigados a “consolidar a sua relação com a sociedade” espanhola, começa por dizer o diário espanhol El País, depois da notícia de que o rei Juan Carlos abdicou do trono. Dez anos de matrimónio que coincidiram com dez anos difíceis para a monarquia espanhola e que agora herdam, entre outras questões, uma muito sensível – a ambição independentista da Catalunha e, por tabela, das restantes regiões autónomas.

No rescaldo do anúncio, feito às 10h30 (hora local), as reações multiplicaram-se e dividiram-se. Se há quem fale em “garantia de futuro” com a sucessão do príncipe Felipe, nas redes sociais surgem palavras de ordem contra a a monarquia, especialmente vindas das regiões separatistas, exigências de referendar a continuidade do regime, e apelos para Espanha sair à rua esta noite.

Os partidos mais à esquerda também aproveitam o momento para subir o tom. “É hora do povo falar, é a hora de darmos lugar à democracia com maiúsculas”, disse o líder da Esquerda Unida, Cayo Lara, que diz ser “inconcebível continuar a falar-se de direito de sangue” em Espanha. Certo é que os recentes escândalos de que tem sido protagonista – como o caso da viagem de luxo ao Botswana para caçar elefante ou o escândalo de corrupção da filha Cristina e do marido Urdangarin – fizeram com que a popularidade do rei Juan Carlos caísse a pique no último ano. Uma sondagem feita pelo El Mundo no ano passado mostrava que cerca de dois terços dos espanhóis queriam que o rei abdicasse. Uma realidade muito diferente da de há apenas dois anos, quando outra sondagem dava uma percentagem de aprovação do rei de 80%.

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Do plano institucional, o líder da oposição socialista, Alfedo Pérez Rubalcaba, que se demitiu depois das eleições europeias, a classificar a decisão do rei como “um dos feitos políticos mais importantes que aconteceram em Espanha desde a recuperação da democracia”. Do PP de Rajoy, por outro lado, chegam elogios ao monarca, com o deputado Rafael Hernando a dizer que é um “ato de patriotismo de alguém que escreveu uma das melhores páginas da História de Espanha”.

Olhos postos em Felipe VI

Mas enquanto isso, analisa-se a sucessão do príncipe Felipe, 30 anos mais novo do que o pai. E as expectativas são altas. “É necessário modernizar a forma de o rei se relacionar com a sociedade”, escreve o El País, destacando uma maior abertura para a utilização das redes sociais por parte da família real e uma maior transparência nas contas da casa real como atitudes fundamentais do rei que se segue. “É necessário ir nessa direção, à semelhança do que fazem outras casas reais da Europa”, lê-se no editorial.

Ao longo dos últimos dez anos de casamento entre Felipe e Letizia, os espanhóis têm reunido, de forma geral, boas impressões do príncipe que, não podendo reinar, tem sabido intervir onde lhe compete. É que, como explica o El País, não é fácil agir na qualidade de príncipe, que não tem a autoridade do rei mas não deixa de ser visto como alguém que tem uma palavra a dizer na qualidade de sucessor ao trono. Não haver legislação sobre os estatutos do herdeiro da Coroa também não ajuda. Precisamente por isso, o editorial daquele diário espanhol, elogia o trabalho do príncipe Felipe, que tem substituído o rei em missões de representação sempre que necessário.

“É difícil fazer um bom trabalho tendo de gerir esse equilíbrio, mas é aí que reside o teste à capacidade de Felipe – resistir às tempestades e demonstrar que vai ser capaz de lidar com as tarefas futuras”, escreve o jornal. Tempestades que não são difíceis de adivinhar que virão dos lados da Catalunha, onde o príncipe Felipe tem tido um papel importante e marcado presença por diversas vezes.

Ao contrário da popularidade de Juan Carlos, a do príncipe Felipe tem-se mantido estável ao longo dos últimos anos, nos 66%. Mas já correm conselhos para um reinado de sucesso. “A monarquia deve basear-se no exemplo”, diz o El País, mostrando como Juan Carlos se desculpou por erros cometidos no passado e procurou recuperar a confiança dos espanhóis. “É esse o caminho”, remata.