Este texto foi originalmente publicado em junho de 2014, e relata a última lição que o neurocirurgião deu no auditório do Egas Moniz, em Lisboa.

Quando um dos seus netos lhe perguntou qual era o sentido que dava à vida, João Lobo Antunes respondeu-lhe que tinha nascido com determinados talentos que havia “aperfeiçoado e polido” e que a obrigação dele [do neto] era a de “multiplicar os talentos que tinha recebido”. Essencialmente através da educação, explicou o cirurgião. Este foi um dos episódios que João Lobo Antunes, que faz na quarta-feira 70 anos, contou na sua última lição, a que deu o nome “Uma Vida Examinada”.

Foi no auditório Egas Moniz da Faculdade de Medicina do Hospital de Santa Maria, onde se licenciou e doutorou, onde dirige o serviço de neurocirurgia e onde agora se jubilou. Na sua intervenção, falou da herança com que nasceu e do papel da educação, dos livros e dos mestres na construção intelectual e na construção “de um homem que a medicina fez médico”.

O neurocirurgião recordou a família e mostrou a sua árvore genealógica, onde há vários médicos. Como o pai, João Alfredo de Figueiredo Lobo Antunes, que trabalhou perto de Egas Moniz, ou o tio-avô, Almeida Lima, que o neurocirurgião disse ser “o braço direito” do Nobel da Medicina. Em 2010, Lobo Antunes sentiu “a obrigação” de escrever a biografia de Egas Moniz, uma vez que tinha nas mãos uma grande quantidade de material inédito sobre o médico.

Durante os anos do liceu, Lobo Antunes passou as férias de verão na casa dos pais em Benfica. A mãe e os irmãos partiam para férias e ele estudava – o ritmo marcado pelas badaladas do relógio da Igreja de Benfica: “Começava às nove com o sino da igreja, acabava à uma, recomeçava às três, acabava às oito, recomeçava às nove a acabava às onze”. Nesta “Vida Examinada”, incluiu também fotografias desses dois locais que marcaram a infância, a juventude e a disciplina intelectual. Lembrando esses tempos, Lobo Antunes citou Nemésio: “Li muito, li tudo – para o que desse e viesse”.

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Da família, Lobo Antunes passou para “os mestres”, aqueles que o “ensinaram a pensar, a construir um edifício moral” e aqueles que lhe “ensinaram o ofício”. De todos eles, destacou Juvenal Esteves, figura marcante da dermatologia portuguesa. Lobo Antunes lembrou o dia em que o dermatologista, enquanto tratava de uma úlcera, disse ao jovem médico: “Não se pode esquecer a parte artesanal da medicina”.

Três anos depois de se licenciar na Faculdade de Medicina de Lisboa, com 19,47 valores, Lobo Antunes rumou a Nova Iorque, onde frequentou a Universidade de Columbia com uma bolsa Fullbright. Ficou durante 13 anos. Desses tempos, recordou Lester Mount, um neurocirurgião de topo. Quando Mount morreu, deixou a Lobo Antunes os ferros cirúrgicos com que operara, entre outros, a atriz Elizabeth Taylor.

Em 1984 o neurocirurgião regressou a Portugal e ficou “surpreendido” com o conservadorismo que ainda reinava na Faculdade de Medicina, para onde voltou como Professor Catedrático. Então, João Lobo Antunes quis ajudar a modernizar instituição e propôs alterações como “restringir o ensino de alunos ao campus sem o abrir a outros hospitais”. E não ficou por aí. “Se há doença crónica que deve afetar um professor é o otimismo”, disse Lobo Antunes, acrescentando: “Abandono esta profissão ainda não curado”.

Do seu envolvimento com a vida da universidade, João Lobo Antunes lembrou, com orgulho, a criação do Instituto de Medicina Molecular, em 2001 e, mais recentemente, a união entre a Universidade Técnica e a Universidade de Lisboa que foi “um exercício fantástico e a demonstração de que duas instituições conseguiram um compromisso a favor do bem comum”. Esse exemplo, diz, sublinhando a palavra compromisso, devia ser seguido pelos políticos.

Lobo Antunes deixou para o fim a referência ao seu envolvimento na vida política do país, de forma mais ativa em duas situações específicas. A primeira, em 1996, como mandatário da candidatura de Jorge Sampaio à Presidência da República. Depois, em 2006, quando repetiu as funções junto de Cavaco Silva. Dessas experiências, o neurocirurgião disse que foram a exceção à ideia de que a “atividade política vai destruindo” e que foram oportunidades “extraordinárias” porque lhe permitiram ver como quer Sampaio, quer Cavaco “entendem o seu dever” e o “ofício áspero da presidência”.

Faltava uma palavra para o antigo Presidente Ramalho Eanes, a quem Lobo Antunes elogiou “o contributo para a democracia” durante o 25 de novembro e a quem o neurocirurgião disse: “Não fiz a sua campanha, mas cá estou”.

No final, antes de o Presidente da República o condecorar com a Ordem Militar de Santiago de Espada, que distingue o mérito literário, científico e artístico, João Lobo Antunes deixou uma promessa: “enquanto as mãos me obedecerem e o cérebro souber mandar eu vou continuar”.

Entre os convidados estava, para além de Cavaco Silva e Maria Cavaco Silva e doos antigos Presidentes da República Ramalho Eanes e Jorge Sampaio, os ministros da Saúde, Paulo Macedo, e da Educação, Nuno Crato, a presidente da Fundação Champalimaud, Leonor Beleza e o Patriarca de Lisboa, Manuel Clemente.