Há quem espere por nós assim
mesmo ao meio da rota do fim
há quem tenha os braços abertos
para nos aquecer
e acenar no fim

Canção dos Trovante dedicada ao “Peter”

Um cais de embarque e um porto de abrigo para velejadores carinhosamente chamados de “aventureiros” pela população da Horta, na ilha do Faial. A história do Peter Café Sport não é nova: dela fazem parte quase um século de aventuras e três gerações de uma família dedicada às gentes do mar. Por essa razão, é provável que tenha ouvido falar do “Peter”, também conhecido por José Azevedo (falecido em 2005). No dia em que se celebra o Dia Nacional do Gin Tónico, (re)lembramos o pequeno café que ainda hoje serve de posto de correio do Atlântico e que ficou eternizado pela bebida da casa.

Não é uma fábula, mas podia ser. Tem marinheiros, mares agitados, histórias de encontros e desencontros. É em 1918 que a primeira versão do espaço nasce (o café mudou de edifício três vezes, mas ficou sempre na mesma zona). Estávamos no início do século XX, quando a época dos baleeiros atinge o seu auge e assiste-se à instalação das companhias de cabos submarinos na ilha. A consequente presença de alemães e, sobretudo, de ingleses exerce influência nos habitantes locais. Henrique Azevedo não é exceção. Apaixonado pelo desporto, pratica ténis, futebol e pólo aquático, vício que o levaria a abrir o Café Sport.

“O meu avô trabalhou aí até morrer, em 1975”, conta José Henrique Azevedo ao Observador. É o atual proprietário do emblemático café. Enquanto desvenda a história que lhe corre nas veias, salta de uma geração para outra: o seu pai, José Azevedo, cedo ajudou nas lides do café, mas também no navio H.M.S Lusitânia II, da Royal News, que, por ter sido atingido na popa, ficou estacionado no porto no decorrer do segundo conflito mundial. Aos 19 anos, José Azevedo carregava mercadorias e ajudava na manutenção do barco, que servia de apoio a outros navios que ali chegavam. Foi então que um dos oficiais para quem trabalhava lhe pediu se o podia chamar de Peter, por este ser parecido com o filho que havia ficado em Inglaterra. José assentiu e o nome ficou até hoje. O Café Sport passaria, mais tarde, a chamar-se Peter Café Sport.

Já na década de 1960, o Faial começou a receber com regularidade um novo tipo de visitantes, os tripulantes das embarcações de recreio à vela. O Peter Café Sport tornou-se num local de apoio para os iatistas que cruzavam os mares. “Os grande clássicos da vela oceânica passaram todos pela Horta”, conta José Henrique Azevedo, recordando Joshua Slocum, que muitos anos antes foi o primeiro a dar a volta ao mundo em solitário.

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O café ajudou nomes da modalidade enquanto bar, restaurante, local de informações, casa de câmbios e até posta-restante. “Ficámos conhecidos como o posto de correio do Atlântico. Ajudava termos um horário mais alargado, das 08h00 às 02h00”. Ali recebiam cartas de familiares e amigos daqueles que se lançavam às águas, permitindo a troca de mensagens. O correio vinha principalmente da Europa, mas também de destinos mais longínquos, como Austrália, Canadá e EUA. “Era a única forma de se manterem em contacto”, garante José Henrique Azevedo, que não consegue precisar os anos dedicados à correspondência. Certo é que o café foi distinguido pelos Correios de Portugal pelas cinco décadas de serviço cumpridas. Atualmente, atrás do balcão, há duas caixas repletas de cartas, organizadas por ordem alfabética, à espera de quem as venha buscar.

Falemos agora do gin tónico, cujo hábito começa ainda no tempo de Henrique Azevedo (o avô). A bebida ganha cada vez mais protagonismo e a fama chega a cruzar oceanos. Em 1986 e 1989, a revista Newsweek elege o Peter’s como um dos melhores bares do mundo. A publicação chega a escrever: “O Peter é realmente uma pessoa simpática…mesmo que você não beba”. Anos antes, em 1978, o Diário de Notícias dizia que “tomar um ‘gin’ no Peter’s faz parte da arte de bolinar” e, em 1983, o Expresso comentava que “na Horta, ir ao Peter’s é como ir à fonte”.

O gin tónico é a bebida da casa, o que, segundo José, não é costume. “Fico muito contente com a atual moda do gin. Surgiram uma série de clientes que antes não o apreciavam”, conta José Henrique. Além disso, o proprietário vê serem aplicadas as técnicas de fazer gin que o próprio tem em consideração há anos. “Já tínhamos cuidado a fazer gin, que é algo sagrado para nós. Costumamos dizer aos funcionários que podem fazer tudo mal, menos o gin”, diz em jeito de brincadeira.

“Peter”, apelidado de “excêntrico São Cristóvão para os marinheiros estrangeiros” por Ben Carlin, tornou-se amigo, ao longo dos anos, de navegadores, turistas e locais. Em 2003, foi agraciado com a Medalha de Grau Oficial da Ordem de Mérito, pelo então Presidente da República Portuguesa, e foi-lhe concedida a Bênção Apostólica pelo Papa João Paulo II.

Desde que o “Peter” faleceu, em 2005, é José Henrique Azevedo quem está à frente do estabelecimento. Aos seis anos de idade começou a trabalhar no café e cedo percebeu que o pai era famoso. A troco de um chocolate, limpava o pó das cadeiras e separava as garrafas de cerveja para, posteriormente, entregá-las aos fornecedores. Agora, está encarregue da gestão do café e do museu de scrimshaw, aberto em 1986 no piso de cima. Por scrimshaw entende-se a arte de gravar imagens nos dentes de cachalote. José garante que tem uma das maiores coleções e, daqui a uns anos, ambiciona um espaço maior para “fazer uma exposição como deve ser”.

O Peter Café Sport chegou ao continente com a Expo 98. Atualmente, contam-se três bares: em Lisboa, em Oeiras e no Porto.