Os cabeça de cartaz do último dia da edição portuguesa do Primavera Sound não precisavam de apresentação para as cerca de 25 mil pessoas que estiveram ontem no Parque da Cidade do Porto. Os The National já atuaram meia dúzia de vezes no nosso país, e voltaram a noite passada para aquele que foi, em certos aspetos, a melhor atuação do festival.
Mas à semelhança dos relatos anteriores, vamos por partes.
Os portugueses You Can’t Win, Charlie Brow abriram (17h55) o palco NOS do último dia, e cumpriram com o esperado: folk eletrónico consistente, numa atuação que serviu para apresentar o novo “Diffraction/Refraction”.
Seguiram-se no palco Super Bock (18h50) Lee Ranaldo And The Dust, projeto que tem como figura central um dos ex-membros dos Sonic Youth.
Por várias vezes, foi possível virar as costas (ou fechar os olhos) e reconhecer a sonoridade característica da banda norte-americana (e de Thurston Moore, com quem Ranaldo dividia a guitarra). Chega ao palco e apresenta-se com palavras simpáticas, e à medida que seguia o seu alinhamento foi anunciando o nome de cada música, para ninguém se perder ou para ser mais fácil de encontrar. O som que saía do palco era tão poderoso que abafava quase por completo o experimentalismo intimista da dupla de cordas Hebronix, no palco ATP. Foi a prestação menos concorrida a que assistimos, não mais que uma dezena de pessoas ali em pé, o resto da plateia esticava as pernas, e alguns dormitavam. O som da guitarra de Ranaldo engolia tudo, e foi por isso também o primeiro grande momento da tarde.
Pela relva viram-se muitas crianças, protegidas pelos auscultadores fornecidos pelo “Mini Primavera”. Quando sob o olhar atento dos pais, claro.
O chão secou, a temperatura está amena, as crianças brincam #nosprimaverasound #ObsFEST pic.twitter.com/yxGVDejLRn
— Observador (@observadorpt) June 7, 2014
Ainda com o sol à vista (finalmente, um final de tarde ameno e seco), os Neutral Milk Hotel chegam (20h00) com um aviso decidido: “Não queremos câmaras apontadas para nós, nada de fotografias, guardem os telemóveis”. Começa bem Jeff Mangum, o líder da banda folk norte-americana. Recapitulemos: cidade do Porto, junho de 2014, nada de fotografias e telemóveis. Está bem. Vestidos à “lenhador”, com roupas garridas de lã quente, foram apoiados por muitos fãs que enchiam a frente do palco, e alguns vieram de propósito para os ver, como foi o caso de um casal alemão com quem conversámos minutos antes. Em vez de telemóveis, viram-se girassóis no ar, e muitos.
Quase às dez da noite já milhares de pessoas se apinhavam em frente ao palco principal, a guardar lugar para os The National, mas ao lado (21h25) tocava John Grant, que nos apresentou “Pale Green Ghosts” (2013).
Cantou (muito bem) e encantou, foi comunicativo e estava contente por estar ali, fez questão de pôr toda a plateia a dançar. “I’m the greatest motherfucker you will ever meet”, diz. Despede-se de luzes acesas, com uma grande ovação.
The National (22h30)
Foi um mar de gente que encheu o palco principal do Primavera Sound. Eles foram o nome maior do cartaz, e protagonizaram o espetáculo com melhor cenografia a que assistimos nestes três dias, vídeos com jogos de imagens em tempo real sobrepostas com ficção, imagens de mar e de chuva, um pé, uma silhueta, e depois muitas abstrações, que mudaram constantemente ao longo da atuação. A banda do Ohio arrancou com “Don’t Swallow the Cap”, e seguiu com “I Should Live In Salt” e “Mistaken for Strangers”. A partir daí foi um desfile de singles que a banda ofereceu à multidão, tudo o que ela queria. Falharam muitas, claro, tais como “Secret Meeting” ou “About Today”.
Matt Berninger continua bebendo, e à quarta chama ao palco St. Vincent para cantar com ele o tema “Sorrow”, como nunca o tínhamos ouvido antes. E é também essa a magia da música tocada ao vivo, a capacidade de ser reinventada a cada momento. Ela não se ouviu muito, e ele também não; aliás, algumas pessoas comentaram que havia algo de “estranho” na voz de Matt Berninger. Também achámos, mas talvez fosse apenas do vento. E continuou bebendo, ao ponto de ter ido três vezes ter com público. Bem dispostos, é notório que a banda está tão habituada a nós como nós a eles. O público ao rubro, letras sabidas de cor e salteado, plateia compacta sem desistências, músicos contentes, e o vocalista embriagado.
