Um comentário racista e anti-semita do líder histórico da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen, abriu nova polémica no seio do partido que, depois de ter vencido as eleições europeias em França, diz querer “limpar” a imagem neo-nazi do partido rumo às presidenciais de 2017. As declarações já valeram queixas de associações contra o racismo e a condenação de líderes judeus.

Na sexta-feira, questionado sobre as críticas que estavam a ser feitas ao partido por vários artistas, franceses e estrangeiros, Le Pen respondeu prontamente, e entre risos: “Para a próxima fazemos uma fornada com eles”. Um dos artistas mencionados pela interlocutora como proeminente nas críticas à Frente Nacional era Patrick Bruel, um cantor judeu. Os holofotes viraram-se imediatamente para aquela frase vista como anti-semita, que suscitou a reprovação de toda a comunidade, incluindo dentro do próprio partido.

O vídeo foi publicado no site da Frente Nacional na sexta-feira, mas entretanto foi apagado por ordem da própria Marine Le Pen, filha de Jean-Marie e atual líder da Frente Nacional.

No original, a palavra usada foi “fournée” (“On fera une fournée la prochaine fois”), que pretendia ser uma analogia com a palavra “tournée” – concertos dos artistas pelo país -, mas que se traduz por fornada, neste caso “o que se assa ou coze no forno de uma vez”.

Um utilizador do Twitter tenta mesmo avançar com uma definição figurada para a palavra utilizada por Le Pen: “Fornada: número de pessoas que sofrem o mesmo destino ao mesmo tempo”, diz.

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O caso já valeu um processo-crime interposto por associações dos direitos humanos e anti-racismo francesas, como a SOS Racismo, que descreveu as declarações de Jean-Marie Le Pen como um “passar das marcas e um exemplo do propósito do pensamento anti-semita”.

Também o presidente do Congresso Judaico Europeu quer ver consequências, escreve o site israelita de notícias Hareetz. Moshe Kantor quer que a União Europeia retire a imunidade parlamentar a Le Pen e que as autoridades francesas o acusem de incitamento ao ódio racial. “Le Pen revelou a verdadeira face da extrema-direita europeia. Enquanto alguns tentam encobrir e branquear a imagem destes partidos, o comentário de Le Pen vem demonstrar que ainda assentam em bases de ódio, anti-semitismo e xenofobia”, disse.

Dentro do partido, as declarações  serviram precisamente como pretexto para a atual estrutura partidária se demarcar do “presidente de honra”. Marine Le Pen não deixou passar as declarações do pai em branco, tendo reagido logo que rebentou a polémica. Mandou retirar o vídeo do site e, ao jornal francês Le Figaro, acusou o pai de “não ter antecipado a interpretação que ia ser feita”, admitindo que “foi um erro político que fará a Frente Nacional sofrer as consequências”. Ainda assim, aproveitou a controvérsia para destacar “um efeito colateral positivo”: “lembrar que a Frente Nacional condena qualquer forma de anti-semitismo, de qualquer natureza”, disse.

Também Louis Aliot, vice-presidente do partido e companheiro de Marine Le Pen, comentou o caso para dizer que  “foi estúpido” do ponto de vista político e “um constrangimento para a Frente Nacional”.

Jean-Marie Le Pen reagiu pouco depois, em comunicado oficial: “A palavra ‘fornada’ que usei no meu comentário semanal obviamente não tem nenhum sentido anti-semita, nenhum”. “A não ser para os meus inimigos políticos ou para os imbecis”, atirou. E negando que tivesse havido qualquer “erro” respondeu à filha e aos restantes dirigentes do partido: “Se querem parecer como os outros partidos políticos são eles que cometem ‘erros políticos’, não eu”, disse em declarações à rádio RMC.

Marine Le pen não pode perdoar

Numa altura em que Marine Le Pen tenta construir um bloco eurocético e de extrema-direita no Parlamento Europeu depois de vencer em França com mais de 25% dos votos, a verdade é que as declarações do pai representam passos atrás na estratégia de limpar a imagem do partido – não são raras as vezes em que Marine Le Pen aparece a apagar os fogos deixados acesos pelo pai ou por outro membro do partido, apanhados em declarações racistas ou anti-semitas. A atual presidente da Frente Nacional já chegou mesmo a descrever publicamente o Holocausto como “o auge da barbárie”.

De acordo com o Le Figaro, Le Pen “não pode perdoar” o pai neste caso de manifestação anti-semita, porque isso deita por terra toda a sua estratégia de renovação da imagem da extrema-direita francesa. E nesta altura tão importante, em que apenas passaram duas semanas desde as eleições europeias e em que já se começa a apalpar terreno para as eleições presidenciais de 2017, não pode deixar margem para dúvidas.

No Twitter, as reações surgiram de imediato, com os cidadãos franceses a questionarem os eleitores que votaram na Frente Nacional no passado 25 de maio, e a pedirem para que se “olhe para a história do [nosso] país”.

https://twitter.com/LaQuadradure/status/475911500251807744

Esta não é a primeira vez que Jean-Marie Le Pen se envolve em declarações polémicas. Em 1988 ficou conhecido o jogo de palavras que usou para se referir ao então ministro da Função Pública, Michel Durafour, judeu, a quem chamou de “senhor Durafour crematório”. Na altura, Le Pen foi condenado a pagar 10.000 francos, o equivalente a 1500 euros, por “insultos públicos”. A história voltou a ser falada em abril deste ano quando a presença de Le Pen numa cerimónia que assinalava o Dia Nacional da Deportação foi considerada uma “ofensa”.