Mariana Oliveira teve o que muitos sonham e não conseguem. De forma natural e relativamente fácil, entrou em medicina na Universidade de Coimbra. Fez depois todas as cadeiras dos três primeiros anos. E, de repente (ou talvez não), desistiu. Hoje, frequenta a licenciatura em Português e põe um confiante ponto de interrogação na palavra “futuro”.
1. Pré-medicina
“Não foi um sonho de criança”. Seja por uma lógica mais oportunista ou por clara vocação, muitos querem, desde pequenos, ser médicos. O esforço é grande e muitos ficam pelo caminho. Não foi o caso de Mariana. Em nenhuma das situações.
O percurso académico acabou por ser quase obra do destino: “Sempre tive brio em trabalhar na escola e absorvi a ideia geral de que ter boas notas significava ir para medicina”. Hoje, com 22 anos, Mariana olha para esses tempos com um certo distanciamento: “Era muito nova e sabia muito pouco. Logo, acabou por ser um produto das circunstâncias”.
Nas circunstâncias, enquadra-se o aspeto familiar. Os pais são médicos, pelo que era um caminho relativamente óbvio. E foi uma opção que lhes agradou, “especialmente por ser um plano seguro”. Seja como for, Mariana garante que não lhe impuseram o que quer que fosse. “Foi mais uma sugestão de contexto que eu naturalmente absorvi”, assegura.
Verão de 2010, acesso ao ensino superior. A escolha da universidade estava tomada. Mesmo sendo alentejana, mesmo indo para bem longe de casa. Como o irmão estudou em Coimbra e era uma cidade que lhe agradava, isso era assunto encerrado. Faltava o curso. Mariana refere que foi uma decisão devidamente ponderada. Mas não muito antecipada e com uns pozinhos de casualidade: “Tive de escolher seis opções numa lista e assim foi”.
2. Medicina
Hipótese: Mariana odiou o curso, teve um episódio que a marcou negativamente ou entrou em depressão.
Realidade: Mariana teve um percurso… normal.
“Fiz as cadeiras todas, com notas razoáveis, no centro da curva de Gauss”. Mariana usa uma imagem matemática para mostrar que teve resultados iguais aos de tantos outros. Também “não foi o caso de não querer estar ali, de não suportar o curso”. Foi um processo gradual.
Na verdade, embora Mariana tivesse plena consciência de que não iria ser médica a vida toda, pensou durante muito tempo que iria acabar o curso. Mas depois veio o contraste com os colegas. O contraste com aqueles que, mesmo nas horas de muito trabalho, tanto entusiasmo manifestavam pela medicina. “Não tinha um sentimento de pertença no curso como os outros e isso era muito angustiante”, diz de forma tranquila, sem grandes dramatismos.
As certezas só surgiram durante o segundo semestre do terceiro ano. Para a mudança, muito contribuiu a Rádio Universidade de Coimbra, onde Mariana fez o curso de informação em 2012, departamento que hoje dirige. “É um espaço de liberdade, que nos dá ferramentas para pensar e decidir com solidez”.
Embora não tivesse “a ideia romântica de mudar o mundo, das hard news”, Mariana sempre teve bastante gosto pelo jornalismo. Aliás, esta chegou a ser uma hipótese em 2010, quando entrou pela primeira vez na universidade. Apesar de tudo isto, a escolha em 2013 foi outra. Resultado da conjugação de interesses, nomeadamente em literatura, recaiu em português, no antigo curso de estudos portugueses e lusófonos.
Antes de se centrar em autores nacionais, a cabeça desta jovem estava ainda focada na anatomia patológica ou na farmacologia. Estranha opção para quem ia mudar para um curso que não lhe daria quaisquer equivalências. A justificação é simples: como o prazo para inscrição nos exames tinha expirado, concluir os três anos era a única forma de aceder ao curso desejado. Foi assim que Mariana terminou a licenciatura básica em saúde (integrada no mestrado em medicina), antes de rumar a um mundo completamente diferente.
3. Pós-medicina
Notas de excelência no secundário e três anos completos em medicina. Perante este percurso imaculado, terão os familiares e amigos de Mariana reagido com normalidade à decisão? Quanto aos pais, a resposta é categórica: “Claro que não. Tentaram convencer-me a fundo a mudar de ideias”. Quanto aos demais, houve apoios e criticas. “É um passo para o abismo” ou “os fins justificam os meios e um dia vais gostar de ser médica” foram alguns dos argumentos de quem a criticou. Com convicção, Mariana valoriza a preocupação de quem a rodeia, pelo que não divide as opiniões “entre boas e más, entre sonhadoras e racionais”. E a decisão era irreversível.
Verão de 2014. Um ano depois da mudança, Mariana está confiante de que fez a escolha certa. Uma ideia que se manteve firme em todos os momentos: “Nunca me arrependi, mesmo no início, na fase emocionalmente mais conturbada, em que as reacções exteriores eram mais fortes”. Mesmo que não tenha a ideia romântica de que “antes era tudo mau e hoje é tudo bom”.
Ainda assim, a resposta à pergunta “O que farias hoje se pudesses voltar atrás?” é óbvia. E daí talvez não: “Se calhar, teria feito algo semelhante”. Eis as razões: “Só assim percebi que não queria ser médica e, na altura, não tinha aproveitado esta nova licenciatura da melhor forma”. O que não a impede de, com humildade, considerar que “é um privilégio poder fazê-lo quando tanta gente abandona os estudos por falta de dinheiro”.
A experiência pessoal provoca-lhe ainda uma reflexão mais alargada. Garante que há um modelo de vida demasiado formatado, em que “qualquer um tem de acabar o secundário, entrar na universidade, arranjar emprego e… respirar” Mariana compreende as dificuldades alheias, pois “antes das pessoas lerem um livro, precisam de comer”. Mas considera que acaba por ser castrador de uma certa formação individual.
Hoje, os olhos de Mariana estão postos no presente, em desfrutar ao máximo da licenciatura em português. Quanto ao futuro, nada de certezas e pouco pensa no assunto. Mas é com optimismo que garante que, “se gosto da licenciatura, hei-de gostar do resultado final”. Uma confiança que demonstra ainda quando, mesmo com uma certa timidez escondida, nos diz: “Estou no caminho certo”.