Terminam com o “número” que tem sido habitual nos últimos concertos: interpretaram “Vanderlyle Crybaby Geeks” em modo (quase) acústico, apenas com uma amplificação mínima por se tratar de um recinto tão grande. E assim se despediram, senhores da noite.
A massa humana desloca-se em peso para o palco ao lado, onde poucos minutos depois (00h10) se apresentou Anne Erin Clark.
Vestida de preto e com um “coração” vermelho sangue (ao longe pareceu-nos um lenço), St. Vincent parece vinda de outro planeta, pele alva quase da cor do cabelo. Uma voz robotizada anuncia a sua chegada, e pede-nos para “vivermos a experiência que se segue” (de forma mais delicada que a dos Neutral Milk Hotel, embora a substância da mensagem tenha sido a mesma). Não muito comunicativa com a voz, usa o corpo como instrumento, toca guitarra e canta com uma voz firme e limpa. “A very special welcome to the freaks”, diz, referindo-se a todos os que, como ela, gostam dos The National.
Diz-nos que “estamos todos aqui porque temos esperança”, e canta o tema “Marrow”. Sobe depois ao palanque montado no meio do palco, ela é a figura central e a última atuação do palco Super Bock.
À mesma hora, os norte-americanos Slint atraíram alguns milhares ao palco ATP. Em bom rigor, isso foi uma constante: mesmo durante as principais atrações da noite, todos os outros artistas cativaram o “seu” público. No Primavera Sound do Porto, houve gente para encher quatro palcos.
!!! (01h20)
Têm um nome estranho, três pontos de exclamação que podem querer dizer o que se quiser, desde que sejam três sons iguais; “chk chk chk” acabou por ser como ficaram conhecidos. A banda californiana deu um espetáculo que muitos não esperavam. Nic Offer (o vocalista) é todo ele um portento. Apresentou-se de camisa e calções, e dançou e cantou e pulou sem parar. Por várias vezes desceu ao fosso (a zona que separa o palco da primeira linha de espetadores) e saltou as grades de proteção, misturando-se com os fãs, dançando com eles (para desespero dos seguranças). Os seis músicos em palco tocaram o som eletro-punk-psicadélico que os caracteriza, e o ritmo foi tal que pouco interessava que canções estavam a tocar – mas identificámos como um dos momentos altos o tema “Me and Giuliani Down by the School Yard (A True Story)”.
São muito diferentes ali no palco, a riqueza dos detalhes de produção em disco perde-se ao vivo, mas são compensados pela adrenalina injetada por Nic Offer, um oferecido. A dada altura chega mesmo a dizer “come on guys, I’m only trying to get fun”, referindo-se ao facto de serem sobretudo os rapazes (e não as raparigas) que “interagem” com ele nas incursões à plateia. Corre de um lado para o outro, e olha (e canta) muito para a câmara que o projeta nos ecrãs. Tinha um ar tão alucinado e um comportamento tão provocador que só nos perguntávamos: “será que se vai despir?” Não se despiu, mas manteve toda a gente a dançar. Os !!! foram uma festa, e a surpresa da noite para muitos.
Ao mesmo tempo (01h30), Glasser (Cameron Mesirow) encantava o público no palco Pitchfork:
Um espanto que não é de estranhar, é um daqueles casos que nos deslumbram, “afinal a voz dela é mesmo assim”, e sorrimos. Glasser cantou de olhos fechados, e todo o seu corpo serviu de complemento. Foi pena a sobreposição de horário, ela merecia mais atenção.
Apesar de ser muito difícil (ou porque não dizer mesmo, impossível) gerir horários de 50 bandas em 3 dias, fazemos um balanço positivo desta 3ª edição do Primavera Sound. A organização portuguesa do evento (a Ritmos) tornou possível apresentar um cartaz gerido (principalmente) a partir de Barcelona, e trouxe uma vez mais a Portugal – e ao Porto, em particular – nomes muito importantes da música alternativa. A aposta e investimento da NOS foi fundamental para este desempenho, como nos confirmou Pedro Moreira da Silva, responsável pela presença da marca no festival. Este ano correu muito bem, teve mais público (cerca de 70 mil pessoas provenientes de mais de 40 países), mas para o ano, disse-nos, um dos objetivos é reforçar a componente cénica dos palcos. Manter a identidade eclética é fundamental, vão querer continuar a fazer diferente mas cada vez melhor. A 4ª edição está confirmada para 2015, e nós cá estaremos a acompanhar um dos grandes festivais portugueses.
Ao longo destes três dias estivemos em permanência no Twitter com a hashtag #ObsFEST. Foram muitos os que nos seguiram e interagiram connosco. Com a música sempre em pano de fundo, um festival é também isso, uma oportunidade de partilha. Obrigado a todos.