Rafael segura na mão um pequeno pedaço de cartolina vermelho recortado em forma de coração. “Ela está sentada ali, ao lado da coluna.” A indicação é escutada com atenção e quem recebe o papel pergunta, olhando discretamente para o local, qual é a pessoa ao certo.
Luciana começa a contar que escreveu: “Oi moço alto e bonito.” E acrescentou o número de telefone.
Percebendo a minha expressão de quem claramente não está a perceber o que se está a passar, os dois explicam – “É correio elegante!”
“E isso é o quê mesmo?”
Vem a explicação: “É uma tradição daqui. Nas festas juninas, que acontecem em junho, a gente envia mensagens. É tradicional de festas populares. Você acha alguém bonito? Paga um real e envia um coração.”
O pátio da quadra 201 Norte está cheio de gente. Há várias bancas de venda de bebidas, pipocas, há bandeirolas e uma fogueira. E há, claro, o “correio elegante”. Aqui, em Brasília, há festa de S. João (festas juninas), mesmo no dia (24), à noite. Esta é organizada pelo Balaio café, um local que costuma apostar numa oferta cultural alternativa de música ao vivo e documentários. É muito frequentado por pessoas ligadas ao movimento LGBT e a movimentos sociais.
Tatiana é a “entregadora” dos corações de cartolina. “Sou amiga da dona do bar, já é o segundo ano que faço isto, é para me divertir.” A psicóloga já entregou 22 corações vermelhos esta noite e garante que por vezes o sistema funciona mesmo. “Já presenciei a dar certo hoje. Ela mandou um correio e ele pediu para ela se identificar. Aí levei ela para falar e eles ficaram. Me divirto muito com as reacções.”
O “Oi, e aí gatinha?”, mais o número de telefone, que Rafael enviou demora a surtir o efeito desejado. “Talvez não devesse ter colocado o número de telefone, né?”, comenta a rir. Mais sorte está a ter um rapaz que veste uma t-shirt da Colômbia, ali bem perto de nós. “Aquele cara ali é o que está tendo mais sucesso”, diz Tatiana apontado com os olhos, “já recebeu muitos!” Ao olharmos Luciana desata a rir, é o “moço alto e bonito” para quem ela enviou um coração.
Simon é francês, mas como um amigo colombiano veio visitá-lo a Brasília, enverga a camisola dos “cafetones”. Está a estudar engenharia civil na Universidade de Brasília há alguns meses, mas o português está longe de ser bom. Ainda assim dá para nos entendermos minimamente e Simon dizer que “não conhece esta tradição”, e encolher os ombros ao explicar que nem tem telemóvel brasileiro e por isso não está a apontar os números que lhe têm chegado às mãos.
Ao saber os pormenores, Luciana compra outro coração de cartolina. “Aí bonito, está sozinho? :)”. Comenta com o amigo – “esse da Alemanha, de chapéu, é bem bonito” – paga mais um real, e pede a Tatiana para entregar.
Os minutos passam, a festa continua, mas respostas… Zero. Luciana e Rafael vão embora. Ainda assim, a sorrir.