E se houvesse um comprimido que nos fizesse precisar de dormir menos? O estudo está em marcha, cortesia de um casal que trabalha no laboratório da Universidade da Califórnia, em San Francisco. Conhecer os hábitos do sono das pessoas, o seu ritmo circadiano (já explicamos) e algumas consequências para a saúde, que resultam da privação de sono ou de mudanças no dia-a-dia. É esta a génese do estudo, que pode ler num artigo do Wall Street Journal (WSJ).

A ideia original surgiu em 1996, numa altura em que Ying-Hui Fu e Louis Ptáček eram professores na Universidade de Utah, quando uma mulher de 69 anos recorreu a uma clínica de sono queixando-se de que tinha de ir muito cedo para a cama e que acordava muito, muito cedo. A idosa e a sua família são ainda hoje participantes do estudo, assim como outras 100 famílias.

Esse foi o ponto de partida mas, ao tropeçarem num fenómeno, optaram por seguir caminhos diferentes. Já ouviu falar naquelas pessoas que afirmam só precisar de dormir quatro, cinco horas para se sentirem impecáveis? Na maioria dos casos, isso é mentira. Nos casos em que é verdade, digamos que é muito irritante. Quem é que se julgam? Bom, respirar fundo e prosseguir. É esse o objeto de estudo de Ying-Hui Fu, que analisa esse verdadeiro fenómeno de pessoas que dormem tão pouco, um grupo que é estimado ser menos de 1% da população norte-americana. Atenção: não são permitidos despertadores nem truques nesta equação. Falamos de genética. De ritmo circadiano, ou de uma espécie de relógio biológico que coloca em sintonia todas as células do corpo.

Se Ying-Hui Fu analisa essa rara espécie de pessoas que mal dorme, o marido, Louis Ptáček, agarrou-se ao tema original: as razões para deitar cedo e cedo erguer – focou-se naqueles que se deitam às 20h30 e que acordam antes das 5h30 da manhã. O pesquisador estima que 3% da população norte-americana tem esse hábito… ou necessidade, vá. Ptáček quer testar drogas e alterar o ritmo circadiano e, assim, resolver problemas derivados do sono, alimentação e outros de origem cardiovascular. Essa droga poderá, acredita, ser muito útil para tratar problemas associadas ao jet lag e, num outro patamar, ajudar nos tratamentos relacionados com cancro.

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Ying-Hui Fu também tem em mente criar uma droga que nos leve a necessitar de dormir menos. “Os que, naturalmente, dormem menos são muito otimistas, muito enérgicos e empreendedores”, revelou ao WSJ. “Se conseguirmos identificar as vias que conseguem regular a duração do nosso sono, talvez um dia consigamos criar algo melhor do que a cafeína”, explicou.

Este tema é mais importante do que à primeira vista pode parecer. Alterações nos hábitos, seja na alimentação, seja no sono, o que normalmente acontece a pessoas que trabalham em turnos rotativos ou nos noturnos, resultam numa maior propensão de desenvolvimento crónico de doenças como cancro, obesidade e síndrome metabólico. Estão a ser desenvolvidos também alguns testes em animais – o artigo não especifica a natureza dos mesmos.

O artigo explica-nos que existem diferentes genes envolvidos nesta questão da regulação do sono. Um deles, observado por Fu, é o Dec2, uma mutação comum nos que dormem menos de seis horas. A pesquisadora não acredita que seja possível criar uma droga que consiga efeito semelhante em menos de dez anos. Resta-nos dar uso ao despertador e dormir sete, oito horas. Sem pudor.

Quanto a Ptáček, que se centrou nos casos mais extremos de pessoas que vão dormir no início da noite, revelou que se descobriram algumas mutações ao nível da genética no seu grupo de estudo, designadamente na Per2, que tem um papel importante na regulação dos tais relógios que sincronizam as células. Foi já definida uma possível saída: uma proteína que regula o Per2 e que está já a ser preparada em laboratórios. O objetivo é a droga manipular o tal ritmo circadiano e ajudar a controlar situações como o jet lag e a mudança abrupta de horários de trabalho, como já vimos acima. Mais importante será o seu papel na hora dos tratamentos de cancros, nomeadamente através da quimioterapia.

O estudo revela ainda que existe um momento ideal para um paciente receber o tratamento de um cancro, que resulta em função do seu ritmo circadiano. Mas essas condições ideais não são tidas em conta na hora de calendarizar os tratamentos, que normalmente respeitam apenas a uma lista de vagas numa hospital ou clínica, como se de aulas de escola se tratasse. Com essa droga, Ptáček acredita que os pacientes com cancro vão poder, ao regular os relógios das células à vontade do freguês, otimizar o seu tratamento. Este mundo da genética tem muito que se lhe diga, hein?