Quando viajaram para Cabo Verde, Alexandre Vaz e Madalena Boto queriam focar o documentário na calhandra-do-raso, uma espécie endémica que se encontra ameaçada, mas encontraram outras histórias ligadas à conservação da biodiversidade que não poderiam deixar de focar. As pessoas que encontraram nos cerca de dois meses que dedicaram à primeira campanha de filmagens transmitiam exatamente a mensagem que procuravam — uma mensagem de esperança.

Os dois realizadores ficaram deslumbrados com a paisagem árida do ilhéu do Raso. “Nunca tinha estado num sítio com um horizonte tão aberto”, disse Madalena Boto, bióloga e realizadora de documentários de vida selvagem. Também o fotógrafo Alexandre Vaz ficou surpreendido com uma paisagem tão diferente. Está habituado a viajar para África todos os anos, mas para as zonas com floresta tropical como São Tomé e Príncipe ou o Gabão.

Além da paisagem, o que mais os marcou foram, sem dúvida, as pessoas – a maneira como foram recebidos e ajudados pelas populações locais. Generosidade e simplicidade são as principais características dos habitantes locais. Passar meses num ilhéu desértico permite que se façam muitas conversas, que se contem muitas histórias e se partilhem muitos segredos. Para os realizadores foi interessante “perceber o que move as pessoas a passarem meses num ilhéu desértico a tentar salvar uma espécie” – muita paixão.

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Durante quatro semanas, entre agosto e setembro, fizeram filmagens em cinco ilhas do arquipélago de Cabo Verde: os três ilhéus chamados de Ilhas Desertas – Raso, Santa Luzia e Branco -, e ainda Fogo e São Vicente. Aproveitaram os melhores momentos da atividade da fauna e flora local, mas Madalena Boto voltou às ilhas em novembro para filmar a reprodução da calhandra-do-raso, depois das primeiras chuvas. “É algo que nunca ninguém tinha filmado”, revela a bióloga.

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As espécies ameaçadas de Cabo Verde

A ideia inicial de Alexandre Vaz e Madalena Boto era fazer um documentário sobre a calhandra-do-raso com algum contexto geral da região, mas depois de chegarem ao local perceberam que existiam outros projetos em curso, outras espécies a requer a intervenção humana para não desaparecerem, outras pequenas maravilhas. No arquipélago existem 36 espécies de aves, das quais 14 são endémicas, ou seja, não existem em mais nenhum local do mundo.

A calhandra-do-raso, uma das aves mais raras do mundo, vive apenas no ilhéu do Raso, com uma área de sete quilómetros quadrados. Nesta paisagem árida, os períodos de seca podem fazer o número de animais descer drasticamente. Um projeto de conservação pretende reintroduzir as calhandras na ilha de Santa Luzia onde existiram em abundância, antes de o homem ter ocupado o espaço. O problema neste momento são os gatos e ratos que foram introduzidos no ilhéu e que ameaçam as aves e os ovos, visto que os ninhos da calhandra são feitos no chão.

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Calhandra-do-raso deve o nome ao ilhéu onde foi encontrada pela primeira vez – Alexandre Vaz e Madalena Boto

Outra espécie alvo de conservação é a cagarra-de-cabo-verde, uma ave marinha que esteve à beira da extinção devido à caça para alimentação humana. A denúncia desta atividade tradicional por dois cabo-verdianos levou à mudança de atitude da população e à fundação da Biosfera, uma associação ambiental local criada por eles. Outra das espécies a que esta associação se dedica são as tartarugas-marinhas.

“Queríamos romper com a ideia de que não há dinheiro para fazer nada”

A ideia de fazer um documentário surgiu em 2012 depois de terem criado um vídeo promocional para o Grupo Lobo – uma associação sem fins lucrativos que trabalha para a conservação do lobo e do respetivo ecossistema em Portugal. Queriam fazer algo ambicioso de uma forma simples – todo o documentário foi financiado por cidadãos com vontade de ajudar, a partir de uma plataforma de angariação de fundos (crowdfunding). “Queríamos romper com a ideia de que não há dinheiro para fazer nada”, revelaram os realizadores. Ao mesmo tempo passa a ser um projeto que pertence a todas as pessoas.

A ideia era conseguirem pelo menos 3.500 euros. Com menos do que isso não seria impossível concretizar a viagem. Mas felizmente conseguiram um pouco mais (cerca de quatro mil euros), usado para cobrir viagens, dormida, alimentação e custos burocráticos, porque todo o trabalho humano é voluntário, incluindo o de pós-produção e o dos narradores: em português o cantor JP Simões e em inglês Michael Greer, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Alexandre e Madalena já tinham trabalhado em África e já tinham feito trabalho sobre aves endémicas. Cabo Verde mostrou-se a melhor opção porque conseguiram imediatamente o apoio da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e da Biosfera, ambas a trabalhar em projetos de conservação da natureza no arquipélago.

O documentário é apresentado esta quinta-feira no Oceanário de Lisboa, mas os autores esperam que alguma televisão tenha interesse em divulgá-lo. De qualquer forma tanto o documentário, como as fotografias e outros materiais de divulgação criados durante esta campanha serão disponibilizados às associações ambientalistas. O documentário está também selecionado para alguns festivais: Cine’Eco, em Seia (Portugal); Wildlife Conservation Film Festival, em Nova Iorque (EUA); Wildlife Vaasa Nature Film Festival, em Vaasa (Finlândia) e Matsalu International Nature Film Festival, em Lihula (Estónia).